“É pelo meu filho que eu aguento”

Cristina diz-se vítima de assédio no trabalho desde que o tribunal obrigou a corticeira Fernando Couto a readmiti-la. Perdeu cinco quilos, mas diz que os colegas estão solidários, “longe da vista do patrão”. A empresa continua a negar

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Cristina Tavavres diz que despedimento e assédio se deveram ao facto de ter metido duas baixas médicas em meio ano André Rodrigues

“Disseram-me que o meu filho era assim, que tem a doença que tem, porque eu sou uma pessoa desprezível”. Quando reproduz o insulto que lhe terá sido atirado por uma pessoa da administração da corticeira Fernando Couto, onde trabalha contra a vontade da entidade patronal, Cristina Tavares deixa cair as defesas.

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“Disseram-me que o meu filho era assim, que tem a doença que tem, porque eu sou uma pessoa desprezível”. Quando reproduz o insulto que lhe terá sido atirado por uma pessoa da administração da corticeira Fernando Couto, onde trabalha contra a vontade da entidade patronal, Cristina Tavares deixa cair as defesas.

Acabou de enfrentar um batalhão de jornalistas, tem o filho de 21 anos e portador de Asperger à espera, e já aguentou mais um dia daquilo que, segundo a sua descrição, preenche todos os requisitos do assédio moral, o que já motivou três inspecções da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) à empresa em causa, em Santa Maria da Feira, de que resultou um processo de contra-ordenação ainda em curso.

O caso fez jorrar indignação. Depois de nove anos de trabalho na corticeira Fernando Couto, na categoria de montadora-recebedora, Cristina Tavares, 47 anos, foi despedida com a alegação de que o seu posto de trabalho foi extinto. Processou a empresa e o Tribunal da Relação do Porto determinou a sua reintegração, obrigando a corticeira a pagar-lhe os meses em que esteve desempregada e três mil euros de indemnização.

A reintegração ocorreu em Maio. E a corticeira obedeceu ao tribunal, excepto quanto à reatribuição do posto de trabalho. Cristina foi posta a empilhar e a desempilhar sacos com cinco mil rolhas numa palete. "Chego ao fim de fazer a palete e torno a desmontá-la. E a seguir volto a fazer o mesmo. No final do dia, são cento e muitos sacos. Já não sinto os pulsos porque tenho que os amassar com as mãos”, descreve, reiterando que continua proibida de usar a casa de banho comum e de se dirigir aos colegas.

“Eles piscam-me o olho e dão um ar de riso, mas sempre com medo de estarem a ser vigiados. Cá fora falam, longe da vista do patrão”, assevera, no mesmo dia em que mais de duas dezenas de trabalhadores se concentraram às portas da empresa em solidariedade com a entidade patronal. “Foram obrigados”, garante Cristina. “Foi uma paralisação voluntária”, contrapôs, por seu turno, a corticeira, inscrevendo as alegações da funcionária “numa campanha difamatória”.

Cristina lembra-se quando a chamaram da empresa para lhe comunicar que o seu posto de trabalho seria extinto. “Em menos de meio ano, estive duas vezes de baixa. Uma vez pelo meu filho, que foi operado e ficou internado um mês. Dois meses depois, peguei ao trabalho e, passado um mês e meio, tive de meter uma segunda baixa, porque chegava a meio da tarde a mancar, por causa de problemas na coluna. Quando me chamaram, estava há um mês e pouco de baixa. Acho que foi por isso. Este ‘castigo’ foi por causa das baixas médicas”.

Nos meses em que esteve sem trabalho, os cerca de 450 euros do subsídio de desemprego davam para suportar a renda de casa e a medicação. “Tive de ir à assistente social pedir apoio alimentar”. É a memória desses meses que faz com que o filho lhe peça para aguentar: “Diz-me ‘Por favor, não desistas. O teu emprego é o nosso único sustento’. E é pelo meu filho que eu aguento”.

Entre Maio, mês em que foi reintegrada e Julho, antes das férias, diz que perdeu cinco quilos. Nas férias recuperou. Mas, desde que retomou o trabalho, no início de Setembro, a balança já aponta três quilos a menos. “Tenho consulta de psiquiatria marcada para o dia 10. A médica diz que sofro de ansiedade”.

Confirma que, desde que o caso saltou para os jornais, deixou de passar o dia de trabalho a montar e a desmontar a mesma palete. “Hoje [quarta-feira] estive a fazer paletes metade do dia e depois estive a fazer limpezas e uma hora na prancha a empilhar cortiça. Mas chamaram-me [da administração] para me dizerem que escusava de ter falado à televisão. Que isto é como um divórcio: tenho que me ir embora porque não me querem lá”.