Benfica alega que não precisava de corromper funcionários judiciais
Clube tenta evitar ida dos dirigentes da SAD a julgamento e diz que maioria dos processos supostamente espiados nem em segredo de justiça estavam.
O Benfica alega que a maior parte dos processos espiados pelos dois funcionários judiciais acusados no caso E-toupeira, supostamente com o objectivo de passarem informação privilegiada ao clube, não estavam sequer em segredo de justiça, razão pela qual não precisava de os corromper para aceder ao seu conteúdo.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O Benfica alega que a maior parte dos processos espiados pelos dois funcionários judiciais acusados no caso E-toupeira, supostamente com o objectivo de passarem informação privilegiada ao clube, não estavam sequer em segredo de justiça, razão pela qual não precisava de os corromper para aceder ao seu conteúdo.
“De acordo com a informação constante da acusação, dos 28 processos alegadamente acedidos de forma ilegítima, apenas cinco se encontravam em segredo de justiça”, pode ler-se no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Benfica, numa tentativa de evitar que a Sociedade Anónima Desportiva (SAD) responda em tribunal por corrupção e vários outros crimes. Caberá ao juiz de instrução criminal decidir se existem ou não indícios suficientes para tal.
O requerimento aparece assinado por três dos mais reputados advogados portugueses especializados em direito penal, todos eles de escritórios diferentes: Rui Patrício, João Medeiros e Saragoça da Matta. Operação Marquês, vistos gold e operação Fizz são alguns dos casos em que têm marcado presença na defesa dos arguidos.
Em dois dos processos acedidos pelos funcionários judiciais, a Benfica SAD tinha participação directa, recordam, na qualidade de sujeito processual [fosse como ré ou como queixosa] – o que significa que tinha direito a consultar a informação que existia no tribunal sobre estes casos. “Os restantes processos seriam públicos e, em certos casos, encontrar-se-iam já arquivados”, argumentam ainda os representantes legais do clube. Por esse motivo, o seu conteúdo deixara de ser confidencial. Por outro lado, prossegue a defesa do clube, parte dos processos judiciais de que fala o Ministério Público não diziam respeito ao Benfica, nem directa nem indirectamente. “Qual a relevância para a Benfica SAD da existência de um processo executivo entre um trabalhador da Belenenses SAD e esta sociedade?”, interrogam os advogados, a título de exemplo.
O requerimento de abertura de instrução aduz ainda outra ordem de razões para pugnar pela inocência dos dirigentes da Benfica SAD: não existem quaisquer provas de terem feito uso das informações alegadamente recolhidas pelos funcionários judiciais.
Na tese da acusação, em troca dos serviços que prestaram ao seu clube os funcionários receberam bilhetes para jogos e produtos de merchandising, como camisolas, tendo também tido acesso à zona de estacionamento dos jogadores no estádio da Luz. Ofertas que lhes terão chegado através do assessor jurídico do clube, Paulo Gonçalves, e que a sociedade anónima assegura não ter autorizado, mas cuja importância desvaloriza.
“Note-se que a Benfica SAD oferece por ano milhares e milhares de bilhetes, e milhares e milhares de produtos de merchandising”, descreve. Objectivo? No caso dos jogos menos importantes, evitar ter a casa vazia. Quando foi inquirida neste processo, uma funcionária do clube explicou que os colaboradores do clube são incentivados a encher o estádio ao máximo, para a equipa se sentir apoiada no relvado e também por causa dos contratos de patrocínio. A ideia será “oferecer quantos bilhetes seja possível oferecer”.
Mas afinal a partir de que valor este tipo de oferta pode ser considerada suborno? O trio de advogados fez as contas, socorrendo-se quer do código de conduta dos funcionários públicos quer do código de ética da FIFA e de outros organismos desportivos internacionais, tendo concluído que, nuns casos, o limite considerado aceitável rondará os 150 euros, noutros os 300. Perante as ofertas recebidas pelos funcionários judiciais – alguns blusões e camisolas à razão de 60 a 80 euros cada, além dos convites assistirem aos jogos – concluem que todas elas fazem parte daquilo a que a justiça chama “conduta conforme aos usos e costumes”, em especial os que vigoram no mundo do desporto.
“É facto público e notório nas diferentes modalidades desportivas, pelo mundo fora, a oferta de convites para assistir aos eventos”, pode ler-se no requerimento.
O Benfica diz não acreditar na culpabilidade de Paulo Gonçalves. Mas pelo sim, pelo não aproveita para ir dizendo que, ainda que o seu ex-assessor jurídico tenha praticado algum crime, fê-lo sem o seu conhecimento.