“A genética da polícia brasileira ainda é do tempo da ditadura”
É o que diz o antropólogo Robson Rodrigues, ex-comandante das UPP e ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar, hoje na reserva.
As Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nasceram de uma tentativa de modernizar a polícia brasileira, explica o antropólogo Robson Rodrigues, ex-comandante das UPP e ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar, hoje na reserva. “Mas não soubemos defender esse projecto dos ataques reaccionários. As forças reaccionárias perderam o pudor de se exporem de uma forma radical, dando o tiro de misericórdia nas UPP ”, afirma.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
As Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nasceram de uma tentativa de modernizar a polícia brasileira, explica o antropólogo Robson Rodrigues, ex-comandante das UPP e ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar, hoje na reserva. “Mas não soubemos defender esse projecto dos ataques reaccionários. As forças reaccionárias perderam o pudor de se exporem de uma forma radical, dando o tiro de misericórdia nas UPP ”, afirma.
Os períodos de maior repressão policial depois da ditadura coincidem com os de maior violência. “Na década de 1990 houve um general da ditadura que foi secretário da Segurança no Rio de Janeiro, o general Nilton de Alburquerque Cerqueira, que ficou muito famoso por ter morto o capitão e guerrilheiro Carlos Lamarca, que instituiu, por um decreto do Estado, uma gratificação que ficou conhecida como gratificação Faroeste, que dava dinheiro para os polícias que abatessem a tiro mais oponentes. Isso foi nos anos 1990! Se for ver os números, os anos 1990 foram os mais catastróficos”, conta.
Esse exemplo ilustra como a “genética da polícia brasileira ainda é do tempo da ditadura”. Aliás, a da justiça e dos seus braços armados. “Mesmo a polícia civil, e o Ministério Público, são pouco abertos para a necessidade de eficiência das investigações nas áreas mais vulneráveis do território, e pouco aberta ao diálogo com a população. Daí o autoritarismo que ainda permeia essas instituições”, critica.
As UPP tiveram sucessos encorajantes. “Houve uma redução no número de homicídios e um aumento de denúncias dos crimes que costumam ser pouco visíveis: os estupros, a violência doméstica”, diz. Isto significava que a população das favelas começou a procurar a ajuda da polícia. “Há um estudo muito interessante de um cientista português, Boaventura Sousa Santos, numa favela do Rio de Janeiro, que mostra porque é que o morador numa favela muitas vezes não busca o Estado como uma instância de resolução dos seus conflitos. E ali estava a haver uma inversão, as pessoas estavam a procurar a polícia”, diz Robson Rodrigues.
“Tivemos uma legitimidade como nunca conseguimos em toda a história da polícia, desde que foi fundada aqui a Guarda Real, que foi uma equivalente da de Lisboa”, declara.
Só que o sucesso das UPP foi visto como uma oportunidade política e económica pelo governo do Rio, onde pontificava Sérgio Cabral – hoje condenado a mais de 40 anos por corrupção. “Havia um interesse criminoso por trás, as UPP foram um instrumento dessa máquina”. O empresário Eike Batista, um dos grandes financiadores das campanhas de Cabral e do projecto das UPP, é um exemplo. As grandes empreiteiras implicadas na Lava-Jato também, financiando projectos vistosos nas favelas do Rio, mas deixando para trás obras de infra-estruturas que teriam sido mais úteis, como as de saneamento.
“Agora vivemos outro equívoco. A polícia sozinha não faz segurança pública. A polícia não pode ter autonomia, mas hoje ninguém assume a liderança no Estado, dizem que o problema é com a polícia Mas a polícia é pouco reflexiva, age no momento e pode tornar-se também um factor de violência, se não for controlada”, diz. O resultado é uma média de quatro mortes por dia em operações policiais no Rio de Janeiro.