Os republicanos têm medo do custo político da confirmação de Kavanaugh, mas querem avançar

A opinião pública americana segue com cada vez maior interesse o caso do juiz nomeado por Trump para o Supremo Tribunal, acusado de comportamento impróprio quando era adolescente. Perante uma cultura em mudança e o poder do #MeToo, o Partido Republicano caminha na corda bamba num ano eleitoral crucial.

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Brett Kavanaugh Joshua Roberts/Reuters

O presidente Donald Trump e os republicanos no Senado tomaram uma decisão na quarta-feira à noite: pressionar para que Brett Kavanaugh seja nomeado para o Supremo Tribunal na próxima semana, independentemente de ter sido acusado de uma agressão sexual que terá acontecido há várias décadas.

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O presidente Donald Trump e os republicanos no Senado tomaram uma decisão na quarta-feira à noite: pressionar para que Brett Kavanaugh seja nomeado para o Supremo Tribunal na próxima semana, independentemente de ter sido acusado de uma agressão sexual que terá acontecido há várias décadas.

Porém, em privado, as conversas foram dominadas pelas possíveis consequências políticas, com os legisladores e estrategos do Partido Republicano preocupados com os muitos debates sobre género que dominam a época de campanha (em Novembro há eleições intercalares para o Congresso).

Com a desvantagem de ter um presidente impopular e um eleitorado democrata revigorado, o Partido Republicano, composto maioritariamente por homens, enfrenta o escrutínio sobre como irão lidar com a acusação a Kavanaugh e se a pressão do partido para o pôr no Supremo Tribunal na próxima semana terá um custo político grave, uma vez que as mulheres e os eleitores independentes são a chave das maiorias no Congresso (no qual actualmente os republicanos são maioria, tanto no Senado, como na Câmara de Representantes).

A incerteza nas fileiras republicanas evocou memórias de como as audiências para a confirmação de Clarence Thomas para o Supremo Tribunal em 1991 motivaram o que ficou conhecido como o “Ano da Mulher”, em 1992, quando várias democratas foram eleitas, e reforçou a ansiedade do Partido Republicano perante a cultura em mudança e o poder do movimento #MeToo.

“Os republicanos ficaram mal vistos durante as audiências de Thomas, quando questionaram Anita Hill. Temos de ser muito melhores do que fomos no passado e saber reconhecer o que é apropriado e o que não é”, disse o senador Jeff Flake, republicano do Arizona, fazendo referência à antiga colega de Thomas que o acusou de assédio sexual. “Alguns de nós estão a tentar ser justos e fazer o correcto. Não queremos fazer nada errado, mas obviamente tem sido um desafio.”

Flake criticou o filho mais velho do Presidente, Donald Trump Jr., que, nas redes sociais, fez troça das acusações contra o candidato do seu pai. Um exemplo de como os republicanos estão a ter dificuldades em dar o seu apoio incondicional a Kavanaugh, mas, ao mesmo tempo, não serem hostis em relação a Christine Blasey Ford, que na semana passada disse ao Washington Post que Kavanaugh a tentou violar numa festa, no início dos anos 1980, quando eram ambos adolescentes.

“Isto é doentio”, publicou Flake no Twitter na quarta-feira sobre a publicação de Trump Jr. “Ninguém deve menosprezar esta situação.”

A tensão era também evidente quando os republicanos responderam ao pedido de Christine Ford para que o FBI investigasse as suas acusações antes de aceitar o convite para comparecer na Comissão de Justiça do Senado, que marcou uma audiência para segunda-feira para ouvir o seu testemunho e o de Kavanaugh.

À medida que os senadores republicanos imploravam a Ford para que comparecesse na audiência, as declarações sobre ela variavam no tom, com o senador Lindsey Graham, republicano da Carolina do Sul, a dizer petulantemente: “Eu ouvirei a senhora, mas depois damos o assunto por encerrado.”

“Espero que a dra. Ford reconsidere”, publicou no Twitter a senadora Susan Collins, republicana moderada do Maine, cujo voto pode ser crucial para a confirmação de Kavanaugh. “É do meu conhecimento que o comité acedeu a que a sessão fosse pública ou privada, o que for mais confortável para Ford.”

O presidente da Comissão de Justiça, Chuck Grassley, republicano do Iowa, continuou na quarta-feira a apoiar a resposta dos republicanos a Ford, recusando-se a ceder na sua decisão quanto à audiência de segunda-feira e desvalorizando o pedido das advogadas de Ford sobre a investigação do FBI. A sua decisão foi elogiada por alguns republicanos que a consideraram justa. Da parte dos democratas, a decisão foi classificada de teimosa e cruel, especialmente depois de Ford ter recebido ameaças, de acordo com as suas advogadas.

Veteranos de campanhas republicanas disseram que a confiança do partido em Grassley – um conservador de 85 anos e de língua afiada que está no Congresso desde 1975 – como ponto de referência acarreta complicações, uma vez que os eleitores começam a prestar cada vez mais atenção ao caso, independentemente de Ford prestar declarações ou não.

