Em estado de choque: serão os emigrantes na Venezuela portugueses de segunda?
Com este Governo, a comunidade portuguesa na Venezuela foi deixada à sua sorte.
1. Meço bem o peso das palavras: estou indignado, estou em estado de choque. Na sexta-feira, ao fim do dia ou já no sábado de manhã, surgiu a notícia – discreta, quase secreta, praticamente invisível – de que as autoridades venezuelanas teriam prendido dezenas de cidadãos, entre os quais se encontrariam dez portugueses. A notícia fez o seu caminho no fim-de-semana, sem nenhum eco de relevo. As televisões, as rádios, os jornais, as redes sociais ignoraram tranquilamente o assunto, relegando-o para as notas de pé de página. Tirando a RTP e a Antena 1, que abriram alguns noticiários com um relato rápido e neutral, quase asséptico, ninguém deu relevância nem importância ao assunto. Dez portugueses são presos por um regime ditatorial, que condenou à miséria grande parte da população, que a expôs à violência caótica nas ruas, que destruiu qualquer arremedo de sistema de saúde e que provocou centenas de milhares de refugiados, mas isso não abre noticiários, não é manchete, não tem qualquer lugar de destaque. É chocante e é obsceno: o lauto jantar de Nicolás Maduro num restaurante de luxo de Istambul – moralmente censurável – teve mais impacto e visibilidade do que prisão arbitrária de sete portugueses e três luso-descendentes! Prisão esta feita por um regime autocrático que não dá as mínimas garantias do mais elementar respeito pelos direitos fundamentais. Durante o fim de semana, não resisti a pôr-me a seguinte pergunta: se o governo húngaro de Viktor Orbán – que à beira de Maduro é um oásis de democracia – tivesse detido dez emigrantes portugueses em idênticas condições, qual seria a reacção das autoridades, da imprensa, das redes sociais e da sociedade portuguesa? Ou então uma outra: será que a prisão arbitrária de cidadãos portugueses na Venezuela – que envolve a violação das mais fundamentais liberdades e garantias de um ser humano – merece menos destaque e atenção do que a alegada, controvertida e discutível violação da liberdade criativa em Serralves? Já agora, vale a pena perguntar, olhando para casos paralelos em países afins: na sociedade espanhola ou italiana, a prisão inopinada de dez cidadãos nacionais em Caracas passaria fleumaticamente como uma espécie de “não-notícia”?
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1. Meço bem o peso das palavras: estou indignado, estou em estado de choque. Na sexta-feira, ao fim do dia ou já no sábado de manhã, surgiu a notícia – discreta, quase secreta, praticamente invisível – de que as autoridades venezuelanas teriam prendido dezenas de cidadãos, entre os quais se encontrariam dez portugueses. A notícia fez o seu caminho no fim-de-semana, sem nenhum eco de relevo. As televisões, as rádios, os jornais, as redes sociais ignoraram tranquilamente o assunto, relegando-o para as notas de pé de página. Tirando a RTP e a Antena 1, que abriram alguns noticiários com um relato rápido e neutral, quase asséptico, ninguém deu relevância nem importância ao assunto. Dez portugueses são presos por um regime ditatorial, que condenou à miséria grande parte da população, que a expôs à violência caótica nas ruas, que destruiu qualquer arremedo de sistema de saúde e que provocou centenas de milhares de refugiados, mas isso não abre noticiários, não é manchete, não tem qualquer lugar de destaque. É chocante e é obsceno: o lauto jantar de Nicolás Maduro num restaurante de luxo de Istambul – moralmente censurável – teve mais impacto e visibilidade do que prisão arbitrária de sete portugueses e três luso-descendentes! Prisão esta feita por um regime autocrático que não dá as mínimas garantias do mais elementar respeito pelos direitos fundamentais. Durante o fim de semana, não resisti a pôr-me a seguinte pergunta: se o governo húngaro de Viktor Orbán – que à beira de Maduro é um oásis de democracia – tivesse detido dez emigrantes portugueses em idênticas condições, qual seria a reacção das autoridades, da imprensa, das redes sociais e da sociedade portuguesa? Ou então uma outra: será que a prisão arbitrária de cidadãos portugueses na Venezuela – que envolve a violação das mais fundamentais liberdades e garantias de um ser humano – merece menos destaque e atenção do que a alegada, controvertida e discutível violação da liberdade criativa em Serralves? Já agora, vale a pena perguntar, olhando para casos paralelos em países afins: na sociedade espanhola ou italiana, a prisão inopinada de dez cidadãos nacionais em Caracas passaria fleumaticamente como uma espécie de “não-notícia”?
