SáLA, o restaurante de João Sá é como se fosse a casa dele

Há uma suavidade no espaço que João Sá acaba de abrir em Lisboa, que passa pela decoração, pelos objectos, pelo ambiente, pela forma como somos recebidos. Tudo foi pensado com tempo, concentrando em cada coisa – incluindo a comida – o que é essencial.

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Como se consegue fazer um prato interessante e diferente a partir de uma beringela? Esta foi uma das muitas perguntas que João Sá fez a si próprio quando estava a pensar na carta para o seu novo restaurante SáLA , que acaba de abrir em Lisboa. Está cada vez mais interessado em trabalhar com legumes e entusiasma-o o desafio de criar com eles pratos com o mesmo grau de consistência e criatividade dos que se fazem em torno de uma proteína.

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Como se consegue fazer um prato interessante e diferente a partir de uma beringela? Esta foi uma das muitas perguntas que João Sá fez a si próprio quando estava a pensar na carta para o seu novo restaurante SáLA , que acaba de abrir em Lisboa. Está cada vez mais interessado em trabalhar com legumes e entusiasma-o o desafio de criar com eles pratos com o mesmo grau de consistência e criatividade dos que se fazem em torno de uma proteína.

Por isso, quando nos sugere que escolhamos alguns dos pratos da sua carta para provarmos, o primeiro que nos chama a atenção é o da beringela. Afinal, que ideia teve João Sá para um vegetal que em Portugal é muitas vezes mal-amado? O que surge na mesa é surpreendente: o sabor da beringela, mas em forma de coscorão com pó de azeitona, queijo de Azeitão e pasta de pimento e alho.

Os sabores que João está a criar são todos portugueses, mas a ideia que tem do que é essa essência do sabor português é alargada. “É muito redutor dizer que português é pão, azeite, coentros e alho”, afirma. “A massa de pimentão, por exemplo, é totalmente nossa mas ninguém a vê como identificativa da cozinha portuguesa. Se quisermos usar caril, ele também é português, muita gente usa caril em casa. Nas sobremesas, a canela é tão importante quanto os ovos, e no entanto falamos sempre de uma doçaria de ovos.”

Desde que saiu do Assinatura, em 2014, que João Sá, que iniciou a sua carreira no G-Spot, em Sintra, dedicou-se sobretudo às aulas na Escola de Hotelaria de Lisboa, enquanto foi amadurecendo o projecto de um restaurante em nome próprio, que chegou a estar pensado para outra zona de Lisboa. O SáLA abriu agora junto ao Campo das Cebolas, na Rua dos Bacalhoeiros, local de passagem constante de turistas a caminho da Baixa ou do Terreiro do Paço.

Quando visitamos o restaurante, este ainda está em soft opening. A calma no interior contrasta com a rua movimentada. Tudo é suave, desde as cores, de um terra-dourado, à iluminação das mesas, passando pelo serviço, delicado, discreto, sem interrupções desnecessárias das conversas que acontecem à mesa, mas atento e atencioso. Também isso foi pensado, confessa João Sá quando falamos sobre a importância do atendimento na sala, para onde escolheu apenas mulheres, querendo assim ter uma equipa equilibrada relativamente ao número de homens a trabalhar na cozinha. 

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Andreia Patriarca

Essa suavidade, uma forma de estar não intrusiva, nota-se desde a rua no logótipo escolhido para o nome do restaurante: o traço fino a desenhar a silhueta de uma cadeira, e as duas sílabas a remeter para a ideia de sala – “quis que este espaço fosse como a minha sala de estar, como se as pessoas tivessem sido convidadas para minha casa” – brincando ao mesmo tempo com o apelido do chef.

Entramos e à direita temos o bar, que pode funcionar autonomamente – mesmo quem não queira almoçar ou jantar pode entrar no SáLA apenas para tomar uma bebida e ver o trabalho do barman Sérgio, que faz os purés, xaropes e fermentados usados nas bebidas. A ideia de João Sá (influência de uma viagem que fez a Copenhaga e aos grandes restaurantes nórdicos, como o Noma) é que haja uma boa oferta de sumos naturais e de bebidas não alcoólicas, como a kombucha (fermentada a partir do chá).

