“Na Justiça hoje ninguém está acima da lei”
Entrevista ao procurador Batista Romão que regressa ao Ministério Público depois de dez anos a liderar a maior unidade territorial da PJ, a do Norte. Apesar da falta de meios, considera que a Justiça registou uma "melhoria clara" na última década.
Primeira parte da entrevista: “Não há unidades na PJ que não tenham necessidade de pessoas”
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Primeira parte da entrevista: “Não há unidades na PJ que não tenham necessidade de pessoas”
O procurador Batista Romão passou os últimos dez a liderar a maior unidade territorial da PJ, e regressa agora ao Ministério Público, onde também faltam muitos meios. Mesmo assim considera que a Justiça registou uma melhoria clara na última década
Vai regressar ao Ministério Público (MP). Como espera encontrá-lo?
Vejo algum desânimo em colegas meus, tanto por excesso de trabalho como por falta de meios de vária ordem. Gostava de encontrar um MP muito optimista e muito motivado, porque é um parceiro essencial na investigação criminal. Quem manda não se pode esquecer da necessária especialização de equipas para julgamentos nos casos mais complexos. Quem está nos julgamentos tem que ter o apoio muito preciso de quem fez a investigação. Tal como há equipas de advogados, devia haver equipas de magistrados. É fundamental trazer quem investigou, porque ali é que se faz a prova. Muitas vezes um trabalho magnífico de investigação, acaba por se esbater em julgamento.
Como profissional da Justiça há mais de 30 anos, quais são os principais problemas do sector?
Há muito diagnóstico feito. Pouca gente tem é soluções. Na Justiça, excluindo a questão dos meios, que é fundamental, houve uma melhoria clara. Ao contrário de há dez anos, em que tínhamos a sensação que os ricos nunca respondiam, hoje ninguém está acima da lei. O que podem é pagar melhores advogados. As soluções passam não só pelos académicos, mas muito pelas pessoas que estão no terreno. Tem-se dado passos em frente, outros precisam de ser corrigidos.
Quer dar exemplos?
Temos que agilizar o processo penal. Os julgamentos deviam ser filmados. É essencial quem está a analisar um recurso veja a postura das pessoas. Sei que isso acarretaria investimento, mas isso faz-se numa altura e pode perdurar muito tempo. É uma reforma simples.
Como avalia a reorganização do funcionamento dos tribunais, que apostou na especialização?
Trouxe alguns factores positivos, mas o modelo anterior tinha algumas vantagens. Não nos centros urbanos, mas na província. Como procurador de círculo conhecia muito bem a criminalidade que tinha, fazia um diagnóstico muito melhor. Agora no círculo da Figueira da Foz, onde estive, os julgamentos criminais mais importantes são feitos em Coimbra. Os juízes e os procuradores em Coimbra não conhecem os arguidos, não conhecem o que se passou, não estão com esse sentido de proximidade. Os círculos que não eram muito grandes permitiam conhecer a realidade. Hoje não há a proximidade que existia e valorizo muito essa proximidade. Estar num tribunal onde se conhecem os arguidos, onde se sabe as queixas das vítimas. Isso foi um pouco esquecido e tem reflexos na qualidade da Justiça. Se pensamos em quantidade a especialização resulta melhor. A Justiça portuguesa pode ter muitos defeitos mas teve qualidade durante muitos anos. Custa-me pensar que a podemos ter perdido pela falta de proximidade, em nome da especialização. O tamanho das comarcas é outro problema. Há comarcas muito grandes que se tornam extremamente impessoais para as pessoas, entre os colegas, entra a hierarquia. Mas isto é uma sensação, porque ainda não trabalhei no actual mapa judicial.
Em cargos como o que ocupou fala-se muito de pressões para condicionar as investigações. Qual é a sua experiência?
Nunca me pressionaram. Nem interna, nem externamente. Talvez porque seja conhecido como uma pessoa que não é pressionável. Pode ser crua, mais ou menos inflexível, mas não pressionável. Nunca tive condicionamentos do poder político. Nem cara a cara, nem de forma indirecta ou através de terceiros.