Dizem que é uma espécie de “bonificação”
É minha convicção que boa parte da classe política tem um ódio particular pela classe docente.
Em nota à comunicação social com data de 7 de Setembro, o Governo da nossa República anunciou que “irá aprovar um decreto-lei no sentido de permitir que a partir de 1 de Janeiro de 2019, aos docentes do ensino básico e secundário cuja contagem do tempo de serviço esteve congelada entre 2011 e 2017, seja atribuída uma bonificação de 2 anos, 9 meses e 18 dias a repercutir no escalão para o qual progridam a partir daquela data”.
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Em nota à comunicação social com data de 7 de Setembro, o Governo da nossa República anunciou que “irá aprovar um decreto-lei no sentido de permitir que a partir de 1 de Janeiro de 2019, aos docentes do ensino básico e secundário cuja contagem do tempo de serviço esteve congelada entre 2011 e 2017, seja atribuída uma bonificação de 2 anos, 9 meses e 18 dias a repercutir no escalão para o qual progridam a partir daquela data”.
Este anúncio surgiu após o fim das negociações com a Plataforma Sindical, negociações que tinham sido apresentadas em Julho como a razão para terminar a greve dos professores às avaliações, acrescendo o argumento de que iria existir uma “comissão técnica” para apurar os encargos com a reposição do tempo de serviço docente. E este anúncio surgiu voltando a recorrer a uma mentira (o congelamento da carreira docente não se iniciou em 2011, mas sim em Agosto de 2005) e a uma espécie de truque terminológico que é o de apresentar como “bonificação” aquilo que corresponde à amputação de seis anos e meio de trabalho desenvolvido pelos professores, enquanto outras carreiras terão a contagem integral do tempo do chamado “congelamento”.
Mas mais grave é a forma como é apresentada a forma de implementar a tal bonificação “a repercutir no escalão para o qual progridam a partir” de 1 de Janeiro de 2019. Isto significa que a chamada “bonificação” não será imediata, mas apenas no escalão para o qual venham a progredir a partir de 1 de Janeiro de 2019. Ou seja, em casos como o 4.º ou 6.º escalão, dependentes de quotas, no limite, pode nunca vir sequer a acontecer e, para todos, não significará qualquer alteração de posição remuneratória, pois não permitirá qualquer subida de escalão actual.
Exemplificando: quem tiver passado ao 6.º escalão em meados de 2018, só terá a bonificação em meados de 2022, se conseguir ter quota para acesso ao 7.º escalão (ou as menções de Muito Bom ou Excelente), sendo que os tais 2 anos, 9 meses e 18 dias apenas aceleram a progressão nesse escalão, pelo que na prática ela só terá efeito em finais de 2023. Chama o Governo a isto “uma aceleração muito significativa das progressões a partir de 1 de Janeiro de 2019?, que apresenta como uma decisão que “surge na sequência do processo negocial que o Governo manteve ao longo dos últimos meses com os sindicatos”.
Poucos dias depois, apressaram-se os partidos “radicais” que apoiam a "geringonça" a afirmar que não colocariam em risco a aprovação do Orçamento do Estado para 2019 por causa das reivindicações dos docentes. Antes disso, já o Presidente da República tranquilizara o actual primeiro-ministro, afirmando que compreendia se o Governo decidisse resolver unilateralmente a disputa com os professores.
É minha convicção, pelo que leio ouço e observo em primeira mão, que boa parte da classe política tem um ódio – ou desafeição, para os casos menos graves – particular pela classe docente, mesmo quando saíram dela. É uma espécie de “luta de classes”, num sentido estranho. Essa desafeição ou ódio é partilhado por um conjunto alargado de personalidades com posições de destaque na comunicação social. Quando falamos directamente com algumas dessas pessoas percebemos a razão, não sendo raro que depois de despejarem a bílis nos digam que somos, claro, uma excepção à regra.
Para essa “elite”, os professores, em especial os que nasceram ali pela década de 60 e inícios de 70, que andam pelos 45-55 anos e ainda não desistiram de resistir, são para exterminar pelo esgotamento físico e psicológico ou pela humilhação pública. Apresentam-nos como professores velhos e inadaptados ao que se diz serem as novas tendências, seja da pedagogia “progressista” (caso de académicos de esquerda, na área das ciências da educação e da formação de professores), seja da “racionalidade financeira” ou da “nova gestão pública” (caso de economistas transformados em políticos ocasionais com aspirações a salvar a pátria). Querem-nos fora da carreira, para dar lugar aos “novos” que ficarão agradecidos pela “oportunidade”, pelo lugar no quadro de uma carreira truncada. O que se pretende é domesticar qualquer autonomia dos docentes com capacidade crítica, mesmo quando se defende o “pensamento crítico para o século XXI”. E que não se perturbem os acordos de bastidores ou pressionem os sindicatos para desalinharem do que estava combinado. E agradeçam a generosidade da “bonificação”, para que muita gente possa dormir descansada por estarem salvaguardadas “as contas do país”.