No restaurante Arcoense a perfeição alcança-se todos os dias, habituando muito mal quem lá vai
O verdadeiro menu de degustação é o do restaurante Arcoense em Braga. Não tem menu de degustação já impresso. Em vez disso para cada pessoa que lá vai troca dois dedos de conversa com ela e a partir daí, conforme os gostos e as curiosidades de cada um, adivinha uma série de pratos e pratinhos de encantamento garantido.
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O verdadeiro menu de degustação é o do restaurante Arcoense em Braga. Não tem menu de degustação já impresso. Em vez disso para cada pessoa que lá vai troca dois dedos de conversa com ela e a partir daí, conforme os gostos e as curiosidades de cada um, adivinha uma série de pratos e pratinhos de encantamento garantido.
Da factura do nosso almoço percebe-se que há quatro tamanhos de dose: há a dose que dá para três pessoas e a meia-dose que dá para duas. Mas depois há o prato que é um quarto de dose e o pratinho que é um petisco bem servido.
1/2 bacalhau lascado - 20€
1 polvo assado no forno - 20€
1 vitela assada/costela mendinha - 10€
1 boi estufado 1/2 - 5€
2 pataniscas de bacalhau - 2.20€
Os dois arrozes - o de polvo e o de salpicão com feijão — são pratos que só por si são banquetes — acompanhavam o polvo e a vitela.
Outro critério maravilhoso do Arcoense é trazer para a mesa um pratinho com aquilo que fica pronto na cozinha, só para provar. Aqui funciona em grande a magia do acabadinho de fazer.
A ementa do Arcoense é um catálogo dos grandes pratos minhotos, quase sem excepção. O Arcoense é daqueles grandes restaurantes com excelentes cozinheiras e cozinheiros que se atrevem a oferecer dezenas de pratos, sabendo que não falhará nenhum.
Assim foi. A Maria João e eu nunca tínhamos comido tanto, tudo por gula. Tivemos de deixar metade nas travessas — “o que ficar no prato paga a dobrar” ralharam — mas acho que comemos o equivalente a quatro refeições.
Nota-se na clientela que o Arcoense é uma catedral de virtudes gastronómicas. As pessoas sentadas àquelas mesas estão todas profundamente satisfeitas, por saberem de antemão como vão ser recebidos e alimentados. Nós os dois éramos os únicos forasteiros.
O ambiente era igualmente delicioso. Quando perguntámos quem é que tinha feito as pataniscas responderam que tinham vindo de Lisboa. Trataram-nos como clientes antigos com apetites e exigências de bracarenses, como se fizéssemos parte da família.
Sabe bem estar numa casa tão segura do seu valor. Não há aventuras nem hesitações. Só confiança. Não há aquela linguagem pretensiosa de apresentar os pratos com referências aos ingredientes, aos produtores e às histórias “por trás” deles. Não há histórias. Ali cozinha-se, recebe-se, come-se, bebe-se, conversa-se e goza-se. Não chega?
As pataniscas são sublimes. Eu gosto até de más pataniscas mas estas levam-me a dizer que só comi verdadeiras pataniscas de bacalhau uma só vez: no Arcoense. O aspecto até nem era bom: eram nuvens amarelas que não mostravam sinal de terem sido fritas.
Eram fofinhas de ovo mexido, carregadas do sabor do bacalhau. Transmitiam apenas a glória do bacalhau. Até a salsa era sublime. Não sabiam nem a cebola nem a alho nem a mais nada. Custam 1,10€ cada uma. Acho que é um recorde uma tal delícia por tão pouco.
Queríamos comer oito pataniscas cada um e ficarmos almoçados com elas, mais um arrozinho que fosse. Não nos deixaram. Mas um dia voltaremos lá só para comer pataniscas - porque são simplesmente as melhores pataniscas do universo.
E eles sabem, como sabem tudo - vão pataniscas inaugurais para todas as mesas. Tive inveja dos clientes habituais a atirá-las às bocas como se fosse um ritual multicentenário, maravilhoso mas rotineiro.
O Arcoense cura o seu próprio presunto de bísaro. Um dos anfitriões explica que este correu bem mas que muitas vezes corre mal. São riscos que só corre uma casa com a plenitude que o Arcoeiro tem. É uma alegria provar um presunto descaradamente gordo, pouco salgado, sumarento.
Tudo é perfeito no Arcoense. É o adjectivo mais adequado. São os jarros de limonada que vão para todas as mesas, para crianças e adultos. Não se vêem latas de nada. É a broa, é o pão, é o bacalhau, é o vinho verde da casa, Encosta da Abadia (9,50€), é o melhor rabo-de-boi que já provei, ao qual nem a Maria João (que não come carne) resistiu. É o arroz de salpicão a saber profundamente a feijão. É escusado estar com fitas. É tudo bom. É tudo perfeito.