O primeiro Orçamento com um + desde 1973?
O bom andamento da economia e da execução orçamental provavelmente dá confiança ao Governo para aumentar, mais do que o previsto, a despesa pública em 2019.
O Orçamento do Estado de 2019 (OE 2019), que tem de ser submetido até 15 de Outubro à Assembleia da República, está já na recta final de elaboração.
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O Orçamento do Estado de 2019 (OE 2019), que tem de ser submetido até 15 de Outubro à Assembleia da República, está já na recta final de elaboração.
O Governo começou por sugerir ou por insistir que não existia margem para grandes voos, em particular nos aumentos de salários dos funcionários públicos, aos quais, porém, “nunca disse nunca”, com o Ministro das Finanças a argumentar que o défice em 2018 será o previsto (0,7% do PIB) e a considerar optimistas as previsões do Conselho de Finanças Públicas (0,5% do PIB). Mas, esta semana ficou a saber-se que o Governo tem abertura para o que aparentam ser “minúsculos” aumentos efectivos de salários e de pensões.
O que mais importa para o Governo parece ser ganhar credibilidade “junto dos mercados” e das autoridades europeias. Com efeito, procura-se atingir e superar metas orçamentais ambiciosas para que diminua a diferença (“spread”) entre as taxas de juro da dívida pública portuguesa e as taxas de juro da dívida alemã e espanhola, objectivo sem dúvida importante. Portugal não é a Itália, afinal de contas!
Mas a actividade económica tem evoluído bem, com o desemprego a cair para níveis há muito não registados, as receitas fiscais a crescer (+5,1%) a taxas muito superiores à despesa pública (+2,2%) e o défice, em contabilidade pública, a cair para 577 milhões de euros (0,3% do PIB) de Janeiro a Agosto, sem as despesas com nova “recapitalização” do Novo Banco (792 milhões de euros, 0,4% do PIB). Até Agosto, o saldo orçamental antes da despesa com juros, em contabilidade pública, foi de +5 426 milhões de euros, cerca de +2,8% do PIB, um número extraordinário.
Ou seja, o bom andamento da economia e da execução orçamental provavelmente dá confiança ao Governo para aumentar, mais do que o previsto, a despesa pública em 2019.
Qual será o défice orçamental em 2018, ponto de partida para o OE 2019?
É difícil prever o défice em 2018 porque, dada a maior folga orçamental, têm ocorrido alterações, algo discricionárias, que reduzem a comparabilidade da execução orçamental, em contabilidade pública, com o período homólogo do ano anterior. Alterações que se desejavam realizar mas que, em anos anteriores, por falta de “verbas”, não se faziam, várias das quais sem impacto, ou mesmo com impacto favorável no défice oficial (em contabilidade nacional).
Por exemplo, o Ministério das Finanças parece estar a realizar injecções de capital em empresas públicas como a CP e a regularizar dívidas do sector da saúde. Numa óptica de caixa, tais operações resultam numa deterioração da execução orçamental. Contudo, na óptica de compromisso – que é a relevante para a contabilização do défice de acordo com as autoridades estatísticas – tais operações podem de facto estar associadas a um agravamento do défice, mas também podem ter um impacto favorável nas contas públicas se, por exemplo, os hospitais públicos utilizarem injecções de capital para amortizar dívida, reduzindo a despesa com juros de mora, o que se traduziria numa redução da despesa pública com juros.
Um segundo exemplo, de sentido contrário, é o aumento das maturidades das emissões de dívida, que não tendo impacto no défice em contabilidade pública no ano corrente, se traduz numa redução do défice em contabilidade nacional menor do que o possível, como aqui se defendeu na última semana. E também a alteração do perfil intra-anual das emissões de dívida, com reflexos negativos no défice em contabilidade pública e em contabilidade nacional.
