Correia de Campos: "SNS corre o risco de se transformar numa caricatura"

Presidente do Conselho Económico e Social e ex-ministro da Saúde entende que o SNS, com todos os problemas que enfrenta, está "muito distante de uma crise grave". Ainda assim, "necessita de atenção exigente e imediata".

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Daniel Rocha

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) "corre o risco de se transformar numa caricatura do que pretendiam os seus fundadores" e precisa de "atenção exigente e imediata", defendeu nesta sexta-feira o ex-ministro da Saúde Correia de Campos.

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O Serviço Nacional de Saúde (SNS) "corre o risco de se transformar numa caricatura do que pretendiam os seus fundadores" e precisa de "atenção exigente e imediata", defendeu nesta sexta-feira o ex-ministro da Saúde Correia de Campos.

"Em 2018 o SNS corre o risco de se transformar numa caricatura do que pretendiam os seus fundadores. Apesar do respeito universal de que goza, tem-se assistido ao empalidecer dos atributos que o caracterizam", defendeu António Correia de Campos, presidente do Conselho Económico e Social (CES) e ex-ministro da Saúde do Governo socialista de José Sócrates.

O presidente do CES falava no encerramento da conferência "A Saúde e o Estado: o SNS aos 40 anos", que decorreu no Fórum Lisboa nesta sexta-feira.

Entre os atributos que Correia de Campos entende estarem a desvanecer-se estão o carácter universal do SNS, apenas usado por três quartos dos portugueses de forma continuada; a prestação geral de cuidados, oferecendo um acesso incompleto a algumas especialidades; e o custo tendencialmente gratuito para os utilizadores, "que está a tornar-se tendencialmente pago".

Mas, defendeu Correia de Campos, "mais preocupantes são as perdas reputacionais que abalam a confiança dos cidadãos", que esperam demasiado por consultas e cirurgias.

"Nos tempos mais recentes, a reputação do SNS tem sido abalada por notícias, reais, exageradas ou ficcionadas, sobre carências de equipamentos, de pessoal especializado, de condições para intervenção indispensável. O clamor contra o que se considera suborçamentação pública tem vindo a ser explorado até ao infinito, por razões nem sempre descontaminadas do interesse material. Mas não é normal, nem sustentável por muito tempo, que os reforços pós-orçamento de 2016 tenham atingido quase 1.500 milhões e as dívidas a mais de sessenta dias 300 milhões de euros, o que não se dissipou em 2017, com reforços pós-orçamento de 1.150 milhões e cerca de 800 milhões de euros de dívidas por liquidar", disse.

SNS está "muito distante de uma crise grave"

Ainda que entenda que o SNS, com todos os problemas que enfrenta, esteja "muito distante de uma crise grave", defendeu que "necessita de atenção exigente e imediata", e apresentou quatro alternativas de modelo de gestão.

Excluiu a alternativa "mercantil", que deixa o SNS nas mãos de lógicas de mercado, o que representa uma violação da Constituição e dos deveres do Estado na oferta de cuidados de saúde; a alternativa "radical", que torna público todo o sistema, uma vez que "não há Estado que neste momento pudesse acolher um aumento da despesa pública que substituísse totalmente o gasto privado"; e a alternativa "complacente", em que nada se faz para mudar e que considera ser "simultaneamente inoperante e desastrosa", com o potencial de entregar o sistema a forças de mercado às quais "não se pode pedir que promovam a equidade".

"Estas razões conduzem-nos à alternativa "reformadora". O sistema pode ser modernizado sem trauma, os seus princípios e valores, os da Constituição, reforçados e mais bem garantidos. As reformas propostas não são exclusivas, mas inclusivas, Não destroem os parceiros do SNS, não corroem o sector público, não rompem com os sucessos passados. São propostas equilibradas, modernas, respeitam princípios e valores e direitos dos cidadãos sem esquecer os que dedicaram a sua vida ao SNS e à saúde dos Portugueses. O mercado não é hostilizado, mas regulado. O Estado não é endeusado, mas utilizado nas funções estratégicas e reguladoras que lhe incumbem num estado de direito", disse.

Numa altura em que se discutem alterações à Lei de Bases da Saúde, Correia de Campos defendeu que "qualquer reforma do SNS terá que honrar os que a ele se dedicaram", alertando, no entanto, que "o SNS não existe para dar emprego, mas para servir os portugueses".

Sobre a reforma da Lei de Bases, Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, também presente no encerramento da conferência, lembrou que o parlamento espera a aprovação em Conselho de Ministros de uma proposta de revisão sobre matérias de "importância constitucional reforçada".

Ferro Rodrigues sublinhou que as leis de bases são "leis de valor reforçado que implicam um diálogo e um consenso parlamentar alargado", lembrando a esse propósito o documento estratégico para o SNS recentemente apresentado pelo PSD para afirmar que "este é, portanto, o tempo do debate parlamentar e do diálogo político".

Referiu-se ainda à intervenção de Correia de Campos, afirmando ter "gostado muito" de ouvi-lo sobre "as insuficiências" no cumprimento da Constituição, algo "que a todos deve alertar".

Ainda numa leitura sobre as disposições constitucionais relativas ao SNS, Ferro Rodrigues defendeu que a que estabelece uma gestão descentralizada e participada "é para levar a sério e para ser cada vez mais aperfeiçoada", defendendo a participação cidadã como "absolutamente crítica para a qualidade da democracia".