BoJack, o cavalo deprimido que fala, na era #MeToo

Os 12 episódios da quinta temporada de BoJack Horseman, a série animada do Netflix sobre um actor que foi grande nos anos 1990, foram lançados esta sexta-feira.

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Um actor que é um cavalo, a sua agente e ex-namorada que é um gato persa e a melhor amiga humana dele em BoJack Horseman DR

Nos anos 1990, o cavalo BoJack Horseman era a estrela da sua própria sitcom, em que tinha de fazer de pai para crianças abandonadas. Horsin’ Around foi um êxito enorme, mas não o fez feliz. Passou os anos que se seguiram ao final da série sem a atenção que tinha tido na altura, a beber e a ficar cada vez mais deprimido.

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Nos anos 1990, o cavalo BoJack Horseman era a estrela da sua própria sitcom, em que tinha de fazer de pai para crianças abandonadas. Horsin’ Around foi um êxito enorme, mas não o fez feliz. Passou os anos que se seguiram ao final da série sem a atenção que tinha tido na altura, a beber e a ficar cada vez mais deprimido.

É essencialmente esta a premissa da série animada BoJack  Horseman, que se passa numa Hollywoo (o “D” foi roubado por BoJack num episódio e a cidade mudou de nome: a preocupação com a continuidade é grande aqui) onde animais antropomórficos convivem com seres humanos. A quinta temporada desta comédia do Netflix foi lançada esta sexta-feira.

Os novos episódios mantêm aquilo que sempre caracterizou a criação de Raphael Bob-Waksberg com os desenhos de Lisa Hanawalt: uma alternância entre momentos mais tristes e profundos de tragédia, com muito de novo para dizer sobre a condição humana e as relações, e comédia que vai dos trocadilhos mais básicos às piadas mais inteligentes, muitas delas sobre cultura pop, com gags  visuais e muito de absurdo pelo meio. Isto além de episódios que fogem ao formato normal da série e, claro, numerosas vozes famosas, algumas a fazerem delas próprias. Desta feita, nomes como Laura Linney, Stephanie Beatriz, Rami Malek, Whoopi Goldberg, Issa Rae, Wanda Sykes, John Leguizamo, Eva Longoria, Angela Bassett, Daveed Diggs ou Brian Tyree Henry juntam-se ao elenco-base, que inclui Will Arnett como BoJack, Alison Brie como a sua amiga Diane, Aaron Paul como Todd, o amigo assexual de BoJack, a sempre hilariante Amy Sedaris como Princess Carolyn, um gato persa que é a agente e ex-namorada do protagonista, e o cómico de stand-up e rei dos podcasts Paul F. Tompkins como Mr. Peanutbutter, um labrador que é actor e rival de BoJack e está a finalizar o divórcio de Diane.

Esta quinta época é a primeira depois de o movimento #MeToo ganhar fôlego. Não muda radicalmente a mecânica da série, que praticamente desde o início dedica episódios ao modo como os homens poderosos da indústria do entretenimento se safam dos seus abusos, mas esta leva de 12 episódios entra nessas questões ainda mais profundamente, com o protagonista no centro de tudo.

No quarto episódio, por exemplo, há uma personagem com semelhanças com Mel Gibson a quem tudo é perdoado – há literalmente uma cerimónia de prémios para perdoar estrelas de Hollywoo. E BoJack, que tem o seu próprio passado sombrio, é aplaudido como um grande feminista pelas suas declarações a condenar esse actor. Tudo sem fazer o mínimo de esforço e sem dizer o que quer que seja de novo ou que numerosas mulheres não digam.

Ao mesmo tempo, BoJack está a filmar uma nova série policial, que é vendida como uma desconstrução da masculinidade tóxica, mas que poderá apenas perpetuá-la e glorificá-la. BoJack Horseman debate-se com isso, com o papel da arte na normalização, para o bem e para o mal – e dá exemplos concretos, como Ellen Degeneres a normalizar a homossexualidade para o interior da América no campo do bem e Jimmy Fallon a normalizar fazer playback na televisão no campo do mal. E não se demarca disso, com plena consciência de que a própria série, que se centra num tipo viciado, narcisista e que provavelmente tem muitos casos #MeToo no currículo, poderá contribuir de alguma forma para humanizar pessoas assim e fazê-las sentirem-se melhores. Tudo isto enquanto continua a ter muita piada e argumenta que somos todos capazes do bem e do mal, o que não é nada fácil.

É mais uma temporada de uma das melhores séries da actualidade. Lisa Hanawalt, a ilustradora e criadora de BD que desenhou as personagens e os cenários, está a preparar uma nova série animada para o Netflix, Tuca & Bertie, criada e escrita por ela, algo que não acontece em BoJack. Terá as vozes de Tiffany Haddish e Ali Wong, duas cómicas que são verdadeiras forças da natureza, encarnando uma tucana e uma ave canora. Raphael Bob-Waksberg produzirá. Ainda não há data para a estreia, mas deverá vir antes da próxima época de BoJack Horseman. Mal podemos esperar.