Será possível criar uma Netflix de saúde para idosos?
A Universidade Nova, em conjunto com instituições de dez outros países, está a coordenar um projecto para criar uma plataforma interactiva de saúde, dirigida à população idosa. A investigadora principal, Helena Canhão, acredita que poderá ser uma realidade nos próximos cinco anos.
São 15h e um idoso liga a televisão, que o avisa que se esqueceu de tomar os medicamentos nesse dia. De seguida é-lhe recomendado um programa, com base nos dados pessoais de saúde, e finalmente recebe um aviso relativo à falta de actividade física nessa semana. O cenário, por enquanto imaginário, exemplifica algumas das possibilidades de uma plataforma de saúde para a população idosa actualmente em estudo por um grupo de 11 países europeus, coordenado pela Universidade Nova de Lisboa.
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São 15h e um idoso liga a televisão, que o avisa que se esqueceu de tomar os medicamentos nesse dia. De seguida é-lhe recomendado um programa, com base nos dados pessoais de saúde, e finalmente recebe um aviso relativo à falta de actividade física nessa semana. O cenário, por enquanto imaginário, exemplifica algumas das possibilidades de uma plataforma de saúde para a população idosa actualmente em estudo por um grupo de 11 países europeus, coordenado pela Universidade Nova de Lisboa.
“Damos o exemplo da Netflix porque é mais fácil de perceber”, começa por explicar Helena Canhão, reumatologista e investigadora principal deste projecto, que em Portugal une uma rede de cerca de três dezenas de pessoas, de diferentes instituições, incluído por exemplo a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. O objectivo final é criar uma plataforma em que os idosos possam aceder a conteúdos de saúde — vídeos sobre a alimentação, recomendações e avisos, por exemplo —, talhados de acordo com o perfil de cada um, através de dispositivos como o computador, telemóvel ou televisão.
Essa interactividade será suportada, por exemplo, por sensores de actividade ou frequência cardíaca ou mesmo por dados que o próprio utilizador registe manualmente na plataforma. “Neste momento temos muitos sensores e wearables que depois não estão clinicamente validados”, comenta Helena Canhão. “Como sociedade civil, temos de estar atentos e informados para perceber se não estamos só a comprar gadgets uns atrás dos outros que não servem para nada”, atira. Defende, porém, que “temos que participar nestas mudanças de paradigma, de uma forma que chegue a todos, que seja democrática”.
Plataforma a funcionar em cinco anos
A investigadora admite que esta plataforma possa ser concretizada em Portugal nos próximos cinco anos, sendo que a viabilidade de uma estrutura deste tipo foi testada já com um projecto-piloto, desenvolvido entre 2016 e 2017, com um grupo de 200 idosos (com mais de 65 anos). Ao longo de três meses, tiveram acesso a um canal de televisão interactivo, centrado em hábitos alimentares e exercício físico e concretizado em parceria com a MEO, NOS e Vodafone.
Os conteúdos variavam entre receitas apresentadas pela chef Justa Nobre (e verificadas por nutricionistas) e programas de exercício físico e os participantes eram incentivados a responder a perguntas como “já comeu sopa hoje?” e “quantos copos de água bebeu?”. O objectivo era determinar quais as melhorias de saúde a curto e longo prazo, a partir de uma série de avaliações físicas realizadas antes e depois do estudo. Apesar de ainda não terem sido publicados os resultados, Helena Canhão avança que as principais conclusões “foram a perda de peso e o aumento da força de preensão [aquela que se faz quando se aperta a mão]”. “As pessoas passaram a beber mais água e a comer de uma forma mais saudável”, acrescenta. O estudo permitiu ainda comprovar que os idosos operavam com alguma facilidade a televisão a partir dos comandos.
O próximo passo é um novo projecto-piloto em Portugal, cujo protocolo deverá estar fechado até Novembro deste ano. Desta vez, terá a duração de um ano, bem como a utilização de uma série de sensores. Além daqueles mais básicos que medem, por exemplo, a frequência cardíaca e o sono, os investigadores estão a considerar usar sensores que accionem um alarme quando a pessoa não abre o frigorífico durante mais do que um determinado número de horas e outros que detectem quedas e mesmo o tipo de marcha do indivíduo.
Projecto resulta de várias investigações
O projecto internacional coordenado pela Universidade Nova resulta de um acumular de investigações: entre 2011 e 2013 foi realizado um estudo (EpiReumaPt ou EpiDoC1) sobre as doenças reumáticas, que caracterizou a população a partir de uma amostra de cerca de dez mil participantes; entre 2013 e 2015, foi feito um outro estudo (EpiDoC2) com os participantes que aceitaram ser novamente contactados, respondendo desta vez a questões sobre padrões de dieta e estilo de vida, e entre 2015 e 2016 um terceiro estudo procurou caracterizar a insegurança alimentar e as suas consequências ao nível da saúde. “Começámos a caracterizar a população e a perceber que havia grupos vulneráveis”, resume Helena Canhão.
Na prática, a investigadora imagina que uma plataforma de saúde para idosos aplicada à escala nacional deverá estar ligada "aos cuidados de saúde primários" e que o médico de família tenha acesso directo à informação sobre cada paciente. Refere ainda a importância, durante esta fase de desenvolvimento, de ouvir a opinião das pessoas. “Têm de ser os doentes e os familiares a dizerem que tipo de plataforma querem”. O projecto – que irá candidatar-se a apoios comunitários – será um dos temas abordados nesta quarta-feira na conferência NOVAsaúde Ageing, que junta especialistas nacionais e internacionais ligados à área do envelhecimento.