A fraude da proporcionalidade eleitoral (2)

Evidentemente que nada vai mudar enquanto os prejudicados não obrigarem o Tribunal Constitucional a pronunciar-se.

1. Regresso ao tema do meu último artigo. Para reiterar aquilo que parece ter surpreendido alguns leitores: sim, a atual lei eleitoral é obviamente inconstitucional. O Artigo 149.° da Constituição remete os círculos eleitorais para o legislador ordinário, sujeito a duas condições. Primeiro, “por forma a assegurar o sistema de representação proporcional”. Segundo, “[por forma a assegurar] o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos”. Os resultados apresentados na tabela do artigo anterior, para as eleições legislativas de 1995 a 2015, aplicavam o método da média mais alta de Hondt aos resultados totais nacionais. Portanto, não eram qualquer proporcionalidade estrita, proporcionalidade literal ou proporcionalidade levada ao extremo. Eram, sim, resultados com a desproporcionalidade imposta pelo Artigo 149.° da Constituição através do método de Hondt. As bonificações do PS e PSD, as penalizações do CDS, Bloco e CDU, a exclusão dos pequenos partidos não resultam da desproporcionalidade imposta pelo método constitucional, mas sim dos atuais círculos eleitorais. Consequentemente, entre a tal proporcionalidade estrita e a atual distribuição de mandatos parlamentares há dois desvios. O primeiro desvio resulta do método de Hondt imposto pela Constituição. O segundo desvio deriva dos círculos eleitorais. E é este segundo desvio que é flagrantemente inconstitucional, porque claramente não assegura o sistema de representação proporcional e não está autorizado pela atual redação do Artigo 149.°.

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1. Regresso ao tema do meu último artigo. Para reiterar aquilo que parece ter surpreendido alguns leitores: sim, a atual lei eleitoral é obviamente inconstitucional. O Artigo 149.° da Constituição remete os círculos eleitorais para o legislador ordinário, sujeito a duas condições. Primeiro, “por forma a assegurar o sistema de representação proporcional”. Segundo, “[por forma a assegurar] o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos”. Os resultados apresentados na tabela do artigo anterior, para as eleições legislativas de 1995 a 2015, aplicavam o método da média mais alta de Hondt aos resultados totais nacionais. Portanto, não eram qualquer proporcionalidade estrita, proporcionalidade literal ou proporcionalidade levada ao extremo. Eram, sim, resultados com a desproporcionalidade imposta pelo Artigo 149.° da Constituição através do método de Hondt. As bonificações do PS e PSD, as penalizações do CDS, Bloco e CDU, a exclusão dos pequenos partidos não resultam da desproporcionalidade imposta pelo método constitucional, mas sim dos atuais círculos eleitorais. Consequentemente, entre a tal proporcionalidade estrita e a atual distribuição de mandatos parlamentares há dois desvios. O primeiro desvio resulta do método de Hondt imposto pela Constituição. O segundo desvio deriva dos círculos eleitorais. E é este segundo desvio que é flagrantemente inconstitucional, porque claramente não assegura o sistema de representação proporcional e não está autorizado pela atual redação do Artigo 149.°.

2. A tabela apresentada neste artigo mostra a distribuição oficial de mandatos, a distribuição de mandatos resultante da aplicação do método da média mais alta de Hondt aos resultados nacionais e a distribuição de mandatos resultante da aplicação do método da média mais alta de Hondt aos resultados nacionais com uma barreira mínima de 2% (para excluir os pequenos partidos) para as eleições de 1999, 2011 e 2015. As implicações são claríssimas. Primeiro, a eliminação dos pequenos partidos por via de uma barreira mínima não acautela um sistema de representação proporcional, porque o PS e o PSD continuam a beneficiar-se em dez a 15 deputados à custa dos restantes partidos parlamentares. Portanto, há um problema de desproporcionalidade significativa criado pelos círculos eleitorais, em contravenção da norma constitucional. Segundo, a diferença entre 1999 e 2011 e 2015 deriva da dispersão de votos nos pequenos partidos que agravam a tal desproporcionalidade significativa criada pelos círculos eleitorais. Se isso vai piorar ainda mais em 2019, com os novos partidos, veremos a seu tempo.

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3. Há duas formas de olhar para esta questão. Uma é defender uma significativa desproporcionalidade em nome da estabilidade e da governabilidade. Acontece que isso não é o que diz o Artigo 149.° da Constituição. Portanto, em coerência, quem defende a tese da “desproporcionalidade boa” deveria sugerir que fosse eliminada a expressão “por forma a assegurar o sistema de representação proporcional”. Ou, eventualmente, substituída pela expressão que consta do Artigo 68.° da Constituição espanhola, “a eleição verificará o critério de representação proporcional em cada círculo eleitoral”. A posição alternativa é defender o atual texto constitucional e exigir que, como mínimo elementar, a lei eleitoral seja modificada através de um círculo nacional de compensação (como no sistema eleitoral atualmente vigente para a Assembleia Regional dos Açores) ou substituindo os distritos pelas NUTS 2 (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira) como círculos eleitorais.

4. Evidentemente que nada vai mudar enquanto os prejudicados não obrigarem o Tribunal Constitucional a pronunciar-se. Mas, se abrimos a discussão sobre uma possível revisão da lei eleitoral, o cemitério de propostas é já extenso (mesmo depois da revisão constitucional de 1997). Aliás, já tive a oportunidade de defender a atual proposta da Sedes sobre o tema. Contudo, o mais paradoxal é que, em nome do sagrado princípio constitucional da proporcionalidade, o regime defenda a manutenção da atual lei eleitoral (apesar das alterações constitucionais de 1997) contra todas as propostas feitas por múltiplos académicos, organizações e sociedade civil. O tal princípio que a mesma lei vigente viola sem contemplações.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico