“Beto” O’Rourke, a “coisa” mais parecida com Obama
Tem 45 anos. Respira juventude. Ganhe ou perca, o candidato democrata do Texas já não pode ser ignorado para 2020.
1. Pode o Texas, um velho e inexpugnável reduto conservador, ser o lugar improvável onde o Parido Republicano perde um dos seus dois lugares no Senado? A pergunta pareceria estúpida há meia dúzia de meses. Até ao dia em que Robert “Beto” O’Rourke, candidato democrata ao lugar no Senado que hoje pertence a Ted Cruz, começou a dar que falar. Primeiro no Texas, depois a nível nacional. Ted Cruz, profundamente conservador e rival directo de Donald Trump nas “primárias” do Partido Republicano onde se iniciou a marcha do actual Presidente em direcção à Casa Branca, teria a sua reeleição garantida nas eleições de meio de mandato que se realizam em Novembro. O Texas devia ser um caso arrumado. Não é. A Vanity Fair, que tem feito um acompanhamento sistemático do que se está a passar na terra imensa dos cowboys e do petróleo, publicava há meia dúzia de dias um título delicioso: “Os republicanos fecham os olhos, cerram os dentes e preparam-se para fazer reanimação a Ted Cruz.” Mesmo assim, prossegue a revista, “os aliados de Cruz estão a preparar-se para o pior”. “O embaraço potencial de perder o Texas desencadeou um verdadeiro blitz de recolha de fundos no mundo conservador”, escreve a revista. Trump condescendeu em visitar o estado, apesar de não morrer de amores por Ted Cruz. Nas “primárias” de 2016, os dois candidatos insultaram-se até ao limite do admissível. Trump chegou a ligar o pai de Cruz, de origem cubana, ao assassínio de JFK. Os republicanos já quase dão a Câmara dos Representantes como perdida. A vantagem no Senado é mínima: 51-49.
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1. Pode o Texas, um velho e inexpugnável reduto conservador, ser o lugar improvável onde o Parido Republicano perde um dos seus dois lugares no Senado? A pergunta pareceria estúpida há meia dúzia de meses. Até ao dia em que Robert “Beto” O’Rourke, candidato democrata ao lugar no Senado que hoje pertence a Ted Cruz, começou a dar que falar. Primeiro no Texas, depois a nível nacional. Ted Cruz, profundamente conservador e rival directo de Donald Trump nas “primárias” do Partido Republicano onde se iniciou a marcha do actual Presidente em direcção à Casa Branca, teria a sua reeleição garantida nas eleições de meio de mandato que se realizam em Novembro. O Texas devia ser um caso arrumado. Não é. A Vanity Fair, que tem feito um acompanhamento sistemático do que se está a passar na terra imensa dos cowboys e do petróleo, publicava há meia dúzia de dias um título delicioso: “Os republicanos fecham os olhos, cerram os dentes e preparam-se para fazer reanimação a Ted Cruz.” Mesmo assim, prossegue a revista, “os aliados de Cruz estão a preparar-se para o pior”. “O embaraço potencial de perder o Texas desencadeou um verdadeiro blitz de recolha de fundos no mundo conservador”, escreve a revista. Trump condescendeu em visitar o estado, apesar de não morrer de amores por Ted Cruz. Nas “primárias” de 2016, os dois candidatos insultaram-se até ao limite do admissível. Trump chegou a ligar o pai de Cruz, de origem cubana, ao assassínio de JFK. Os republicanos já quase dão a Câmara dos Representantes como perdida. A vantagem no Senado é mínima: 51-49.
2. As sondagens colocam O’Rourke dentro da margem de erro das intenções de voto. Tudo passou a ser possível. Porquê? O’Rourke tem sido descrito pela grande imprensa como um fenómeno mediático, antigo membro de uma banda punk, alto, magro, louro, irlandês, com um leve ar a JFK, o que prende imediatamente o imaginário americano. O “Beto” vem da sua cidade Natal, El Paso, onde domina a população de origem hispânica, que fala uma língua que domina facilmente. É uma mais-valia, embora Cruz possa estar mais próximo de uma população profundamente religiosa, na sua maioria católica, que hesita entre o conservadorismo republicano e as diatribes de Trump contra os mexicanos “ladrões e violadores” ou os dramas vividos nas fronteiras do Novo México ou da Califórnia. O’Rourke é um personagem. A mesma revista fez dele até agora o mais completo perfil de campanha, com outro título capaz de fixar as atenções: “Parece o Iowa em 2007: “Beto” O’Rourke é a resposta estilo Obama da esquerda a Trump 2020?” O candidato democrata começa a ser visto como “o antídoto ao lado mais artificial da política americana na era Trump”. “É autêntico, cheio de energia e desprovido de qualquer preocupação em seguir as estratégias dos consultores.” Quem escreve o artigo é um jornalista que esteve no Iowa, no célebre dia cinzento e frio de Janeiro de 2008 em que a América ficou a conhecer um candidato democrata, jovem, negro, correndo contra o establishment partidário, protagonizado pela então invencível Hillary Clinton, e que venceu as “primárias do estado” maioritariamente branco, conservador e gelado.
