Autarquias gastaram mais de um milhão de euros em touradas em cinco anos
Associação anti-touradas estima que apoios municipais a eventos tauromáquicos ultrapassem os 16 milhões por ano. A Pró-toiro diz que subsídios municipais são, na maioria dos casos, “bastante irrelevantes”.
No ano passado, dez autarquias portuguesas gastaram, pelo menos, 250 mil euros no apoio a actividades tauromáquicas. Em cinco anos, os gastos do poder local ultrapassaram um milhão de euros (1.186.890 euros entre 2013 e 2017). Os dados analisados pelo PÚBLICO referem-se aos contratos firmados desde 2009 e disponíveis no portal da contratação pública, o Base.
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No ano passado, dez autarquias portuguesas gastaram, pelo menos, 250 mil euros no apoio a actividades tauromáquicas. Em cinco anos, os gastos do poder local ultrapassaram um milhão de euros (1.186.890 euros entre 2013 e 2017). Os dados analisados pelo PÚBLICO referem-se aos contratos firmados desde 2009 e disponíveis no portal da contratação pública, o Base.
Os gastos municipais dizem respeito a aspectos como aquisição de bilhetes, aluguer de animais ou requalificação e manutenção de praças de touros. Em Estremoz, por exemplo, a requalificação da praça de touros municipal, em 2011, levou a um investimento do município de 1,8 milhões de euros. Foi este gasto que empolou os valores de 2011. Tudo somado foram gastos 2,7 milhões nesse ano.
Estes números andarão, no entanto, longe daquilo que é realmente gasto na actividade tauromáquica pelas autarquias. As estimativas da plataforma anti-tourada Basta indicam que, por ano, esse valor pode ultrapassar os 16 milhões. “Mas pode ser mais”, diz Sérgio Caetano, um dos representantes da plataforma.
Para chegar a este valor, a Basta analisou as actas das reuniões de câmara dos municípios onde há actividade tauromáquica — onde se incluem apoios às principais entidades promotoras destes eventos como as sociedades tauromáquicas, colectividades e associações culturais, forcados, bombeiros voluntários e escolas de toureiros. Foram ainda tidas em conta notícias sobre o tema e informação sobre os fundos comunitários disponibilizados às ganadarias. Apesar de todas as entidades públicas terem de publicar a maioria dos contratos realizados com privados, “no Base não está tudo” o que é gasto com o sector, afirma Sérgio Caetano.
E seria possível que a actividade sobrevivesse sem financiamento público? Sérgio Caetano defende que “o espectáculo [tauromáquico] é caro, os bilhetes rondam os 20 euros e se não fossem as câmaras a comprar parte dos bilhetes e a financiar a actividade era impossível conseguirem sobreviver”. Já Hélder Milheiro, porta-voz da Pró-toiro – Federação Portuguesa de Tauromaquia, afirma que os apoios municipais directos são, na maioria dos casos, “bastante irrelevantes” para a realização dos eventos.
Não sendo financiadas pelo Ministério da Cultura, “como acontece com o cinema, o teatro e o bailado”, a continuidade das actividades tauromáquicas depende de “uma força popular que lhe permite viver da bilheteira”, afirma Hélder Milheiro.
30 mil euros em bilhetes
No ano passado, o município do Montijo gastou pouco mais de 30 mil euros em bilhetes para corridas de touros. Contactado pelo PÚBLICO, o presidente do município explica que “é o apoio que faz sentido”, uma vez que estas “são as raízes culturais do concelho”. “É a forma que achamos mais razoável, até porque [os promotores das touradas] são empresas e, de outra forma, não teríamos o interesse público assegurado”, detalha Nuno Canta.
Sobre como se decidem os apoios a este tipo de actividade, o município de Vila Franca de Xira, tradicionalmente ligado à tauromaquia e o que mais gastou em 2017 (68.184 euros), explica que “a escolha é feita de acordo com as várias tradições e as diversas festividades e tem em conta os gostos populares”.
Em respostas escritas enviadas ao PÚBLICO, esta autarquia refere também que o aumento dos gastos com o sector se justifica “porque a marca Vila Franca de Xira, ligada ao campo, ao Tejo, à Lezíria e à tauromaquia, atrai cada vez mais público aos eventos que se realizam anualmente — o Colete Encarnado e a Feira de Outubro —, o que justifica plenamente o incremento dos investimentos relacionados com a sua promoção, bem como da cidade e do concelho”.
O caso de Estremoz é distinto, diz o autarca do concelho no distrito de Évora. “A única coisa em que a câmara investiu foi na recuperação do património”, numa altura em que o “avançado estado de degradação” da praça de touros ameaçava a muralha do concelho. “A partir daí quem organiza os espectáculos, paga. A câmara não financia nada”, afirma Luís Mourinha, destacando que um município do interior como este tem outras prioridades de investimento.
Questionada pelo PÚBLICO, a Associação Nacional de Municípios Portugueses referiu apenas que “qualquer subsídio municipal atribuído a uma determinada actividade é da exclusiva responsabilidade de cada município”.
PAN vai pedir fim dos apoios municipais
O partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) tem estado na linha da frente da luta pela abolição das touradas em Portugal. Já apresentou três projectos de lei sobre o tema e todos foram chumbados. O último foi apresentado à Assembleia da República em Julho deste ano e contou com os votos contra do PS, PSD e CDS, mas teve o voto a favor de oito socialistas e a abstenção de outros 12.
Mesmo assim, André Silva, o único representante do partido com assento no Parlamento, não desiste. No âmbito das negociações do Orçamento do Estado (OE) para 2019, vai propor três medidas: acabar com a isenção do IVA aos artistas tauromáquicos, o fim do apoio à produção de touros para touradas e o fim da redução do IVA para os bilhetes de touradas que, defende, “devem ser tributados à taxa máxima”.
Além disso, fora das negociações do OE, o partido irá também propor (de novo), a “interdição da transmissão de corridas de touros na televisão pública” e “fazer cessar os apoios municipais à actividade”.
Municípios podem proibir touradas?
Já os municípios anti-touradas podem proibi-las? A Pró-toiro entende que não, estando mesmo a preparar uma queixa em tribunal contra a Câmara da Póvoa de Varzim, por esta ter decidido, em Junho, proibir a realização de touradas no concelho. “Nem os municípios, nem nenhum outro órgão, têm poderes para proibir a cultura, a não ser que vivêssemos numa ditadura”, afirmou então a federação taurina. Em defesa deste argumento é usado o decreto-lei n.º 89, de 2014, que define a tauromaquia como “parte integrante do património da cultura popular portuguesa”.
O Governo ainda considerou, no ano passado, dar autonomia aos municípios para autorizarem a realização de eventos tauromáquicos. A alínea constava da proposta de lei relativa à transferência de competências para as autarquias locais aprovada em Conselho de Ministros em Fevereiro de 2017, mas acabou por cair e não entrar na recém-aprovada lei-quadro da descentralização.
Os municípios têm, por isso, apenas margem para se afirmarem anti-touradas, através de uma declaração ética e política. Foi o que fizeram, entre outras, as câmaras de Viana do Castelo, Peniche e Santa Maria da Feira.