Do balcão vê-se também a cozinha, onde a equipa (12 pessoas ao todo, contando com o chef) está a trabalhar. A sala tem duas zonas, uma mais próxima da porta, outra um pouco mais resguardada, onde nos sentamos a conversar.

Percebe-se que houve muito cuidado colocado em cada pormenor. João conta que visitou a Caldas Design Week à procura de designers artesanais para os vários objectos, desde as bolsas em pele para os talheres, cozidas à mão, um trabalho de João Fernandes, aos decanters de vidro soprado entre troncos de videiras, feitos por Samuel Reis, passando pelas fardas desenhadas por Cláudia Garrido, pelos pratos feitos com a Sedimento (e que incluem criações da equipa do restaurante), os suportes para flores da Otchipotchi ou as espátulas de madeira para a manteiga, de Ricardo Rival.

A mesma atenção foi dada à escolha dos fornecedores e dos produtos. “Temos uma cozinha sazonal mas sem usar os nomes das estações porque existem micro-estações. A ideia é ter uma selecção do que conseguimos criar com as coisas que estão boas naquele momento.” Há um menu de degustação com cinco pratos e há uma escolha à carta, na qual se recomenda dois a três pratos por pessoa mais uma sobremesa.

Voltamos à conversa sobre os vegetais. Foi depois de a filha, Isabel, nascer (João é casado com a chef Marlene Vieira) que começou a prestar mais atenção ao que se pode fazer com legumes. “A Isabel come sopa todos os dias, muitas vezes é vegetariana, e eu como sopa com ela porque não gosto de obrigar uma criança a comer sopa quando eu não como. Acabei por reduzir a quantidade de proteína que consumo e nunca me senti mal por isso. Não sentes necessidade, a verdade é essa.”

A carta – que não tem uma divisão formal entre entradas e principais mas um equilíbrio entre “pratos mais leves e outros mais estruturados” – reflecte esse percurso. “O mundo vegetal, para um cozinheiro, é sempre um desafio, porque inevitavelmente vamos tentar buscar sabor e o sabor, não vamos inventar histórias, é dado pela manteiga, pelo leite, pelas natas, pela carne.”

Aqui é preciso usar a imaginação e essa tanto pode estar em fazer um prato apenas com couve como em juntar carne com melancia como, simplesmente, em fazer uma pasta de tomate para comer com o pão (caseiro, com massa mãe e farinhas seleccionadas) que não é mais do que tomate triturado com sal e azeite.

Em geral, no SáLA os pratos são trabalhados a partir de apenas dois ou três ingredientes base. Os hidratos de carbono são os grandes ausentes da ementa (apesar de João nos falar entusiasticamente de como foi procurar as batatinhas pequenas, “aquelas que ninguém quer” e que são “espectaculares” e de prometer um prato de arroz para o Inverno), a proteína é dada muito pelo peixe e marisco, a carne tem uma presença mais discreta e “30% da ementa são vegetais”. Nem tudo é biológico, mas João tenta que seja, sempre que possível – é o que procura agora, por exemplo, com o café (que ainda está em processo de selecção) e que é servido com opção entre açúcar mascavado ou mel.

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dr

Também a carta de vinhos segue a mesma filosofia: não é grande (mais brancos, rosés e espumantes do que tintos) mas tem variedade, incluindo vinhos biológicos e naturais, produtores mais pequenos, um ou outro vinho estrangeiro, e, sobretudo, escolhas que correspondem ao gosto pessoal de João Sá. Não há aqui, tal como na comida, nada que ele não servisse na sua casa, aos amigos que recebesse na sua sala de estar – que, a partir de agora, tem um prolongamento na Rua dos Bacalhoeiros, a dois passos do Tejo.