Fugir ou paralisar? Como o cérebro reage ao perigo
Uma equipa de investigadores da Champalimaud descobriu que há um par de neurónios que está envolvido na decisão da melhor estratégia a adoptar perante uma ameaça.
O objectivo será sempre o mesmo: sobreviver, safarmo-nos com o mínimo prejuízo. Assim, face a uma ameaça é preciso avaliar o risco e tomar uma decisão sobre a melhor maneira de reagir. Uma nova investigação de uma equipa de cientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, publicada esta quarta-feira na Nature Communications, revelou que a escolha entre fugir ou paralisar pode depender da nossa posição no momento em que o perigo aparece. No estudo realizado com moscas-da-fruta foram também identificados dois neurónios com um papel importante na execução da melhor estratégia defensiva a adoptar.
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O objectivo será sempre o mesmo: sobreviver, safarmo-nos com o mínimo prejuízo. Assim, face a uma ameaça é preciso avaliar o risco e tomar uma decisão sobre a melhor maneira de reagir. Uma nova investigação de uma equipa de cientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, publicada esta quarta-feira na Nature Communications, revelou que a escolha entre fugir ou paralisar pode depender da nossa posição no momento em que o perigo aparece. No estudo realizado com moscas-da-fruta foram também identificados dois neurónios com um papel importante na execução da melhor estratégia defensiva a adoptar.
O objectivo era perceber como é que o cérebro “escolhe” a melhor resposta defensiva a uma ameaça e também como depois assegura que ela é executada. Uma meta que tinha como ponto de partida o facto de sabermos que há, simplificando, três principais estratégias defensivas perante o medo: lutar, fugir ou paralisar. Neste estudo, os investigadores centraram-se na fuga e, especialmente, na opção pela paralisação.
A resposta através da luta não foi avaliada. “Na verdade, a pergunta essencial era perceber se as moscas-da-fruta paralisavam. Isso ainda não tinha sido estudado quando começámos o estudo”, diz ao PÚBLICO a investigadora Maria Luísa Vasconcelos que liderou o trabalho com Marta Moita. A luta, justifica a cientista, abrange variáveis mais complexas e não está descrita como uma estratégia defensiva nestes animais que a usam para outro tipo de situações mais agressivas como, por exemplo, conquistar fêmeas ou território.
Como a opção de fugir a voar também já tinha sido estudada antes, os animais foram desta vez colocados numa arena onde estavam impedidos de voar. Depois foram ameaçados e observados. As ameaças duravam em regra cinco minutos durante os quais os animais eram expostos a um estímulo (uma sombra que simula um grande objecto numa rota de colisão), que desencadeia respostas defensivas.
“Quando colocámos as moscas num prato coberto e as expusemos a um círculo escuro em expansão, que funcionava como uma ameaça para as moscas, vimos algo de totalmente novo: as moscas paralisavam. De facto, tal como acontece com os mamíferos, elas permaneciam perfeitamente imóveis minutos a fio, por vezes em posições muito desconfortáveis, tal como meio de cócoras ou com uma pata ou duas suspensas no ar”, explica Marta Moita no comunicado sobre o estudo. Mas isso não acontecia com todas as moscas. Algumas fugiam a correr. “Tal como os humanos, as moscas estavam a escolher entre estratégias alternativas”, refere Maria Luísa Vasconcelos.
Depois, olhando de forma mais profunda para os dados perceberam que existia uma diferença óbvia entre as moscas que paralisavam e as moscas que corriam. Os animais que eram ameaçados quando estavam numa marcha lenta paralisavam. Já os que eram confrontados com uma ameaça quando se movimentavam em “passo rápido” optavam, depois de uma pequeníssima pausa de milissegundos, por fugir a correr. A velocidade era uma variável importante.
Por outro lado, os cientistas perceberam que quando a opção era fugir a correr existia antes uma pausa de milissegundos. Ou seja, diz Maria Luísa Vasconcelos “a diferença de escolha da estratégia não tem a ver com o facto de estarem a andar depressa e não conseguirem travar, porque elas até fazem uma pausa antes de começarem a andar mais depressa”. Assim, especula a investigadora, a opção pela corrida em vez da paralisação pode ter a ver com o facto de assumir que foi detectada pela ameaça por se estar a movimentar depressa quando surge o perigo. “Se vai a andar devagar pode tentar disfarçar e paralisar para não sobressair no ambiente”, adianta.
“Quando começámos a trabalhar nestas questões, a maioria das pessoas pensava que as moscas iriam fugir sistematicamente. Quisemos ver se isto era realmente verdade. Apesar de ser um insecto, a mosca-da-fruta é um modelo animal extraordinário, que tem ajudado a esclarecer muitos problemas difíceis da biologia. Portanto, quando decidimos estudar as bases neurais dos comportamentos defensivos, perguntámo-nos o que aconteceria se expuséssemos as moscas a uma ameaça numa situação em que simplesmente não podiam fugir a voar”, refere Marta Moita.
O trabalho com moscas-da-fruta garante o acesso a conjuntos de neurónios muito bem definidos. Neste caso, os cientistas tinham acesso a neurónios que ligam o cérebro ao equivalente à espinal medula. “Foi bastante incrível. Existem centenas de milhares de neurónios no cérebro da mosca e, entre todos eles, descobrimos que a paralisação era controlada por dois neurónios idênticos, um de cada lado do cérebro”, explica Maria Luísa Vasconcelos.
Quando estes neurónios em particular foram “desactivados”, observou-se que a mosca continua a responder à ameaça mas só corria, nunca paralisava. E quando se forçou a activação destes neurónios sem a presença de qualquer ameaça, a mosca paralisava. “O que foi mesmo interessante foi também perceber que a mosca paralisa se estiver a andar devagar ou quase parada, mas se estiver a andar depressa isso já não acontece. Isso significa que, de alguma forma, o movimento antes da activação desses neurónios influencia o comportamento”.
No comunicado, Ricardo Zacarias, primeiro autor do estudo, refere que os resultados desta investigação colocam “estes neurónios directamente à entrada do circuito de escolha”. Marta Moita acrescenta: “É exactamente o que procurávamos: como o cérebro decide entre estratégias concorrentes. Mais ainda, estes neurónios são do tipo que envia comandos motores do cérebro para a estrutura equivalente à espinal medula da mosca. O que significa que eles poderão estar envolvidos não apenas na escolha, mas também na execução do comportamento”. Está aberta uma porta importante para estudar como o cérebro faz escolhas entre estratégias defensivas muito diferentes. E assim a meta transformou-se num novo ponto de partida para futuras investigações que procurem identificar os principais mecanismos e “regras do jogo” que estão por trás da forma como os animais, todos os animais, respondem ao perigo.