Como um ovo de Colombo deu um Nobel brilhante
Até meados dos anos 80, havia “dois mundos” diferentes na tecnologia laser: os lasers que geravam impulsos luminosos muito curtos (da ordem de um bilionésimo de segundo) mas de baixas energias, e os que geravam energias muito elevadas mas com uma duração relativamente longa, recorrendo frequentemente a montagens complexas e de grande dimensão. De facto, não era possível criar impulsos simultaneamente curtos e potentes, já que concentrar energia na sua ínfima duração implicaria que, durante o processo de amplificação, estes ficariam inevitavelmente distorcidos – e poderiam mesmo destruir os componentes do laser. Este impasse levou a que nesta época o progresso da investigação em lasers tivesse estagnado consideravelmente.
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Até meados dos anos 80, havia “dois mundos” diferentes na tecnologia laser: os lasers que geravam impulsos luminosos muito curtos (da ordem de um bilionésimo de segundo) mas de baixas energias, e os que geravam energias muito elevadas mas com uma duração relativamente longa, recorrendo frequentemente a montagens complexas e de grande dimensão. De facto, não era possível criar impulsos simultaneamente curtos e potentes, já que concentrar energia na sua ínfima duração implicaria que, durante o processo de amplificação, estes ficariam inevitavelmente distorcidos – e poderiam mesmo destruir os componentes do laser. Este impasse levou a que nesta época o progresso da investigação em lasers tivesse estagnado consideravelmente.
A técnica de chirped pulse amplification (amplificação de impulsos com trinado) tem origem nos radares, e Mourou e Strickland foram os primeiros a reconhecer que podia ser usada na óptica. A introdução da técnica CPA foi um ovo de Colombo – já que o impulso não pode ser curto durante a amplificação, usa-se a seguinte receita: começa-se com um impulso laser curto; aumenta-se a sua duração; amplifica-se esse impulso alongado; no final, reduz-se a duração de volta à original. Assim, evita-se que o impulso seja curto durante a fase na qual podem ocorrer problemas, mas beneficia-se da sua curta duração à saída do laser.
Para distender e comprimir o impulso, usam-se componentes ópticos que espalham as suas frequências ao longo do tempo (o que em física se designa por “dispersão”). O impulso fica mais longo e com uma “cor” que varia; por analogia com o som, diz-se que tem um chirp, ou trinado, que é o som típico do canto das aves. O mérito de Mourou e Strickland consiste em terem tido a intuição de reunir técnicas de diferentes áreas e reconhecido o potencial da sua aplicação aos lasers.
Este tipo de laser produz potências ópticas extremas: altíssimas energias concentradas em durações incrivelmente curtas, que hoje atingem os milésimos de bilionésimos de segundo. Pondo em perspectiva: são flashes luminosos cuja duração está para um piscar de olhos do mesmo modo que um piscar de olhos está para a duração do Universo! Diga-se que estes impulsos laser são o fenómeno de mais curta duração produzido pela humanidade e, consequentemente, permitem-nos estudar outros fenómenos em escalas de tempo e de distância incrivelmente curtas.
A matéria comporta-se de forma radical quando exposta a estes lasers. Entre as aplicações principais, contam-se a aceleração de electrões a laser (que permite distâncias de aceleração muito mais curtas do que nos aceleradores convencionais), a geração de novos tipos de luz, como os lasers de raios X, e a criação de feixes de protões para radioterapia.
O CPA permitiu explorar a natureza dos impulsos laser curtos para atingir potências ópticas elevadas. Da noite para o dia, a potência dos sistemas laser de curta duração aumentou um factor de 1000. Simultaneamente, o tamanho dos sistemas necessários para produzir lasers potentes reduziu-se drasticamente, passando de uma escala de “instalação industrial” para o tampo de uma mesa óptica.
O primeiro laser do tipo CPA em Portugal nasceu por iniciativa do professor Tito Mendonça, do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico (IST), e eu fui o responsável pela construção, através de uma parceria com um laboratório britânico. Foi instalado em Lisboa em 1998 e deu origem a uma nova área de investigação no país, tendo-se especializado na geração de fontes de partículas e diferentes gamas laser.
A nível europeu, Mourou liderou a fase de lançamento do projecto Extreme Light Infrastructure, que juntou investigadores de vários países europeus (incluindo membros do Grupo de Lasers e Plasmas do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do IST) no objectivo de construir o laser mais poderoso de sempre. Iniciado em 2005, o projecto acabou por se converter na construção de três grandes laboratórios em três pólos – República Checa, Hungria e Roménia – equipados com sistemas laser topo de gama e abertos à comunidade científica mundial, que foram recentemente inaugurados.
Por fim, o Nobel da Física deste ano trouxe uma novidade há muito merecida – a atribuição do prémio a uma mulher, neste caso, a estudante de doutoramento de Mourou à época da invenção do CPA, e co-autora do artigo pioneiro de 1985 (já citado cerca de 2200 vezes). É uma distinção justa, merecida e inspiradora para todas as jovens estudantes de ciências.