Só em quatro meses, “o TripAdvisor das acessibilidades” quadruplicou as queixas recebidas em 2016
Através da aplicação +Acesso Para Todos, criada em Maio, já foram feitas 290 denúncias de locais públicos com falta de acesso para pessoas com mobilidade reduzida. Em 2016, apenas 71 queixas foram apresentadas.
Desde o lançamento, em Maio, já foram feitas 290 reclamações oficiais através da aplicação +Acesso Para Todos, da Associação Salvador, denunciando a falta de acesso a estabelecimentos públicos, transportes e estacionamento para pessoas com mobilidade reduzida. O número obtido nestes quatro meses é quatro vezes superior ao total de queixas registadas durante todo o ano de 2016.
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Desde o lançamento, em Maio, já foram feitas 290 reclamações oficiais através da aplicação +Acesso Para Todos, da Associação Salvador, denunciando a falta de acesso a estabelecimentos públicos, transportes e estacionamento para pessoas com mobilidade reduzida. O número obtido nestes quatro meses é quatro vezes superior ao total de queixas registadas durante todo o ano de 2016.
A aplicação +Acesso Para Todos — disponível para iOS e Android — é uma iniciativa do projecto Portugal Mais Acessível, que venceu o Prémio Solidário 25 Anos SIC, em 2017. Foi ideia de Ricardo Teixeira, um “amigo” da Associação Salvador, pensada para ser uma “máquina de reclamações”. Tem como objectivo envolver a sociedade na temática das acessibilidades e “facilitar e potenciar o envio de reclamações sobre as situações desconformes com os requisitos legais” para as entidades competentes.
A aplicação gratuita é, no fundo, “o TripAdvisor das acessibilidades”, diz ao P3 Joana Gorgueira, gestora de projecto na Associação Salvador. Os utilizadores são convidados a classificar os locais através de quatro parâmetros obrigatórios: acessibilidade da casa-de-banho, livre circulação interna, entrada no edifício e a existência ou não de estacionamento reservado. Poderão fazê-lo apenas para os efeitos da aplicação, como uma review, ou avançar para a criação de uma reclamação oficial, que a aplicação reencaminha de forma automática para as entidades responsáveis pela fiscalização do cumprimento do Decreto-lei 163/2006 — o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) e as câmaras municipais. A Associação Salvador acompanha o seguimento das queixas, informa os espaços visados pelas denúncias e dá sugestões de como corrigir os problemas.
“Queremos ter uma abordagem construtiva. Muitas vezes é apenas um pequeno degrau que impossibilita uma cadeira de rodas de entrar no local.” Joana Gorgueira explica que é fácil colocar uma cadeira manual num estabelecimento — ainda que o objectivo seja sempre a autonomia do utilizador —, mas, para uma cadeira eléctrica, que pode pesar 200 quilos, um degrau é um obstáculo impossível de ultrapassar. “Por isso, temos tentado sensibilizar os espaços para a ideia de que uma simples rampa pode fazer uma grande diferença na vida das pessoas.”
Em apenas quatro meses, a aplicação já tem quase 1500 utilizadores, mais de 1700 avaliações registadas — das quais aproximadamente 900 são positivas — e 290 reclamações oficiais, quatro vezes o número total de queixas apresentadas durante todo o ano de 2016 (71). “Com esta aplicação, estamos a conseguir pressionar as entidades responsáveis pela fiscalização, que começam já a responder-nos e a dar seguimento às reclamações, coisa que nunca tinha acontecido desta forma”, revela Joana Gorgueira.
Um ano, 25 mil euros e 14 iniciativas de sensibilização
A aplicação +Acesso Para Todos é apenas uma das 14 iniciativas que constituem o projecto Portugal Mais Acessível, que valeu à Associação Salvador um prémio no valor de 25 mil euros. As restantes 13 acontecerão até ao final do ano e são maioritariamente acções de sensibilização para a temática da acessibilidade. A mais recente foi divulgada na última quinta-feira, 6 de Setembro, na página de Facebook da Associação Salvador. A campanha chama-se A Reserva e é sobre a acessibilidade nos estabelecimentos de restauração, um dos assuntos que dão mais origem a queixas, segundo Joana Gorgueira.
O anúncio começa com um telefonema: uma mulher liga para o restaurante para fazer uma marcação e pergunta se há algum inconveniente em irem cinco pessoas de mobilidade reduzida. Do outro lado, respondem prontamente que não. Fica a reserva feita. No entanto, quando o grupo chega ao restaurante, não consegue entrar. “Acontece frequentemente dizerem que o local é acessível e depois a pessoa chega lá e não é”, conta a gerente de projecto da Associação Salvador. “Dizem muitas vezes: ‘Sim, já cá estiveram imensas pessoas com deficiência, que se deslocam em cadeira de rodas. Não tem qualquer problema.’ Mas depois esquecem-se de que há um degrau à entrada. Ninguém quer ser pegado ao colo para entrar num restaurante. Ninguém quer ficar à porta quando decide ir jantar fora com os amigos”, afirma Joana. O objectivo da campanha é, por isso, desmistificar este problema e passar a mensagem de que às vezes é muito fácil tornar estes locais acessíveis. “Não queremos ser extremistas. Sabemos que não é possível tornar tudo acessível, mas muitas vezes a mudança é tão pequena como uma simples rampa num degrau, que faz uma enorme diferença na vida destas pessoas.”
“Oito em cada dez restaurantes portugueses não têm acessos para pessoas com mobilidade reduzida”, pode ler-se no vídeo da campanha. O número é preocupante; no entanto, a estatística apresentada é apenas uma estimativa feita pela associação, que não garante completa fiabilidade. “Não temos [nem existem ainda] dados certos sobre todos os restaurantes que existem em Portugal. A estimativa foi feita a partir de uma amostra de 200 restaurantes de todo o país. A partir da base de dados que temos, este é o balanço que fazemos. Mas se formos analisar o país com detalhe, provavelmente a percentagem ainda será maior”, afirma Joana Gorgueira. “Ainda ontem passámos na Avenida de Roma e na Avenida da Igreja, em Lisboa, e quase todos os locais tinham degrau à entrada. Esta é a realidade que se vive no nosso país, infelizmente em quase todo o lado, e por isso não é difícil prever que estes números possam ser ainda mais graves.”
As restantes iniciativas que constituem o projecto Portugal Mais Acessível serão divulgadas até ao final do ano, altura em que a Associação Salvador fará também um balanço oficial do projecto. A aplicação +Acesso Para Todos, no entanto, vai continuar em funcionamento.