2. Não me conformo com esta letargia da sociedade portuguesa e, em particular, do “establishment” mediático. E não me conformo com estes anos de tolerância, de “diplomacia de pantufas” e de “política de veludo” do Governo português, que, com uma inércia incompreensível, deixou arrastar a situação ao ponto de expor a nossa comunidade emigrante ao arbítrio de Maduro. Repudio, de modo veemente e tão sonoro quanto possível, a cumplicidade do PCP e do Bloco para com a ditadura chavista e o profundo mal que ela faz à população venezuelana e, em particular, à comunidade portuguesa ali residente. Não esqueço que são estes dois partidos que sustentam o Governo no Parlamento. Não me conformo, repudio e não esqueço – alguém tem de pensar nesses nossos compatriotas.
3. A letargia do Governo português ao longo destes últimos anos é altamente condenável e conduziu-nos à situação de quase impotência e submissão, sem alternativas e sem capacidade de resposta ou reacção. Se se trata de pura incompetência, se se trata de nostalgia da aliança “socrática” de negócios e caudilhismo com o “chavismo”, se se trata de deferência para com os parceiros parlamentares de governação, não sei. Mas, na realidade, isso não é o mais importante. O que interessa é que temos dezenas de milhares de portugueses deixados ao abandono, muitos deles em situação de grave necessidade e agora até temos presos – provavelmente, a merecerem a qualificação de presos “políticos” ou, pelo menos, de presos “não de delito comum”. A verdade é que, diante de uma evolução absolutamente previsível de deterioração da situação política e económica, nada foi feito para salvaguardar e acautelar os interesses da nossa comunidade emigrante ou até para preparar um regresso cadenciado e ordenado daqueles que quisessem regressar. Tirando a acção persistente do Governo Regional da Madeira e do seu presidente, o Estado português tratou a comunidade lusa na Venezuela como uma comunidade de “segunda”. A diplomacia de veludo, sempre deferente, sempre tolerante, sempre paciente com Maduro, deixou os interesses vitais dos portugueses no olvido. Talvez nem todos tenham reparado, mas até hoje o primeiro-ministro ainda não teve uma palavra para os emigrantes e para a comunidade portuguesa e luso-descendente na Venezuela. Nada que possa surpreender. A sua prioridade foi anunciar um privilégio táctico para aqueles que saíram do país entre 2011-2015, mesmo quando o fez no momento mais agudo da crise para a comunidade lusa na Venezuela.
4. A explicação de última hora para esta política de baixo perfil – que nunca para a passividade da esfera mediática e social – será decerto o risco que uma posição forte pode acarretar para os portugueses que estão expostos aos caprichos de Maduro e do seu regime. E, por isso, lá emergiu a centésima declaração piedosa do secretário de Estado responsável pelo assunto e parece que, ao terceiro dia, o ministro dos Negócios Estrangeiros terá despertado de um longo e conveniente sono. Agora, as autoridades portuguesas podem ter a justificação – talvez fosse melhor chamar-lhe “a desculpa” – de que uma reacção à altura pode ser contraproducente e pôr em maior risco os presos, as suas famílias e até a comunidade em geral. Mas antes o Governo podia e devia ter feito muito mais. Não faltou quem em diferentes ocasiões e por diversos meios o tivesse alertado para o elevado risco de desenlaces destes. Mas como se vê pelo silêncio dominante, este assunto não dá brado, não tem visibilidade, não gera impactos. Com este Governo, a comunidade portuguesa foi deixada à sua sorte.
SIM e NÃO
SIM. Joana Marques Vidal. Eficaz, imparcial, discreta. Deu muito ao país e à justiça. O Governo errou gravemente ao não a reconduzir. Oxalá, a sucessora saiba seguir e potenciar as suas pisadas.
NÃO. Ministro da Saúde. À crise do SNS, patente nas demissões em Gaia, na greve dos enfermeiros e na “manobra” da ala pediátrica do S. João, acresce a trapalhada infame do Infarmed. O que falta mais?