Agora o festival Materiais Diversos é o ano todo

Sob a direcção de Elisabete Paiva, Materiais Diversos passa a ser um festival bienal e estende a programação em Minde, Alcanena, Torres Novas e Cartaxo ao resto do ano.

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Luz, de Ome Dual Julio Lopez Ome Dual

Há um ano, ao apresentar ao PÚBLICO a nona edição do festival Materiais Diversos – criado em 2009 por Tiago Guedes, actual director artístico do Teatro Rivoli, no Porto –, Elisabete Paiva levantava o véu sobre a mudança que pretendia implementar nas actividades da estrutura a que preside: passar o festival para uma periodicidade bienal e reforçar a presença de espectáculos na região do Médio Tejo ao longo do ano. A apresentação esta sexta-feira do plano da Materiais Diversos para o quadriénio 2018-2021 materializa essa visão já então enunciada com clareza.

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Há um ano, ao apresentar ao PÚBLICO a nona edição do festival Materiais Diversos – criado em 2009 por Tiago Guedes, actual director artístico do Teatro Rivoli, no Porto –, Elisabete Paiva levantava o véu sobre a mudança que pretendia implementar nas actividades da estrutura a que preside: passar o festival para uma periodicidade bienal e reforçar a presença de espectáculos na região do Médio Tejo ao longo do ano. A apresentação esta sexta-feira do plano da Materiais Diversos para o quadriénio 2018-2021 materializa essa visão já então enunciada com clareza.

“É a concretização de uma reflexão longa – que durou quase dois anos – e que integrou a equipa e a direcção da Materiais Diversos, vários parceiros e público próximo no território”, diz a directora ao PÚBLICO. A partir dessas conversas, explica, foram sendo identificados vários “sinais de que o ritmo do festival não seria o mais adequado à vida daqueles lugares.” Esses lugares são, desde o início, Minde, Alcanena e Torres Novas, a que se juntou mais tarde Cartaxo.

Foi precisamente no Cartaxo que teve início esta aposta em espalhar a programação da Materiais Diversos pelos vários meses do ano, em vez de limitar a sua actividade a um curto mas intenso período que, uma vez findo, parecia deixar aquela paisagem cultural de novo órfã de uma programação audaz no domínio das artes performativas. Unbound, de Romulus Neagu, Luz, de Ome Dual, ou I Can’t See the Sea, de Maurícia Neves, foram apresentadas no Centro Cultural do Cartaxo, enquanto Marta Cerqueira preparou naquele espaço a peça Sublinhar. “É importante destrinçar que não cumprimos o papel de uma estrutura municipal ou de um teatro”, sublinha Elisabete Paiva, porque “o perfil deste programa regular é muito diferente daquilo que pode oferecer um teatro municipal.”

E voltamos aos exemplos anteriores: Luz, I Can’t See the Sea e Sublinhar (com estreia marcada para Novembro) estrearam após residências artísticas na região, confirmando a vocação alargada da Materiais Diversos para se assumir como estrutura de apoio à criação. “Estamos muito contentes com os primeiros resultados” desta programação, revela Elisabete, “porque nos permite habitar o território com maior regularidade e continuidade, avaliar o impacto de cada uma das actividades e convidar os artistas a regressar várias vezes ao território.” Ou seja, nos casos em que as criações possam chegar à programação do festival, os artistas não aterrarão de forma brusca nesse contexto – equivalerá mais ao culminar ou a uma paragem de uma experiência local mais ampla.

É o caso provável do Teatro do Vestido, que se encontra em residência com uma base de operações montada no Cine-Teatro São Pedro, em Alcanena, a recolher testemunhos para o espectáculo Viagem a Portugal – que terá depois outras apresentações, adaptadas aos respectivos contextos locais, no Minho e em Viseu. Faz tudo parte de “uma preocupação transversal em trazer artistas que tenham disponibilidade de compreender um lugar e até de fazer mapeamento desse sítio” em parceria com a Materiais Diversos. É o que está a acontecer com o Teatro do Vestido e o Teatro do Silêncio, cujas residências no Cartaxo levarão à estreia de uma “caminhada performativa” – intitulada Caminhar – em Outubro.

Três camadas

Esta insistência numa programação diversificada e distribuída por todo o ano tem também como finalidade criar “uma malha de público muito mais consequente e mais fluida” quando o calendário alcançar a próxima edição do Materiais Diversos, em 2019. Mas “os festivais não resolvem tudo”, afirma Elisabete Paiva. “Os festivais captam público do exterior, mas talvez não tanto como se possa imaginar e que sustente ou justifique a presença de um festival se ele quiser ser, do ponto de vista artístico, comprometido e sério.” Daí que a directora do Materiais Diversos acredite que “é importante começar a desfazer alguns mitos sobre as dinâmicas culturais dos interiores ou das periferias”, defendendo assim que, ao contrário do que se possa pensar, há um público para esta programação regular e cujo interesse pelas propostas apresentadas não se sacia nem esgota no período mais curto do festival.

A actividade da Materiais Diversos divide-se agora em três camadas fundamentais: uma primeira, “invisível”, afecta ao desenvolvimento de públicos dentro dos espaços escolares (mas que inclui também um laboratório experimental dirigido a adolescentes); as residências artísticas, que tanto podem incluir a estrutura como co-produtora como apenas fornecer condições de trabalho – muitas vezes difíceis de encontrar em Lisboa e no Porto; e todo o trabalho mais comprometido com a programação, cuja pesquisa no terreno se destina igualmente a alimentar o festival, como acontecerá com A Menor Língua do Mundo, espectáculo de Alex Cassal e Paula Diogo a ser preparado em Minde, em Julho do próximo ano.

A partir das pesquisas com as populações falantes de minderico, mirandês e barranquenho, Alex Cassal e Paula Diogo planeiam desenvolver um espectáculo em torno das memórias e das histórias que possam vir a desaparecer com a extinção destas línguas minoritárias. Mais um exemplo de como a Materiais Diversos pretende valorizar a identidade local e colocar a arte em diálogo com as suas gentes.