Marcelo faz na ONU o discurso do avesso de Trump
No dia seguinte à intervenção do Presidente norte-americano nas Nações Unidas, que não aplaudiu, o chefe de Estado português criticou a “falta de visão política” de quem rejeita o multilateralismo.
Marcelo Rebelo de Sousa subiu ao púlpito das Nações Unidas para fazer um discurso que é o avesso da intervenção feita na véspera por Donald Trump naquele mesmo lugar – que aliás não aplaudira. De forma assumida e muito clara, o Presidente português usou praticamente todo o tempo disponível para criticar a “falta de visão política” de quem rejeita o multilateralismo e para se colocar em toda a linha ao lado das prioridades políticas do secretário-Geral da ONU, António Guterres. Foi por aí que começou, prosseguiu e terminou a sua intervenção nesta quarta-feira na sessão de abertura da 73:º Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque.
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Marcelo Rebelo de Sousa subiu ao púlpito das Nações Unidas para fazer um discurso que é o avesso da intervenção feita na véspera por Donald Trump naquele mesmo lugar – que aliás não aplaudira. De forma assumida e muito clara, o Presidente português usou praticamente todo o tempo disponível para criticar a “falta de visão política” de quem rejeita o multilateralismo e para se colocar em toda a linha ao lado das prioridades políticas do secretário-Geral da ONU, António Guterres. Foi por aí que começou, prosseguiu e terminou a sua intervenção nesta quarta-feira na sessão de abertura da 73:º Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque.
“Há duas visões diferentes sobre a realidade universal”, disse o chefe de Estado português, teorizando: “Uma, de curto prazo, é uni ou minilateral, proteccionista, virada para um discurso interno eleitoralista, minimizadora do multilateralismo em tudo o que seja desenvolvimento sustentável, que nega as alterações climáticas, contrária aos ‘Pactos Globais’ sobre migrações e refugiados, sobretudo atenta à prevenção nos conflitos e na manutenção da paz onde e quando, pontualmente, lhe interessa, e interessa em termos de poder económico mais do que político.”
A paz na Europa
A outra visão, “que é a nossa, é multilateral, aberta, favorável a uma crescente da governação global, empenhada no desenvolvimento sustentável, olhando para o Direito Internacional, a Carta e os Direitos Humanos como valores e princípios e não como meios ou conveniências”, prosseguiu. E deixou a sua convicção de qual será o veredicto da história: “Acreditamos que, no médio e longo prazo, esta visão vencerá, como venceu na União Europeia, um êxito de multilateralismo, que deu à Europa o maior período de paz de que há memória e os mais elevados níveis de bem-estar e protecção social”.
Marcelo Rebelo de Sousa assumiu por inteiro todas as prioridades e intervenções do “lúcido, dinâmico e excepcional mandato” de António Guterres, que enunciou: “O multilateralismo, assente no Direito Internacional e na Carta das Nações Unidas, a reforma do Sistema das Nações Unidas, a prevenção de conflitos, a manutenção e sustentação da paz, a preocupação com as migrações e os refugiados, o combate ao terrorismo e aos crimes internacionais, os oceanos e a segurança marítima, as alterações climáticas e a Agenda 2030, a igualdade de género e a aposta nos jovens.”
Falta de visão política
“Por isso, não compreendemos, antes lamentamos, o tropismo, unilateral, bem como o desinvestimento nas organizações internacionais. Representam uma falta de visão política, que corre o risco de repetir os erros de há quase cem anos”, disse o chefe de Estado luso, referindo-se claramente à orientação de Trump, que ali mesmo, 24 horas antes, rejeitara “a ideologia do globalismo”, criticara instituições internacionais como o Conselho dos Direitos Humanos da ONU e o Tribunal Penal Internacional e defendera o proteccionismo.
Onde o Presidente norte-americano fez do Irão o seu principal alvo, depois de denunciar o acordo de desnuclearização de 2015, Marcelo defendeu o “realismo geopolítico” que “impõe a prevenção de conflitos e o ressurgimento da diplomacia, assim como a manutenção e sustentação da paz”. Onde Trump elogiara Israel como uma “democracia vibrante”, Marcelo defendeu a retoma de um “processo negocial credível” que conduza a “uma solução fazível de dois Estados”, resolva a questão de Jerusalém e garanta “a coexistência em paz e segurança” de Israel e da Palestina.
Fogo fátuo
“Portugal entende que a acção multilateral, o diálogo político e o bom senso diplomático são o único caminho possível para a convivência entre as nações e os povos”, reforçou o chefe de Estado, fazendo o contraste com as “visões de curtíssimo prazo, [que] por muito apelativas que pareçam ser, constituem um fogo fátuo, que não dura, não durará, e não resolverá os verdadeiros problemas do mundo”.