A música portuguesa a "ser gostada" por outros em Viena

Durante anos a música portuguesa parecia que não gostar de si própria. Agora que essa relação parece pacificada, é altura de convencer outros que vale a pena gostar da música que por aqui vai sendo feita. Foi isso que foram fazer Rodrigo Leão, :Papercutz, Surma ou Noiserv ao Waves Vienna.

Foto
Selma Uamusse no concerto de Rodrigo Leão

É preciso que a música portuguesa goste dela própria para "ser gostada" por muitos outros melómanos das mais diversas nacionalidades. Isso de um ponto de vista emocional. Mas quando se fala em indústria, em possibilidades de exportação e em competitividade com outros mercados, a maior parte dele maiores e mais experientes, é preciso mais do que isso.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

É preciso que a música portuguesa goste dela própria para "ser gostada" por muitos outros melómanos das mais diversas nacionalidades. Isso de um ponto de vista emocional. Mas quando se fala em indústria, em possibilidades de exportação e em competitividade com outros mercados, a maior parte dele maiores e mais experientes, é preciso mais do que isso.

Música criativa é essencial. Mas é também necessário planeamento, estratégia e acções concertadas. É isso que tem vindo a fazer, desde 2016, a Why Portugal, a plataforma que tem viabilizado a presença da música portuguesa em eventos internacionais da indústria. Até à altura o que existia eram acções casuísticas ou iniciativas encetadas pelos próprios artistas. Agora Portugal faz-se representar nos certames profissionais.

Em Janeiro do ano passado no Eurosonic da Holanda (talvez o mais credível evento dos profissionais da música europeus), Portugal foi o país em destaque, seguindo-se a presença numa série de outros eventos análogos, embora de menor expressão. É o caso do Waves Vienna, que aconteceu entre esta quinta e sábado, na capital austríaca, com Portugal e a Estónia, como os dois países em evidência. No que se traduz isso? Dez concertos de portugueses, escolhidos pela organização a partir de uma inscrição prévia, e a presença de outros profissionais do sector (agentes, editores, produtores, divulgadores) em debates, encontros e outras iniciativas.

No centro está a ideia de que vale a pena promover mais intercâmbio de artistas entre os países europeus. A Áustria havia estado em foco na mais recente edição do festival Westway Lab de Guimarães e a impressão foi positiva. Franz Hergovich, responsável pelo gabinete de exportação de música austríaca (o Music Austria) diz mesmo que o nível organizativo foi um dos mais elevados que encontrou nestes encontros. “Fomos muito bem recebidos e ao mesmo tempo sentimos que estávamos num contexto altamente profissionalizado o que nem sempre é fácil de alcançar”, diz.

Foto
Os :Papercutz de Bruno Miguel e Emmy Curl em actuação em Viena

De música moderna feita em Portugal diz conhecer pouco, sendo as excepções os Buraka Som Sistema e Rodrigo Leão, que vira na véspera no primeiro dia do acontecimento. “Já o conhecia de o ter ouvido, mas ao vivo fiquei ainda mais impressionado”, afirma, salientando no entanto que mais do que os concertos, o Wave Vienna quer proporcionar aos profissionais do sector encontros, troca de experiências e, claro, possibilidades de negócio.

Já em relação aos critérios que conduzem à escolha dos inúmeros artistas e grupos que actuam no certame, diz que não existe nenhum “método científico”, mas que há uma série de curadores e especialistas que acabam por deter um papel importante na selecção que contempla essencialmente projectos emergentes, mas também algumas carreiras consolidadas. Tanto se pode entrar por acaso numa sala e depararmo-nos com uns novatos da Estónia, como ouvir os ingleses Go! Team ou a histórica Neneh Cherry que, na última noite, na apresentação do seu novo álbum, com produção do inglês Four Tet, acabou por dar um dos melhores concertos do evento.

Durante o dia sucedem-se os encontros entre profissionais e, à noite, sucedem-se os espectáculos numa dezena de salas, a maior parte agrupados num espaço que faz lembrar a Lx Factory de Lisboa. Foi aí que, na primeira noite tocou Rodrigo Leão, arrancando uma excelente prestação. Como todos os restantes portugueses, também ele deseja que a sua presença possa ter ainda mais impacto no seu percurso internacional, mas no seu caso, pelo seu traquejo, a sua prestação é também simbólica, representando uma música portuguesa já consolidada. António Cunha, da Uguru, que o representa, foi aliás um dos oradores de um painel onde se falou do momento presente da música feita em Portugal e não foi acaso.

É que foi ele a estar ao lado dos Madredeus, o primeiro caso consistente de exportação de música portuguesa a partir da década de 1990. O papel de alguns acontecimentos, como a música para o filme Lisbon Story de Wim Wenders, ou a conquista do mercado espanhol, foram lembrados por António Cunha como alguns dos momentos determinantes da história da exportação dos Madredeus. Isso, claro, e a música singular do colectivo.

Sem ela, nada feito. Três dos projectos que têm beneficiado com as iniciativas levadas a cabo pela Why Portugal têm sido Noiserv, We Bless This Mess e :Papercutz, todos em Viena. Qualquer deles está longe de ser um caso de sucesso declarado em termos de mercado em Portugal. Perante uma realidade comercial exígua têm tentado conquistar o seu pequeno espaço noutros países. E o efeito de acumulação tem-se feito sentir.

“Temos tocado em festivais europeus graças a esta aposta na internacionalização”, confessa Bruno Miguel (:Papercutz), salientando que é preciso encarar de forma séria a participação neste tipo de acontecimentos. “Não basta vir aqui para um showcase, é preciso trabalhar a vinda em termos de contactos e estar-se pronto para as solicitações. E aí têm sido importantes uma série de programas europeus que têm proporcionado a deslocalização e a troca.” Uma troca que não é apenas comercial, diz. “Por exemplo, no Westway Lab de Guimarães tive oportunidade de trabalhar em residência com a americana Vita e agora vou aos Estados Unidos trabalhar lá com ela. E isso só é possível por esse intercâmbio, artístico e comercial, que hoje é incentivado nesta Europa.”

Dos portugueses, para além de Leão, os :Papercutz, Noiserv e We Bless This Mess serão dos que terão mais razões para sorrir pela forma como foram acolhidos. Às vezes não tem apenas a ver com a performance. Tem também a ver com as condições proporcionadas. E nesse campo o Waves nem sempre tratou bem projectos lusos com Surma, Vaarwell, Holy Nothing, The Miami Flu ou Grandfather’s House. Todos têm razões de queixa das condições sonoras que tiveram de enfrentar. Fica a experiência de terem de suplantar condições adversas. E quem sabe de terem encetado algum contacto que lhes permita olhar com mais horizonte o futuro.

O PÚBLICO viajou a convite do Waves Vienna