Contra o fascista Bolsonaro, elas marcharam pela democracia
No Rio de Janeiro, as mulheres juntaram-se sob o chapéu do movimento #EleNão para lutar contra o candidato da extrema-direita brasileira às presidenciais de Outubro. Foi um grito a muitas vozes. “Não, não, ele é fascista/Meu voto será feminista.”
Nem se diz o nome dele, para não dar azar. “É o Bozo, o palhaço, o coiso. Temos de tomar cuidado”, diz Cissa Cabral, junto a uma banquinha montada rés-vés à escadaria do edifício da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na Cinelândia, que vende t-shirts do movimento #EleNão, anti-Jair Bolsonaro – violeta, mais claro ou mais escuro, o tom escolhido para a manifestação aprazada para várias cidades brasileiras neste sábado, e também na Europa e noutros continentes.
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Nem se diz o nome dele, para não dar azar. “É o Bozo, o palhaço, o coiso. Temos de tomar cuidado”, diz Cissa Cabral, junto a uma banquinha montada rés-vés à escadaria do edifício da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na Cinelândia, que vende t-shirts do movimento #EleNão, anti-Jair Bolsonaro – violeta, mais claro ou mais escuro, o tom escolhido para a manifestação aprazada para várias cidades brasileiras neste sábado, e também na Europa e noutros continentes.
“Sou jornalista, e sou do PT [Partido dos Trabalhadores]. O meu pai também era jornalista, e foi um dos fundadores do sindicato”, explica Cissa Cabral, que hoje é aposentada, tem 62 anos. “Sou fundadora do PT. O primeiro núcleo do PT aqui no Rio nasceu lá nos fundos da minha casa, era proibido. Recolhíamos garrafas, papel, ferro-velho, para arranjar fundos. E radiografias”, explica sentada nas às escadarias do edifício da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
De t-shirt vermelha, calças de ganga, brinco na orelha com pérola e dourado, cabelo curto entre o louro e branco, encaracolado, Cissa Cabral é uma mulher determinada. Veio para a rua, para a manifestação das mulheres contra Bolsonaro, convocada através das redes sociais, horas antes da praça da Cinelândia, no Rio de Janeiro, se encher de gente – não apenas mulheres, com t-shirts roxas ou não, cabelos compridos, afro, azuis despenteados ou em trancinhas, homens – bastantes, por si sós ou atrelados aos seus amores, alguns com t-shirts feministas.
O problema, diz, é que este candidato esconde um perigo ainda maior. “Ele é apenas um sujeito manipulado por uma força maior, as chefias militares. Não é à toa que tem como vice um general que está a dar entrevistas a dizer coisas absurdas.”
Cissa Cabral tem dois filhos militares, um homem e uma mulher, ambos na Marinha, que fazem campanha por Fernando Haddad. “Mas são oficiais de carreira, por isso não tem problema, e são muito inteligentes, por isso não forçam ninguém”, explica.
Agora, o perigo de os militares quererem voltar ao poder, como no tempo da ditadura, não lhe parece nada remoto. “A ideia só não está a encontrar apoio no ‘baixo clero’, se é que me entende. O comando militar Leste não concorda. Mas é uma cláusula pétrea da Constituição que não pode haver Governo militar”, assegura. “Eu já vivi numa ditadura militar, perdi um irmão de 17 anos para a tortura, simplesmente porque era presidente de um grémio de estudantes”. Não quer correr riscos.
Democracia tutelada
Ainda da cama do hospital, o candidato Jair Bolsonaro deu uma entrevista à televisão Bandeirantes em que deixou planar a ameaça de uma regime tutelado pelos militares – além de indicar que só aceitará a vitória. “Pelo que vejo nas ruas, não aceito um resultado diferente da minha eleição”, afirmou. Não se cansa de pôr em causa a fiabilidade do voto electrónico – que no entanto é garantido pelas autoridades eleitorais e pelos especialistas – e até de “profissionais dentro do Tribunal Superior Eleitoral”.
Disse não acreditar que as Forças Armadas tomassem a iniciativa de contestar os resultados das eleições, se o PT ganhar. Mas, e este mas é toda uma ameaça, “na primeira falta, com o PT errando, poderia acontecer, sim”. Embora seja político há 27 anos, o ex-capitão considera-se ainda militar. “Nós, das Forças Armadas, somos avalistas da Constituição. Não existe democracia sem Forças Armadas”, declarou Bolsonaro.
“Não, não, ele é fascista/Meu voto será feminista”, ensaiam-se palavras de ordem para a manifestação, enquanto a praça se vai enchendo lentamente, até chegarem as 15h. Chegam os carrinhos com rodinhas, puxados por bicicletas, por força de braços, com tabuletas a dizer que aceitam todos os cartões, visa, mastercard… Sim, porque ninguém tem de passar fome e sede na manifestação! Começa a haver fumo de assar os espetinhos de frango, de carne de boi (aqui a carne de vaca muda de sexo), de queijo, a cervejinha, a caipirinha nas suas várias encarnações, colas, águas, docinhos… Alguns trazem os autocolantes de candidatos a deputados locais.
