Associação de Críticos de Arte contra "coacção superior" nas opções dos curadores

Na sequência do conflito em Serralves, Paulo Pires do Vale diz que não faz parte das funções da administração de uma instituição imiscuir-se no trabalho do curador.

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Rui Gaudencio

A Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) manifestou-se na quinta-feira contra "a ingerência externa e a coacção superior nas opções de um curador", na sequência do conflito entre a Fundação de Serralves e o director demissionário do museu.

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A Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) manifestou-se na quinta-feira contra "a ingerência externa e a coacção superior nas opções de um curador", na sequência do conflito entre a Fundação de Serralves e o director demissionário do museu.

De acordo com um comunicado divulgado pela Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte (SP/AICA), assinado pelo presidente da direcção, o curador Paulo Pires do Vale, a entidade considera que qualquer ingerência "nas opções de um curador, violam a sua liberdade e identidade autoral/curatorial, alterando a unidade do seu trabalho, a exposição".

"Neste sentido, defenderemos sempre, e com veemência, os curadores contra as alterações, sem a sua anuência, nas escolhas de obras ou artistas, montagem ou discurso de uma exposição, pois põem em causa a integridade e intencionalidade do seu trabalho intelectual - como o corte de um parágrafo ou capítulo de um texto, para um escritor, ou de um excerto de um filme, para um realizador", considera o presidente da SP/AICA.

A tomada de posição surge na sequência da controvérsia em redor da exposição de Robert Mappelthorpe, comissariada por João Ribas, no Museu de Serralves, no Porto, que tem suscitado acusações mútuas, e que levou à demissão do director do Museu de Serralves na sexta-feira (21 de Setembro).

Não querendo prender-se ao caso em concreto, a SP/AICA afirma que "uma instituição tem o direito de escolher o perfil de exposições que quer fazer, os públicos a que quer dar preferência, o director artístico com quem quer trabalhar - e poderá ser louvada ou criticada por essas opções".

"Mas, a partir do momento em que essas escolhas estão feitas, não faz parte das funções da administração da instituição imiscuir-se no trabalho do curador - é ele que assina a curadoria, o que o torna responsável por aquilo que vamos ver, e essa responsabilização e assunção do seu ponto de vista pessoal é determinante para perceber o que estamos a ver e criticar", defendem.

A entidade, que atribui anualmente prémios nas áreas das artes visuais e da arquitectura, termina o comunicado, recordando, "contra um crescente moralismo censório e puritanismo conservador, as palavras de Pier Paolo Pasolini na sua última entrevista: 'Escandalizar é um direito, ser escandalizado é um prazer'".

"Que essa inquietação e questionamento dos códigos habituais vigentes, que alguns artistas sabem pôr em causa, não sejam obnubilados rapidamente por acusações superficiais, mas que permitam uma reflexão aprofundada e um debate atento", apela.

Nesse sentido, a SP/AICA recusa também "o paternalismo das instituições em relação ao direito de escolha e autonomia dos espectadores que, devidamente informados, devem poder optar pelo que pretendem, ou não, ver", escreve Paulo Pires do Vale.

Na quarta-feira, na sequência de uma conferência de imprensa em que a Fundação de Serralves refutou qualquer acusação de ingerência ou censura, o director demissionário do Museu de Serralves, João Ribas, divulgou um comunicado explicando que apresentou a demissão "face à violação continuada" da sua "autonomia técnica e artística" e porque "nenhuma direcção artística deve ser alvo de sistemáticas ingerências".