Parlamento Europeu autoriza abertura de processo para punir deriva autoritária húngara

Eurodeputados dão luz verde para os Estados-membros tomarem medidas contra Hungria, através do artigo 7.º do Tratado da União Europeia.

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O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, apercebeu-se esta quarta-feira dos constrangimentos da sua retórica xenófoba e nacionalista e dos limites da sua governação iliberal, depois de ver o Parlamento Europeu aprovar, com uma surpreendente e expressiva maioria, a activação do artigo 7.º do Tratado de Lisboa e a abertura de um processo contra o Governo de Budapeste por violação dos preceitos do Estado de Direito.

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O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, apercebeu-se esta quarta-feira dos constrangimentos da sua retórica xenófoba e nacionalista e dos limites da sua governação iliberal, depois de ver o Parlamento Europeu aprovar, com uma surpreendente e expressiva maioria, a activação do artigo 7.º do Tratado de Lisboa e a abertura de um processo contra o Governo de Budapeste por violação dos preceitos do Estado de Direito.

Numa votação que acabou por se revelar bastante menos renhida do que era antecipado, os parlamentares europeus aprovaram com 448 votos a favor, 197 contra e 48 abstenções, a recomendação constante no relatório da eurodeputada holandesa do grupo dos Verdes, Judith Sargentini, para o desencadeamento de uma investigação à Hungria, onde constatou um “risco manifesto de violação grave dos valores europeus”.

Com este desfecho, inicia-se um processo administrativo e burocrático que pode arrastar-se durante meses e culminar na suspensão do direito de voto da Hungria nas cimeiras europeias.

A aplicação do artigo 7.º implica a abertura de um procedimento disciplinar ao Governo de Viktor Orbán, acusado de decisões que põem em causa as normas do sistema constitucional e eleitoral e ameaçam a independência e o funcionamento do poder judicial e outras instituições, nomeadamente organizações académicas e não-governamentais.

Para o Parlamento Europeu, as acções do Governo húngaro atentam contra direitos económicos e sociais consagrados, contra os direitos fundamentais de minorias e refugiados, bem como contra a liberdade de expressão, de associação e de religião.

Numa declaração na véspera do votação, no hemiciclo de Estrasburgo, o primeiro-ministro húngaro descreveu o processo como uma vingança e perseguição política das forças políticas que viram derrotadas nas urnas as suas propostas de acolhimento de refugiados.

“A Hungria está a ser condenada por não querer ser um país de migrantes”, criticou Orbán, que fez chegar a cada eurodeputado um dossier de 108 páginas a contestar as conclusões do relatório Sargentini. “Já sei que não adianta nada porque a vossa decisão está tomada, mas recomendo a leitura do documento”, disse.

Numa primeira reacção à aprovação do relatório, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria, Peter Szijarto, disse que o seu país pretende recorrer aos tribunais para contestar a decisão do Parlamento Europeu, com o argumento de que a votação foi irregular e o seu resultado “fraudulento”. Segundo a lógica do Governo húngaro, o parlamento interferiu no resultado final por não ter contabilizado as abstenções ao lado dos votos contra. “A decisão foi tomada de uma maneira totalmente fraudulenta, ao arrepio de todas as regras relevantes dos tratados”, criticou o ministro, que insistiu na tese de que o processo contra a Hungria “não passa de uma vingança mesquinha protagonizada pelos políticos pró-imigração”.

A partir de agora, o processo passa a ser conduzido pelo Conselho Europeu, onde todas as decisões exigem unanimidade e qualquer Estado membro pode vetar a votação. Não é, por isso, previsível que a condenação política de Viktor Orbán venha a resultar na imposição da sanção máxima contra a Hungria — que de resto já prometeu travar a penalização da Polónia no âmbito de um processo semelhante aberto em Dezembro, por causa de uma controversa reforma judicial.

Mas o respaldo de outros chefes de Estado e de governo, e o apoio que Orbán ainda consegue reunir entre os membros do Parlamento Europeu, não apagam a importância e o significado político da decisão tomada esta quarta-feira, que para todos os efeitos simboliza o confronto entre a visão de abertura e tolerância dos partidos tradicionais e a chamada “democracia iliberal” do primeiro-ministro húngaro e outros líderes nacionalistas europeus. Como vincou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, no discurso do Estado da União que antecedeu a votação (e onde nem por uma vez pronunciou a palavra Hungria), é a matriz democrática da UE que estará em jogo nas eleições do próximo ano.

O maior impacto político da decisão desta quarta-feira vai sentir-se nas fileiras do Partido Popular Europeu (PPE), o maior grupo parlamentar e onde se sentam os eleitos do Fidesz. O partido de Orbán ainda não anunciou formalmente se abandona a bancada, como é esperado. Se não o fizer, a pressão para a sua expulsão deverá passar dos corredores para a praça pública, comprometendo a posição do presidente do PPE, Mandred Weber, que ainda defende o diálogo e a construção de pontes com o regime húngaro.

O conservador alemão, dirigente da CSU da Bavária, tem dois desafios difíceis nas eleições de Maio: prolongar o domínio parlamentar do seu grupo na próxima legislatura, e promover a sua candidatura à presidência da Comissão Europeia como cabeça de lista — ou “spitzenkandidat” — do PPE. “Penso que o debate sobre como podemos unir a Europa deve prosseguir nos próximas semanas e meses e não terminar aqui”, afirmou Weber, defensor do diálogo com o Fidesz como fórmula para controlar os instintos autoritários do partido. “Mas dito isto, penso que deixámos muito claro que para nós os valores europeus não são negociáveis”, acrescentou.

Os eurodeputados do PSD e do CDS estiveram ao lado da maioria do hemiciclo, e também dos membros do PPE na aprovação do relatório Sargentini e na censura à acção de Viktor Orbán. Uma posição partilhada pelos eleitos do PS e pela representante do Bloco de Esquerda, Marisa Matias.

Os três eurodeputados do PCP votaram contra o relatório, apesar de “denunciarem e condenarem firmemente os ataques à democracia, aos direitos sociais e às liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos na Hungria”, como esclareceu João Pimenta Lopes numa declaração de voto. “Não reconhecemos à UE a autoridade nem a legitimidade para se arvorar em juiz ou sequer referência no que à democracia e aos direitos humanos diz respeito”, justificou.