Johnson subiu ao palco do congresso tory para piscar o olho à liderança do partido
Tal como tem feito nos últimos tempos, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros atacou o plano de Theresa May para o “Brexit”. Apesar de não ter pedido directamente a queda da primeira-ministra, Johnson garante que há mais alternativas.
O momento mais esperado do terceiro dia do congresso do Partido Conservador era o discurso de Boris Johnson, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros que se tem perfilado como o principal opositor interno da primeira-ministra, Theresa May. O eurocéptico usou a intervenção para piscar o olho à liderança do partido e tentar mostrar que é a melhor alternativa a May.
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O momento mais esperado do terceiro dia do congresso do Partido Conservador era o discurso de Boris Johnson, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros que se tem perfilado como o principal opositor interno da primeira-ministra, Theresa May. O eurocéptico usou a intervenção para piscar o olho à liderança do partido e tentar mostrar que é a melhor alternativa a May.
A expectativa era tão grande que os jornais britânicos foram relatando as longas filas de espera no congresso tory nos momentos que antecederam o discurso de Johnson.
Desde que Theresa May anunciou o seu plano para a futura relação entre o Reino Unido e a União Europeia, conhecido como “plano Chequers”, - que foi rejeitado por Bruxelas - o que levou à demissão de Boris Johnson, que este se manteve na linha da frente na oposição conservadora à primeira-ministra e à sua visão para um “Brexit” negociado e conseguiu reunir à sua volta a facção eurocéptica mais radical do partido.
O congresso foi sendo visto, por isso, como o palco perfeito para Johnson desafiar seriamente a liderança de May.
Anúncios de May antes de Johnson
Como que para atenuar o impacto de Boris Johnson, o dia começou com uma série de anúncios por parte do executivo britânico. A primeira-ministra, numa entrevista ao Evening Standard, revelou que, a partir de agora, os casais heterossexuais vão poder estabelecer relações civis, sem obrigação de constituir matrimónio – direito que era até aqui reservado apenas a casais de pessoas do mesmo sexo.
Noutras entrevistas, em rádios e televisões, May desvendou ainda a sua proposta para a circulação de pessoas depois de consumado o “Brexit” (a 29 de Março de 2019), afirmando que os cidadãos europeus não terão mais prioridade de residência e de trabalho no Reino Unido. Admitiu também que os britânicos terão condições idênticas na UE e que vão precisar de vistos idênticos aos necessários para entrar nos Estados Unidos para visitar e trabalhar na Europa.
Ao reconhecer que estas questões vão depender da conclusão das negociações com Bruxelas, May acrescentou um dado que gerou polémica, ao dizer que os trabalhadores europeus altamente qualificados que queiram mudar-se para terras britânicas poderão ter prioridade em relação aos restantes. Ou seja, o Reino Unido não está aberto a trabalhadores não qualificados.
Estas declarações valeram uma resposta imediata desde Bruxelas, com Guy Verhofstadt, coordenador do “Brexit” do Parlamento Europeu, a usar o Twitter para garantir que Bruxelas “nunca" aceitará "um sistema migratório baseado na descriminação de qualificação e nacionalidade”.
Os anúncios e declarações de May conseguiram, durante a manhã, afastar os holofotes de Boris Johnson. Mas o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros subiu ao palco do congresso conservador perante uma plateia cheia.
“‘Chequers’ é uma fraude”
Depois de abordar temas como a habitação, impostos e serviço de saúde, passando por críticas ao Partido Trabalhista, Johnson chegou ao assunto mais esperado e que mais entusiasmou a audiência. “Este é o momento para deitar fora ‘Chequers’", disse. "Chuck Chequers” foi a sua frase - e que ameaça transformar-se num lema da oposição a May. “Se enganarmos o eleitorado, e ‘Chequers’ é uma fraude, vamos aumentar essa sensação de desconfiança. Colegas Conservadores, isto não é democracia. Não foi por isto que votámos. Isto não é recuperar o controlo. Isto é perder o controlo”, continuou.
“Não acreditem quando dizem que não há outro plano nem alternativa”, desafiou Boris Johnson.
Nestas declarações de Johnson os analistas viram imediatamente um desafio a Theresa May e um posicionamento como alternativa. Sobretudo porque Johnson fez um apelo velado a uma insurreição “silenciosa” contra a primeira-ministra:
“Por isso, e pela uma última vez, peço aos nossos amigos no Governo que ofereçam ao povo aquilo em que ele votou, que apoiem Theresa May da melhor maneira possível, ao, suavemente, silenciosamente e sensatamente, apoiarem o seu plano original [para um “hard Brexit”]. E, ao fazê-lo, para acreditarem no conservadorismo e para acreditarem no Reino Unido”.
Prosseguiu: “Se errarmos, seremos punidos. Se acertarmos, poderemos ter um futuro glorioso. E este Governo será então lembrado por ter feito uma coisa corajosa, correcta e notável e de acordo com o desejo do povo”.
Foram vários os deputados conservadores que se puseram ao lado de Johnson e outros a criticarem a sua tomada de posição. O que demonstra a divisão, que já era evidente, nos tories.
Numa primeira reacção, e em declarações à BBC, May revelou que não viu o discurso de Johnson mas disse que as propostas do antigo ministro prejudicam o Reino Unido pois forçariam a Irlanda do Norte a separar-se definitivamente.
“Boris dá sempre um bom espectáculo, mas o que importa para as pessoas é o que lhes estamos a oferecer nas coisas que afectam o seu quotidiano”, disse May à Sky News.
Apesar dos vários elogios ao discurso de Johnson na sua vertente técnica, em relação ao conteúdo os analistas encontraram poucas novidades – isto porque, na sexta-feira, Johnson publicou um artigo no jornal Telegraph onde apresentava a sua própria proposta para o “Brexit”.
Sobre o desafio à liderança de May, houve quem lembrasse que o antigo presidente da câmara de Londres não tem apoios suficientes para fazer cair a primeira-ministra. “O problema fundamental para Boris, e para aqueles que concordam com ele, é o que Bonar Law disse há quase um século: ‘O partido elege um líder e esse líder escolhe a política, e se o partido não gostar, têm de arranjar um novo líder’. Mas eles não têm apoio para a substituir”, disse James Forsyth, editor de política da revista Spectator.
O The Guardian, numa análise ao discurso, vai pelo mesmo caminho: “Se houvesse um sinal de que Johnson tivesse construído um mecanismo para derrubar Theresa May, o discurso poderia ter transmitido alguma ameaça. Mas não há nada no que ele disse que sugira que conseguiu contornar o problema de não ter votos parlamentares suficientes para se ver livre dela”.
A primeira-ministra manteve-se sempre agarrada ao seu “plano Chequers” apesar da rejeição de Bruxelas, da oposição trabalhista e também da facção conservadora liderada por Johnson. Nesta quarta-feira, último dia do congresso, é a sua vez de subir ao palco. Espera-se uma resposta aos ataques internos. E poder-se-á começar a perceber se a ofensiva do seu antigo ministro teve algum alcance.