A problemática do uniforme
E se em vez de ser propriedade das classes privilegiadas, o uniforme fosse o símbolo de um ensino universal, igualitário, tolerante, inclusivo e gratuito?
Enquanto criança nunca tive particular apreço pelos uniformes escolares. Uniforme não, pensava, quem usa uniforme são os “betos”, os filhos dos ricos, e eu não só não era “beto” como não era rico, e digam lá vocês se já viram um “beto” pobre? Sim, claro que sim e o jet set português não anda propriamente a nadar em dinheiro, mas vocês percebem o trocadilho. Continuemos o raciocínio.
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Enquanto criança nunca tive particular apreço pelos uniformes escolares. Uniforme não, pensava, quem usa uniforme são os “betos”, os filhos dos ricos, e eu não só não era “beto” como não era rico, e digam lá vocês se já viram um “beto” pobre? Sim, claro que sim e o jet set português não anda propriamente a nadar em dinheiro, mas vocês percebem o trocadilho. Continuemos o raciocínio.
Com um uniforme somos indiferenciados, e se por um lado queremos fazer parte do grupo, fazia-me espécie sermos todos iguais, clones ao estilo da Guerra das Estrelas, bonecos de corda numa marcha ensaiada, amestrada, sincronizada. Porque o uniforme é disciplina, como se o ensino, a escola, fosse uma instituição militar, uma prisão militar, onde não cabem as relações humanas, apenas as normas e as ordens e o castigo férreo para quem não cumprir. Venha então o castigo, antes o castigo, por favor o castigo.
Os anos correram e, com a sua passagem, tenho tido a sorte de viajar pelo mundo e abrir os olhos, desde África do Sul a Cuba, sem esquecer Inglaterra, onde exerço a minha actividade profissional. Trabalhando essencialmente com famílias carenciadas, o uniforme acaba muitas vezes por ser a única peça de roupa digna desse nome (e às vezes nem isso), sendo a escola o espaço onde os alunos e as alunas não encontram a rejeição, antes pelo contrário, encontram a inclusão, a segurança e a sensação de pertença, de fazerem parte de um todo que os aceita tal como são, diferentes de todos os outros mas iguais a todos os outros, sem juízos de valor, sem preconceito e a porta sempre aberta.
O uniforme despiu-se assim do contexto disciplinar de uma infância distante, passando a ter um propósito social, humano, no sentido de acolher quem pouco mais tem para além da roupa que traz no corpo, trazendo esperança mas também educação e um futuro sempre melhor do que o futuro de volta a casa no fim de mais um dia de escola.
Vi o mesmo princípio na África do Sul, vi o mesmo em Cuba. Porque são países pobres? Não, são países ricos, em saber, no conhecimento de quanto custou a liberdade e o amanhã é tão certo como o sucesso das suas crianças.
Tomara Portugal seguir-lhes o exemplo onde o uniforme não deve ser propriedade das classes privilegiadas mas sim o símbolo de um ensino universal, igualitário, tolerante, inclusivo, gratuito, para que o sorriso da criança seja o sorriso do adulto, e para que o sorriso do adulto seja o sorriso de todos nós, as crianças que nunca pediram para crescer.