O racismo, a polícia e a independência
O Estado convenceu-se que basta uma inspecção-geral para afastar qualquer ténue dúvida sobre o comportamento policial.
Portugal surge, frequentemente, no topo dos relatórios internacionais sobre violência policial devido às acusações de discriminação racial de que são alvo afrodescendentes ou estrangeiros no momento em que são detidos ou que estão sob a guarda das forças policiais. O relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (um organismo independente dos direitos humanos dos 47 países do Conselho da Europa), divulgado esta terça-feira, é apenas mais um.
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Portugal surge, frequentemente, no topo dos relatórios internacionais sobre violência policial devido às acusações de discriminação racial de que são alvo afrodescendentes ou estrangeiros no momento em que são detidos ou que estão sob a guarda das forças policiais. O relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (um organismo independente dos direitos humanos dos 47 países do Conselho da Europa), divulgado esta terça-feira, é apenas mais um.
Portugal é citado neste relatório por duas razões: a acusação contra 18 agentes da esquadra da PSP em Alfragide, que respondem em tribunal por suspeitas de racismo e tortura infligidas a moradores negros do Bairro Cova da Moura, e por causa de Elson “Kuku” Sanches, um jovem negro de 14 anos, supostamente alvejado por um polícia a curta distância. No primeiro caso, a IGAI, a Inspecção-geral da Administração Interna, decidiu arquivar as acusações e limitou-se a sugerir a suspensão de um polícia e a transferência de um segundo. Mas, como se sabe, o Ministério Público achou que existiam motivos suficientes para levar a tribunal os agentes, que ainda não foram condenados. No segundo caso, o agente foi absolvido.
Claro que é o caso de Alfragide que faz com que Portugal surja no topo destes relatórios elaborados por instituições europeias das quais o país faz parte. Mas este caso não deve ser usado como desculpa, simplesmente por ter sido mediatizado, como diz Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia. A discriminação racial pode ser invisível a um determinando nível, de tão subcutânea que é, nos manuais escolares ou no quotidiano. Mas a verdade é que ela está lá. O número de crimes de discriminação racial registados (48) em 2017, pela Direcção-Geral da Política de Justiça, é o dobro do ano anterior. Desengane-se quem pense que a questão é meramente estatística.
A crítica mais certeira que estas instituições têm feito ao país radica no facto de o Estado se ter convencido que basta uma inspecção-geral para afastar qualquer ténue dúvida sobre o comportamento policial. O Estado e os cidadãos teriam tudo a ganhar se, como recomenda este último relatório, fosse criado um órgão independente com o objectivo de investigar todos os eventuais abusos e discriminação policial. Nem todos os polícias são racistas ou xenófobos. Os que não o são certamente que nada teriam a temer.