Racismo: “Este não é um momento simbólico, é um momento de luta”
Cerca de 2500 pessoas responderam ao apelo de mais de 60 organizações e juntaram-se no Largo de São Domingos, em Lisboa, numa mobilização contra o racismo. Houve teatro, capoeira e música. Aconteceu também no Porto e em Braga.
São 15h e fazem-se os últimos cartazes. “Senhor guarda, não sou vagabundo, não sou delinquente. Sou humano, sou gente”, dizem as letras garrafais, espelho do mote da Mobilização Nacional de Luta Contra o Racismo que neste sábado ocupou o Largo de São Domingos, no Rossio, em Lisboa. A oposição à "brutalidade policial racista" levou ali mais cerca de 2500 pessoas, estima a organização do evento que se prolonga pela noite.
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São 15h e fazem-se os últimos cartazes. “Senhor guarda, não sou vagabundo, não sou delinquente. Sou humano, sou gente”, dizem as letras garrafais, espelho do mote da Mobilização Nacional de Luta Contra o Racismo que neste sábado ocupou o Largo de São Domingos, no Rossio, em Lisboa. A oposição à "brutalidade policial racista" levou ali mais cerca de 2500 pessoas, estima a organização do evento que se prolonga pela noite.
No Porto, cerca de 100 pessoas estiveram na Praça da República em resposta ao apelo nacional lançado por mais de 60 organizações. Aí as quase duas horas de encontro dividiram-se entre intervenções ao microfone – dos organizadores e participantes – e as actuações de grupos da cidade: o coro da Kalina – Associação dos Imigrantes de Leste, o grupo de percussão brasileira Batucada Radical e uma jovem bailarina cigana, detalha Melissa Rodrigues, do Colectivo Chá das Pretas. Em Braga, mais de 150 pessoas juntaram-se num “evento simples para falar e discutir o racismo”, conta Emília Santos, que, depois de fundar um grupo no Facebook contra qualquer tipo de preconceitos e agressões, se disponibilizou a organizar o evento na cidade.
A ideia de uma mobilização “partiu de dentro de uma comunidade de mulheres” pela necessidade de dar “visibilidade ao julgamento dos 17 polícias da esquadra de Alfragide” acusados de tortura e racismo a seis jovens da Cova da Moura, que decorre no Tribunal de Sintra, conta Lúcia Furtado, uma das organizadoras, em Lisboa. Cresceu a ideia de que, como este, outros acontecimentos “exigiam” um evento nacional.
“Estamos aqui pelo bairro da Cova da Moura, pelo bairro 6 de Maio, por todos a quem o racismo institucional fere. Não vamos deixar que nada disto caia no esquecimento”, sublinha Lúcia.
Há o objectivo de inscrever o racismo na agenda política e mediática. “É preciso combater a invisibilidade do tema e, acima de tudo, a naturalização destas práticas – a ideia hegemónica de que existem grupos que são mais propensos a um determinado tipo de comportamentos e que por isso devem ser vigiados, devem ser segregados, devem ser punidos”, diz Beatriz Dias, presidente da Djass – Associação de Afrodescendentes. Aponta dados para demonstrar como as características étnico-raciais continuam a determinar avaliações judiciais: “Os homens negros são os mais criminalizados, sofrem cinco mais penas que os outros homens. Além disso cumprem durante mais tempo as penas.”
Este não é, por isso, “um momento simbólico, é um momento de luta”, afirma. A organização faz uma afirmação clara da necessidade de alterar as leis. Mudanças que criminalizem o racismo – como se lê na faixa do Bloco de Esquerda -, permitam a revisão das penas, a formação anti-racista de agentes policiais e judiciais. “E a recolha de dados étnicos-raciais para permitir a criação de medidas específicas para combater de forma eficaz a discriminação”, acrescenta Margarida Rendeiro, professora universitária e investigadora.
"Não sou nómada por opção, expulsaram-me a bastão"
É aqui que as histórias das vítimas de racismo em Portugal são mais conhecidas e faz-se questão de lembrar os nomes. Carla Fernandes, da Rádio AfroLis, leu-os um a um. Por eles, pede-se justiça e um reconhecimento: o de que “Portugal é um país racista”, grita um coro. Querem dizer que não esquecem, não perdoam.
Exige-se o reconhecimento de que existe racismo institucional, aquele que resulta não de relações interpessoais, mas de relações de poder. Porquê? Porque “polícia mata negro”. Porque há “poucos negros e negras na política”. E porque “negros e ciganos são segregados na educação” e se “despeja os negros da nação”, respondem os actores do Teatro do Oprimido, numa performance na tarde deste sábado. Antes houve uma roda de capoeira, pelos Capoeira Angola. Depois, o palco ficou por conta dos músicos Chalo Correia, Tummy Tripe M e Loreta KBA, entre outros.
São várias as frases escritas em português, inglês, até francês e italiano. A maioria ilustrada com um punho cerrado: “Stop brutalidade policial racista”, “O racismo mata”, “We all bleed the same color” [inglês para “Todos sangramos da mesma cor”], “Negar é compactuar”.
Aquela que mais significado tem para José Fernandes, empresário na restauração e activista cigano, versa assim: "Não sou nómada por opção, expulsaram-me a bastão." Diz que é reflexo da "repulsa que muita gente ainda tem pelos ciganos", gente "que insiste em tomar a parte pelo todo". A solução, a seu ver, é política, não cultural. Por isso, até haver "uma verdadeira representação política das minorias", os avanços serão sempre tímidos, acredita.
Foi o que Paula Teixeira quis que as duas filhas pequenas vissem: “Que há gente que por causa da cor de pele ou etnia não tem os mesmos privilégios que elas.” Gabriela Santos, brasileira a viver em Portugal há um ano, quis mostrar o mesmo à filha de cinco anos. É por isso que entre os cartazes com letras grandes e punhos cerrados há um que tem uma casa e corações.