Desfazer uma mentira
Se o professor Fernando Nunes da Silva mente sobre uma coisa que eu conheço bem, que outras mentiras dirá quando fala de temas que eu desconheço?
Caído do céu, o professor Fernando Nunes da Silva, antigo vereador de Lisboa, decidiu caluniar-me. Numa entrevista disse que, quando escrevi no PÚBLICO sobre um projecto polémico desenhado para o Largo do Rato, fui “desonesta”. Porquê? Porque “omiti” o facto de ter “uma relação privilegiada com Manuel Salgado e o Risco”.
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Caído do céu, o professor Fernando Nunes da Silva, antigo vereador de Lisboa, decidiu caluniar-me. Numa entrevista disse que, quando escrevi no PÚBLICO sobre um projecto polémico desenhado para o Largo do Rato, fui “desonesta”. Porquê? Porque “omiti” o facto de ter “uma relação privilegiada com Manuel Salgado e o Risco”.
É mentira. E, como mentira que é — e dita com tanta leveza —, tem consequências. A primeira é que Nunes da Silva, um catedrático do Instituto Superior Técnico que eu tinha como vereador competente e empenhado, perde credibilidade. A partir de agora, a sua opinião não pode ser levada a sério. Se Nunes da Silva mente assim sobre uma coisa que eu conheço bem, que outras mentiras dirá quando fala de temas que eu desconheço?
Que privilégio é que Manuel Salgado ou o Risco me concederam, a mim ou à minha família? Que vantagem? Que regalia? Que favor? Absolutamente nenhuns.
Vi o vereador Manuel Salgado duas vezes na vida e não tenho sequer o seu número de telefone — e, como jornalista há 30 anos, tenho os contactos de muitas pessoas. Faço parte de um grupo de cem residentes do centro histórico de Lisboa, muitos dos quais são arquitectos. Há anos que protestamos, juntos ou individualmente, em defesa da cidade (contra a circulação dos autocarros turísticos, a disfuncionalidade do eléctrico 28, o excesso de tuk-tuk, de lojas de bugigangas, de lixo e de alojamento local, a morte do “mix funcional” e o nascimento da disneyficação, as obras da Carris a meio da noite, a falta de regras para evitar a expulsão de residentes... estamos sempre a protestar). Há um ano e meio, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, recebeu quatro representantes do nosso grupo de cem. Manuel Salgado estava lá e falou no fim. Esta foi a primeira vez que estive com o vereador.
A segunda foi meses depois, na bilheteira da Culturgest, cada um na sua fila. Eu cumprimentei-o com um aceno de cabeça, mas ele não respondeu — não sei se por não me reconhecer, se por não lhe apetecer falar com quem, há anos, em colunas no jornal, no Facebook e em cartas e emails enviados para a câmara e para a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, critica o rumo que a cidade está a tomar. Claro que podia conhecer Manuel Salgado muito bem e, mesmo assim, não ter “uma relação privilegiada” com ele. Mas nem o conheço.
O mais bizarro de tudo isto é que, no artigo que escrevi e que o professor refere, a primeira frase é exactamente esta: “Declaração de interesses: vou falar sobre um amigo. Há anos que me incomodam os títulos das notícias sobre o ‘mono do Rato’ porque, aos meus olhos, leio ‘mono do Manel’ — e ninguém gosta de ver um amigo ser tratado assim.” O “Manel” é Manuel Aires Mateus, co-autor do projecto.
Ao contrário do Papa Francisco, defendo que a liberdade de expressão inclui a liberdade de insultar e difamar. A difamação não devia ser crime. Nunes da Silva tem o direito a mentir e a caluniar. Eu tenho o dever de desfazer a sua mentira.
P.S.: A crónica referida é um modesto contributo para o debate sobre três dos argumentos que o Ministério Público usou para considerar o projecto ilegal. É uma opinião. Há outras. As petições públicas não representam a voz da maioria. Representam a voz de um grupo de pessoas. Há petições com as quais concordo, outras não. Há umas semanas, li sobre a originalíssima petição contra uma ciclovia recém-inaugurada que roubou dois ou três lugares de estacionamento.