Os autocolantes #EleNão, de vários tipos, produzidos por várias entidades, começam a circular entre a multidão. São colocados nas t-shirts, nas mochilas e malas, directamente nos braços para quem não tem grande área na roupa para os colar.
“Bolsonaro passa de todos os limites, a candidatura dele devia ter sido impugnada. Um cara que defende a tortura devia estar preso”, diz Soraya Ravenle, actriz e cantora de 55 anos, que dentro em pouco tinha de ir trabalhar, mas não resistiu a ir ao início da manifestação, porque está chocada demais com o que se está a passar. “Ele é psicopata, doente, mas além de ignorante, burro, não fez nada na sua vida política.”
“Estava ouvindo ontem uma série de entrevistas de Vladimir Safatle, ele é filósofo, escreve na Folha de São Paulo, ele dizia várias coisas que me ficaram na cabeça. Uma delas é que essa direita que está a crescer tem sempre um carácter cómico. E a gente fica ‘ah não é verdade o que ele está a falar, é brincadeira’. Todos têm isso, lá em Itália, o Trump. É muito complexo”, diz, com gestos que se tornam largos, agitados.
Ela não é do PT, vai votar no Ciro Gomes, que parece uma alternativa para o voto à esquerda. “Mas o antipetismo é muito violento. “Achava que o Ciro, que está na política há 300 anos, podia ter uma oportunidade de ser uma alternativa à esquerda. Mas a esquerda não se une. O meu maior medo é que na segunda volta a esquerda não se une e Fernando Haddad perca.”
A útima sondagem Datafolha, revelada sexta-feira à noite, dá 28% a Jair Bolsonaro e 22% a Fernando Haddad. Estes são também os dois candidatos com maior rejeição: 46% para Bolsonaro, e 32% para Haddad. O candidato da extrema-direita é rejeitado por 52% das mulheres – e apenas 26% rejeitam Haddad. Na segunda volta, Bolsonaro perderia com qualquer outro candidato.
Bella Ciao
“Uma manhã eu acordei e ecoava ‘ele não, ele não, ele não, não, não, não/ Uma manhã eu acordei e lutei contra o opressor/ Somos mulheres, a resistência de um Brasil sem fascismo e sem horror / Vamos à luta para derrotar o ódio e pregar o amor.” A letra é nova, mas a música é Bella Ciao, uma canção que se tornou um símbolo da resistência italiana contra o fascismo. Ecoa na Cinelândia, tendo como alvo Jair Bolsonaro. “Ele não, nem o filho dele” – Flávio Bolsonaro disputa o cargo de senador pelo Rio de Janeiro.
“O principal motivo de estar aqui é a resistência contra o avanço das ideias fascistas, na figura de Bolsonaro. Protestar contra a opressão contra tudo o que é repressão”, diz Camila Putzke, de 24 anos, professora e estudante de mestrado, que vai votar em Guilherme Boulos, candidato do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
“Ele significa perda de direitos, é uma pessoa reaccionária. Votou a favor da emenda constitucional 95 [que impõe um tecto da despesa pública durante 20 anos, que não será actualizado nem sequer para corresponder à inflação), aprovada em 2016. Há a reforma trabalhista, e há a questão dos direitos das mulheres, somos assediadas a toda a hora, nem sequer podemos pôr um shortinho”, diz.
Carmelena Nassar, de 67 anos, está sozinha, com uma bandeirola a dizer #ele não, uma t-shirt de alças violeta. Mas veio “como avó e como mãe”, frisa. “Não aceito o regresso do fascismo, da ditadura, não quero a violência que o inominável está a fazer. Passei pela ditadura, não quero isso para os meus filhos e netos”, diz, determinada.
Faz parte do movimento na Internet contra Bolsonaro desde finais de Agosto, antes do site no Facebook ter sido atacado por apoiantes da candidatura do ex-capitão. “Às vezes sou atacada online, mas os argumentos deles é xingarem-me de velha filha de algo, é dizerem que nazismo é de esquerda. É para ver o nível!”.
Tinha parado de fumar, mas voltou a fumar em Agosto, contou, puxando de um cigarro. “As pessoas pobres expressam o desejo de votar nesse cara. Será que não percebem ele pode vir a matá-las?”, interroga. “Agora mesmo passaram aí três guris [meninos] negros a dizerem que iam votar no coiso [Bolsonaro]. O povo acha que vai receber uma arma [defende a liberalização do porte de armas], mas vai é receber uma bala!”, afirma. “Estou aqui é para dizer ele não.”