Lisboa pede justiça para Vanesa, prostituta transgénero morta em Paris
Vanesa morreu em meados de Agosto, alvejada, enquanto tentava defender um cliente. Em sua memória, foram marcadas várias manifestações em vários pontos do globo.
Nos últimos oito anos, foram reportados 2609 homicídios de pessoas transgénero em 71 países. Vanesa Campos faz parte desse número.
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Nos últimos oito anos, foram reportados 2609 homicídios de pessoas transgénero em 71 países. Vanesa Campos faz parte desse número.
A morte da prostituta, na noite de 16 para 17 de Agosto, em Paris, vai motivar um conjunto de acções de protesto a nível internacional — de Perth (Austrália) a Bogotá (Colômbia), passando por Amesterdão (Holanda). Em Portugal, está marcada uma manifestação no jardim de Santos, em Lisboa, próximo da embaixada de França, para a próxima sexta-feira. A organização pede a “descriminalização de todos os aspectos do trabalho sexual” e a sua “aceitação como profissão”.
Vanesa Campos, 36 anos, vivia há apenas dois anos em França. A mulher transgénero, de origem peruana, sustentava-se através do trabalho sexual, que lhe permitia enviar algumas somas de dinheiro à família. Foi alvejada, enquanto defendia um cliente de uma tentativa de assalto, em meados de Agosto, num jardim em Paris — o Bosque de Bolonha, um conhecido local de trabalho de prostitutas. Foi a 10.ª trabalhadora do sexo a morrer neste local nos últimos anos, de acordo com o jornal local Le Parisien.
Na sequência do crime, foram detidos cinco suspeitos, que serão presentes a tribunal com o arrancar dos procedimentos judiciais, ainda durante este mês.
A história de Vanesa tem motivado vários protestos e homenagens. O primeiro aconteceu em Paris, apenas uns dias após a sua morte. A marcha juntou trabalhadores do sexo e militantes LGBT e desfilou até ao local onde Vanesa morreu. Entre rosas brancas, apontou-se o dedo à classe política, pela adopção de uma lei sobre o trabalho sexual que criminaliza os clientes que procuram estes serviços. Em Portugal, esta homenagem será a primeira.
“Trouxe-nos logo memórias da Gisberta”
Sacha Montfort, membro da associação transexual e não-binária TransMissão, falou ao PÚBLICO sobre a acção de protesto, que está a organizar. Explica que servirá como uma homenagem a Vanesa, um exemplo que mobiliza “associações anti-racistas, dos direitos das trabalhadoras do sexo e associações trans”.
“É mais uma mulher trans morta. Acontece demasiadas vezes. É terrível. Trouxe-nos logo memórias da Gisberta”, lamenta Montfort. Gisberta era uma prostituta transgénero, de origem brasileira, agredida e morta por um grupo de rapazes em 2006, num prédio abandonado do Porto.
De acordo com este activista, a legislação francesa sobre o trabalho sexual empurrou Vanesa para uma situação mais perigosa do que o necessário: “Este tipo de criminalização [dos clientes, à semelhança do modelo nórdico] é nocivo para as trabalhadoras do sexo.” “Coloca os clientes em risco. Eles pedem mais privacidade, o que as leva a trabalhar na maior confidencialidade e na menor segurança. Foi assim que a Vanesa Campos morreu.”
Também Mara Clemente, investigadora do ISCTE, membro do Grupo Interdisciplinar de Investigadores sobre Trabalho Sexual (GIITS) e organizadora da manifestação em memória de Vanesa, acredita que foi a legislação francesa que ditou a morte da prostituta peruana. “Eu acho que essa lei contribui para (...) a morte da Vanesa Campos. E não é só a minha opinião, é a de todos os activistas”, diz.
A lei em Portugal é diferente. A prostituição não é ilegal, mas está proibida a promoção, facilitação ou lucro de terceiros — por isso, a penalização recai sobre os proxenetas —, o que, na opinião dos dois activistas entrevistados pelo PÚBLICO, acaba por funcionar de forma igualmente negativa para as prostitutas.
“A definição de proxeneta é muito lata e estende-se a todas as pessoas que podem fazer parte do círculo de proximidade e amizade destas pessoas. Amigos, namorados, redes de apoio. Isola-as muito. Não podem procurar ajuda, porque as pessoas podem ser acusadas de proxenetismo”, sintetiza Sacha Montfort.
E há algo que não está garantido em nenhum dos dois cenários: direitos e protecção social. “Há que defender direitos básicos de cidadania, como o direito a viver em segurança (...) para trabalhadoras do sexo, migrantes e pessoas trans”, sublinha a investigadora Mara Clemente.
“Não se deve chegar a casos como o da Vanesa Campos ou o da Gisberta para deixar de lado a indiferença”, continua Mara Clemente, “especialmente em casos em que as pessoas estão expostas a vulnerabilidades múltiplas, porque se encontram numa intersecção em que se juntam o trabalho sexual, a experiência migratória e [o facto de] serem pessoas trans.”
É também por aí que passam os pedidos das associações que organizaram esta manifestação. Sacha Montfort resume-os: “O que nós queremos é uma despenalização total dos trabalhadores do sexo” e “dizer-lhes que podem trabalhar em segurança, com direitos laborais e segurança social”.