Fernando Pinto arguido por suspeita de gestão danosa na TAP
Processo ligado à compra da VEM, no Brasil, envolve outros cinco membros da equipa do antigo líder da TAP, mas ainda não se sabe se investigação avança para acusação
Fernando Pinto, presidente da TAP durante quase 18 anos, foi constituído arguido no âmbito da investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária à compra da Varig Engenharia e Manutenção (VEM), processo que decorreu entre 2005 e 2007. A suspeita é de gestão danosa.
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Fernando Pinto, presidente da TAP durante quase 18 anos, foi constituído arguido no âmbito da investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária à compra da Varig Engenharia e Manutenção (VEM), processo que decorreu entre 2005 e 2007. A suspeita é de gestão danosa.
Outros cinco gestores que fizeram parte do conselho de administração executivo da empresa também foram constituídos arguidos pela mesma razão: Luís Ribeiro Vaz, Fernando Alves Sobral, Michael Conolly, Luiz da Gama Mór e um outro responsável da equipa de gestão, que já faleceu.
O inquérito, que teve origem numa denúncia anónima feita já no final de 2010, está a cargo do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, repartição do Ministério Público que investiga a criminalidade mais complexa.
Em Abril de 2016, data em que foram efectuadas buscas na sede da TAP e na da Parpública (holding do Estado onde a transportadora está incluída) pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, havia ainda suspeitas, além da gestão danosa, de que os administradores teriam lucrado de forma ilícita com o negócio.
Porém, os investigadores acabaram por não encontrar indícios de corrupção nem de branqueamento de capitais. Para já, ainda não se sabe se vai ser deduzida acusação ou se o processo será arquivado. Desconhecia-se até agora a constituição de arguidos no processo.
Fernando Pinto aguarda “serenamente"
Ao PÚBLICO, Fernando Pinto, que deixou de ser presidente executivo da TAP em Janeiro - permanece ligado à companhia aérea como consultor - afirmou numa declaração por escrito ter sido “constituído arguido há cerca de ano e meio” num inquérito “que existe desde 2012 e que nasceu de uma estranha denúncia anónima”.
"Tive possibilidade de dar todas as explicações que me foram solicitadas pela investigação e creio que os factos em causa estão totalmente esclarecidos. O negócio da VEM - com cerca de 13 anos - foi um processo transparente e realizado de boa-fé pela administração da TAP com os dados que tínhamos à época e num contexto de essencial expansão da empresa e da sua área de manutenção”, defende o gestor.
Sublinhando ter “muito orgulho no legado deixado pela administração” que liderou “durante cerca de 18 anos e que mereceu a confiança de vários governos”, diz que aguardará “serenamente pelo desfecho do inquérito, com total confiança de que será tomada a justa decisão”.
Como tudo começou
O caso centra-se na compra da VEM, iniciada em 2005 e oficializada no início de 2006. Na altura, a TAP aliou-se à Geocapital, empresa de Stanley Ho e de Jorge Ferro Ribeiro que se estava a expandir para mercados de língua portuguesa. A estratégia inicial era ficar com o controlo da companhia área brasileira Varig, que se encontrava em dificuldades, mas o objectivo falhou.
Os dois parceiros acabaram por ficar com o negócio de manutenção, a VEM, e com o de carga, a Varig Log (revendida pouco depois). No caso da VEM, a Geocapital adquiriu 85% do capital, cabendo outros 15% à TAP. No entanto, um ano depois, em 2007, a Geocapital saiu da VEM, tendo a TAP pago um prémio de 20% (equivalente a 4,2 milhões de dólares) para ficar com a posição do seu sócio.
Desde essa data até hoje, a VEM mostrou ser um negócio ruinoso, com perdas de centenas de milhões de euros (2009 foi o único ano positivo, devido a resultados extraordinários) e fortes investimentos para sanear e recuperar a empresa (responsável por várias dívidas fiscais e contingências associadas a processos laborais). E foi precisamente este negócio que a PJ investigou nos últimos seis anos.
Em 2009, de acordo com o relatório e contas do grupo TAP (que teve um prejuízo de 3,5 milhões nesse exercício), Fernando Pinto e quatro outros gestores receberam um prémio de gestão relativo a 2007, o ano em que a TAP ficou com 100% da VEM, que totalizou 447 mil euros. A questão dos prémios foi também alvo da atenção do Ministério Público.
O presidente executivo recebeu 121,8 mil euros, e quatro membros do conselho de administração executivo auferiram 81,2 mil cada um. No caso de Luís Ribeiro Vaz, que estava na equipa em 2007 e tinha sido substituído por Luís Silva Rodrigues a meio de 2009, não há qualquer referência ao pagamento de um prémio.
A defesa do negócio
Em Outubro de 2014, logo após se ter sabido que tinha sido ouvido pela PJ como testemunha, Fernando Pinto afirmou ao PÚBLICO que, caso a compra da Varig falhasse, a TAP “era obrigada a adquirir a parte da Geocapital”. E o prémio foi pago porque a Geocapital “não exerceu a opção” de sair do negócio logo em 2006 -- algo que evitaria o montante extra. “Já que era preciso reembolsar [o sócio] mais valia ficar com as empresas”, acrescentou.
Além disso, defendeu que o prémio ficou pago pela mais-valia gerada com a alienação da Varig Log. “Todos eram da opinião" de que a empresa "era estratégica para a TAP”, referiu o gestor, justificando os maus resultados do negócio com factores como a valorização do real, “o crescimento dos custos com mão-de-obra no Brasil” e a grande recessão de 2008.
Sobre ter tido ou não a devida autorização da tutela para o negócio (a TAP era detida a 100% pelo Estado), Fernando Pinto contou na altura com o conforto do então ministro dos Transportes, Mário Lino. Para o membro do executivo de José Sócrates, “não era preciso autorização” do Governo para o negócio.
Quem também esteve ligado à compra da VEM foi Diogo Lacerda Machado, na qualidade de gestor da Geocapital. Ex-secretário de Estado da Justiça de António Costa, este advogado permanece ligado à empresa de Ho e de Ferro Ribeiro e hoje é também administrador não executivo da TAP (nomeado pelo Governo).
No final do ano passado, numa intervenção pública, o gestor defendeu a racionalidade do negócio, afirmando que a compra da VEM tinha sido “a decisão mais estratégica tomada por Fernando Pinto”. Para Lacerda Machado, foi esse negócio, ligado à tentativa de salvar a Varig, que permitiu à TAP contar com o apoio das autoridades brasileiras e expandir-se para esse mercado com novas rotas. Nas contas feitas então pelo gestor da Geocapital, a TAP aplicara até então cerca de 450 milhões na VEM, e arrecadara 13 mil milhões em proveitos por via do Brasil.
VEM passa a versão reduzida
A VEM, que entretanto passou a designar-se TAP Manutenção Brasil, não deixou de pesar nas contas do grupo, e só no ano passado sofreu um prejuízo de 50,1 milhões de euros.
Numa entrevista que deu ao Expresso no dia 8 desde mês, o sucessor de Fernando Pinto na liderança da TAP, Antonoaldo Neves, avançou que a empresa de manutenção foi “reduzida drasticamente” há pouco tempo, depois de um processo de venda falhado e de se tentar “estancar a sangria”.
Após terem-se gasto entre 500 a 600 milhões de euros, o gestor diz que se chegou à conclusão de que a operação “não tinha condições de contribuir positivamente para o grupo”. Assim, num processo que levou ao despedimento de mil trabalhadores, foram encerradas em Julho as instalações de Porto Alegre, reduzindo-se a empresa a três linhas de operação no Rio de Janeiro.