Afastando-nos desta análise de pormenor, refira-se que: a previsão do Governo da melhoria do défice de 0,9% para 0,7% do PIB em 2018, incluindo despesa com recapitalização do Novo Banco e empréstimo ao Fundo dos Lesados do BES, ou para cerca de 0,2%-0,3% do PIB, excluindo essa despesa “extraordinária e não recorrente”, parece demasiado conservadora, devido aos seguintes factores:
Em 2018, enquanto o PIB cresce em termos nominais cerca de 3,7% na primeira metade do ano, a despesa pública não cresce tanto quanto o previsto, em particular devido a dificuldades operacionais e negociais na implementação das progressões nas carreiras dos funcionários públicos e a atrasos nos programas de investimento público, com o investimento a crescer 3,8% em contabilidade pública até Agosto face ao período homólogo, quando o OE 2018 prevê uma taxa de crescimento de 21,8% em contabilidade pública (e de +40,4% em contabilidade nacional); acresce que, excluindo progressões na carreira, os salários dos funcionários públicos não foram actualizados (nomeadamente, à taxa de inflação), uma parte significativa das pensões cresce a taxas inferiores às da inflação, enquanto a taxa de desemprego cai para níveis históricos com efeitos positivos na despesa e receita pública.
Por conseguinte, é provável que a melhoria do saldo orçamental prevista pelo Governo, de um défice de 0,9% do PIB em 2017 para um défice de cerca de 0,2%-0,3% do PIB em 2018 (em ambos os casos, sem medidas extraordinárias) seja superada.
De facto, o défice sem medidas extraordinárias melhorou 1,1 pontos percentuais (p.p.) do PIB entre 2016 e 2017, ano em que o PIB cresceu 4,4% em termos nominais. Pelo que a previsão do Governo de uma melhoria do défice de 0,6 ou 0,7 p.p. do PIB entre 2017 e 2018 (excluindo medidas extraordinárias) é, como referido acima, excessivamente “prudente”.
“Ano zero” em 2018, antes das eleições legislativas?
Claro que o défice (oficial) de 2018 somente será conhecido em finais de Março de 2019. Seria de mau gosto que o Governo repetisse a telenovela de 2017/2018 com revisões em baixa do défice público de 2017, décima a décima, que se iniciou em 1,6% do PIB na proposta do OE 2017 e terminou nos 0,9% do PIB, anunciados pelo INE a 29 Março de 2018. Mas é provável que algo similar venha a ocorrer.
Note-se que, no final de Março de 2019, com o OE 2019 já aprovado e tendo o Governo prometido em Junho à “troikalite” que utilizará desvios favoráveis para amortizar dívida pública e não para realizar despesa, já não haverá nada a fazer.
E Governo e PS poderão ir à campanha eleitoral com o défice (tecnicamente) zero em 2018, o que conquistará, por certo, o voto de muitos eleitores.
Para Mário Centeno, o Orçamento mais desafiante não é o português!
O Ministro das Finanças tem-se mostrado exímio nas negociações orçamentais com os restantes membros do Governo, bancada do PS e partidos à esquerda.
Começa por uma posição dura e intransigente, alegando que “não há folga orçamental”, para depois ceder muito pouco, mas o suficiente para que o Governo obtenha o apoio parlamentar que necessita.
Parece provável que a proposta de OE 2019 formalmente apresente um défice de 0,2% do PIB. Ou seja, não é desta ainda que o Governo apresenta um saldo orçamental positivo (um sinal +) na proposta do OE. O objectivo para o défice de 2019, tal como este ano, incluirá medidas extraordinárias, nomeadamente a parte III da doação à Lone Star dona do Novo Banco (outros 0,4% do PIB?), que ocorrerá no final do corrente ano e que deveria ser contabilizada em 2018, mas que somente será registada no défice público em 2019.
Contudo, em Abril de 2019, quando apresentar o Programa de Estabilidade 2019-2023, o Governo irá rever os objectivos orçamentais, em função da execução de facto observada nas contas públicas de 2018. O défice de 2018 poderá, nessa altura, ser muito inferior aos 0,7% do PIB previstos pelo Governo.
E, por conseguinte, 2019 seria ano de saldo orçamental positivo, eleições e champanhe.
Mas não é o OE 2019 que verdadeiramente preocupa o Ministro das Finanças português.
O que preocupa Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, é o Orçamento do Estado italiano, cujo défice supostamente aumentará de 1,6% do PIB esperados em 2018 para 2,4% do PIB em 2019.