3. O primeiro sinal de alarme da campanha de Ted Cruz foi justamente o dinheiro que, nos EUA, pode ser um indicador fundamental sobre as preferências dos eleitores. Num estado rico e conservador, o facto de a campanha do seu rival ter os cofres mais cheios do que os seus fez soar muitas campainhas. Primeiro no Texas, depois em Washington. O alarme não é de ontem, embora tenha sido disparado com discrição. Escreve o site Politico.us que o vice-governador do estado, Dan Patrick, apareceu em Washington a 25 de Julho para entregar um pedido urgente na Casa Branca: “Mandem o presidente Trump.” Patrick dirigiu a campanha de Trump no Texas. O Presidente irá ao Texas em Outubro. “O seu adversário directo, o representante democrata “Beto” O’Rourke, arrecadou toneladas de dinheiro, reduziu a diferença nas sondagens a quase nada e emergiu como uma cause célebre dos liberais à escala nacional.” “Não estamos a fazer bluff, isto é real e é uma ameaça séria”, disse, por sua vez, aos correligionários de Washington o senador igualmente texano (são dois por estado) John Cornyn. Não se trata apenas do Texas.
4. Voltemos a O’Rourke, que é bastante mais do que um candidato de ar “kennedyiano”, dotado de um forte carisma, que já percorreu, um a um, os 254 counties do Texas, participando nos famosos Town Hall, encontros directos com as pessoas que criam o clima ideal para uma conversa, indo bastante mais longe do que um simples comício. Mesmo assim, em alguns sítios, O’Rourke tinha uma multidão à sua espera e as emoções acabaram por se sobrepor à conversa que gosta de estabelecer, mas ao contrário. É ele que faz as perguntas e que ouve as respostas. “A coisa mais atraente em O’Rourke é que é, ao mesmo tempo, deliciosamente descomplicado e extremamente poderoso: fala de política como nós falamos com os nossos amigos”, escreve Peter Hamby na Vanity Fair, depois de fazer um longo percurso com o candidato para um episódio de uma série documental. Fala completamente à vontade das alterações climáticas (tema impopular na América), dos salários dos professores, dos cuidados de saúde para os veteranos, do ajustamento das pensões de reforma dos funcionários públicos ou da importância da imprensa livre. No guião dos democratas, a ordem é para falar apenas do Obamacare. Não perde uma oportunidade para atacar Donald Trump, incluindo em matéria de política externa. Desancou o comportamento de Trump na célebre conferência de imprensa conjunta com Vladimir Putin em Helsínquia. “Foram as combinações secretas a confirmar-se diante dos nossos olhos.” Foi, diz Hamby, a segunda maior ovação de um Town Hall em Corpus Christi, a seguir à sua recusa em aceitar donativos das corporações. “Eu queria que o Texas fosse o exemplo, a ponte sobre as pequenas questiúnculas, a partidarite, as bicadas sem sentido, a maldade, o insulto, a trapaça, o racismo, o ódio, a ansiedade e a paranóia que domina uma grande parte da conversação nacional.” De rajada, suspendendo a respiração. “Adoraria que vocês fossem a resposta grande, ampla, confiante, ambiciosa, generosa e inspiradora para tudo isto.” Cada acção de campanha, cada dia do candidato é transmitido em directo para as redes sociais. Sem cortes ou embelezamentos. Como sai. Os talk-shows nacionais começam a disputá-lo. “A lenda de ‘Beto’ começa a ser maior que o Texas.” Tem 45 anos. Respira juventude. Bill Clinton tomou posse com 46 e Obama com 47. Como Obama, a sua campanha está assente na organização quase espontânea de voluntários, muitos deles jovens. Recusando os donativos das empresas e da Comissão Nacional Democrata, já arrecadou em menos de um ano 23 milhões de dólares. “Os eleitores com que falei no Texas disseram quase todos a mesma coisa quando lhes perguntei porque gostavam dele: ‘Parece real.’” “Não tenho uma marca para aquilo que estamos a fazer.” “Estamos apenas a partilhar a nossa história, pedindo às pessoas de Corpus Christi ou McAllen ou Lufkin que nos contem as suas. É esta a melhor forma de chegarmos a elas.” O’Rourke tem um pensamento. Diz o que pensa sobre a Saúde ou os imigrantes ou as dificuldades das pessoas. “Eu penso assim e vocês” é a sua fórmula preferida. Até agora está a funcionar. Sobretudo, fala para os independentes. Ganhe ou perca, já não pode ser ignorado para 2020.