“A percepção do assunto, independentemente de ser ou não verdade, pode ser outro problema político para os republicanos”, disse Mike Murphy, conselheiro republicano de longa data e um crítico de Trump. “Vivemos na era da informação e as nomeações para o Supremo Tribunal são agora programas de entretenimento. E se o elenco é maioritariamente composto por senadores republicanos, homens, brancos e de idade, então temos um problema.”

Além do Senado, todos os republicanos se preparam para o impacto da audiência marcada para segunda-feira e para as consequências políticas de uma sessão imprevisível e provavelmente emotiva que poderá tornar um assunto do Senado um momento crucial para o partido – especialmente se Grassley ou outros homens republicanos questionarem Ford sobre a sua vida pessoal e sobre o alegado ataque.

“Eles parecem calmos, mas a relação do partido com as mulheres nos últimos três anos tem sido complicada e agora têm este assunto de Kavanaugh”, disse o antigo presidente do Comité Nacional Republicano Michael Steele. “Ao apoiá-lo, existe uma verdadeira preocupação de que estarão a tornar os candidatos republicanos alvos. Não há fuga possível.”

Na Câmara dos Representantes, na qual o Partido Republicano tem uma maioria de 23 lugares, cresce o receio de como o caso de Kavanaugh comece a ofuscar a campanha republicana sobre a lei de direito fiscal e progresso económico, segundo dois importantes republicanos envolvidos no planeamento da campanha nacional que não foram autorizados a falar publicamente.

Um deles observou que vários legisladores republicanos disseram a colegas que esperam que Ford recuse comparecer na audiência, apesar dos comunicados em que pedem que o faça – e ajude o partido a evitar um drama televisivo arriscado, permitindo aos senadores que mantenham a votação de confirmação da próxima semana.

Na quarta-feira, Trump defendeu Kavanaugh, mas evitou juntar-se ao crescente coro de vozes que expressaram cepticismo em relação à credibilidade de Ford. A decisão do Presidente pode dever-se aos funcionários da Casa Branca que pretendem conter os comentários do chefe de Estado e evitar outra tempestade nacional sobre suspeitas de assédio sexual.

“Se ela aparecer e fizer um depoimento credível, será muito interessante e teremos de tomar uma decisão”, disse Trump aos jornalistas quando deixava a Casa Branca para ir à Carolina do Sul fazer um levantamento dos danos provocados pelo furacão Florence.

Os comentários de Trump ecoaram a mensagem articulada em primeiro lugar com a conselheira da Casa Branca Kellyway Conway, que passou anos a aconselhar candidatos republicanos sobre como cativar o eleitorado feminino.

“Esta mulher não deve ser insultada nem ser ignorada”, disse Conway à Fox News no início da semana.

Os republicanos caminham na corda bamba. Defender Kavanaugh pode reforçar ainda mais a ideia de que o partido e o Presidente não estão dispostos a responsabilizar os membros do partido perante as acusações de assédio sexual, incluindo o próprio Presidente e o candidato derrotado ao Senado Roy Moore, que foi acusado de molestar raparigas adolescentes quando já tinha 30 anos.

Depois da derrota de Moore no ano passado no Alabama, uma sondagem nacional da Associated Press-MORC mostrou que 60% dos americanos consideram que os republicanos são “muito benevolentes” perante outros republicanos acusados de má conduta sexual. Dos inquiridos, 43% disseram o mesmo sobre o Partido Democrata.

A imagem de Kavanaugh perante os eleitores é delicada, o que complica o esforço republicano de defender o juiz federal.

Ao contrário de antigos nomeados do Supremo Tribunal, a popularidade de Brett Kavanaugh não era evidente antes das acusações, tendo praticamente o mesmo número de pessoas a apoiar a sua confirmação e outras tantas a opor-se. Mesmo dentro dos partidos a divisão bateu recordes. Uma sondagem Washington Post-ABC identificou uma diferença de opinião significativa entre géneros, com os homens a apoiar claramente a nomeação de Kavanaugh e as mulheres a oporem-se, com uma diferença de 16 pontos.

Ainda assim, salvar a nomeação de Kavanaugh tornou-se uma causa para os conservadores, que vêem o domínio conservador a nível judiciário como um traço de união forte e raro dentro do Partido Republicano fracturado. No Twitter e em outros meios, os conservadores têm-no defendido e relembrado que a votação de Kavanaugh para o Supremo Tribunal poderá mudar o futuro da lei federal durante gerações.

“Esta é a questão crucial para os conservadores, que olham para a vida de Kavanaugh e ficam do seu lado”, disse Gary Marx, conselheiro da Judicial Crisis Network. O grupo anunciou uma campanha de publicidade no valor de 1,5 milhões de dólares para impulsionar a nomeação de Brett Kavanaugh.

Os democratas no Senado observam atentamente as acções dos republicanos num ano de eleições cada vez mais difícil e crucial – e garantem que os próprios eleitores democratas sabem o que está em risco.

“Creio que existe um abismo entre os eleitores republicanos e os eleitores democratas no que diz respeito à importância dos tribunais”, disse o senador democrata do Connecticut Chris Murphy. “Temos algum trabalho a fazer para explicar aos eleitores progressistas porque devem dar tanta importância aos tribunais como os conservadores dão.”

Tradução de Ana Silva

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post