Diada “pela república” vai exigir referendo e libertação dos presos
É um dia para avaliar o estado de ânimo do independentismo, medir forças com a oposição e com Madrid – há 440 mil inscritos para participar neste desfile. O ano pós-referendo foi de bloqueio, vêm aí os julgamentos e mais tensões.
Há seis anos, pela primeira vez, houve membros do governo catalão (Generalitat) na Diada, o dia nacional da Catalunha que assinala a derrota de 1714 na Guerra da Sucessão. No fim da manifestação que juntou dois milhões num tsunami sem aviso, o então president, Artur Mas, sentiu-se obrigado a receber os organizadores e a ouvir as suas reivindicações. “Catalunha, o novo Estado da Europa”, foi o lema de 2012.
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Há seis anos, pela primeira vez, houve membros do governo catalão (Generalitat) na Diada, o dia nacional da Catalunha que assinala a derrota de 1714 na Guerra da Sucessão. No fim da manifestação que juntou dois milhões num tsunami sem aviso, o então president, Artur Mas, sentiu-se obrigado a receber os organizadores e a ouvir as suas reivindicações. “Catalunha, o novo Estado da Europa”, foi o lema de 2012.
Essa Diada assinalou o início do chamado processo – com os dirigentes catalães a desistirem de negociar mais autonomia e a exigirem um referendo sobre a independência. Depois do mais conturbado dos anos, o da maior crise política em Espanha desde a transição, esta será a Diada onde se gritará “Façamos a república catalã”, exigindo-se a libertação dos líderes secessionistas presos e a retirada de acusações aos que fugiram para evitar a cadeia.
Ao contrário de Artur Mas, em 2012, Quim Torra, o actual líder da Generalitat, não só vai encabeçar a concentração marcada para a longa Avenida Diagonal de Barcelona como assume que a “mobilização soberanista” é a sua principal preocupação.
Isto com o parlamento catalão encerrado à espera que os dois principais blocos independentistas, a ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) e a coligação Juntos pela Catalunha (ex-Convergência) resolvam o problema colocado pela impossibilidade de Carles Puigdemont votar – o líder destituído não abdica do lugar de deputado, mas se não for substituído o soberanismo perde a maioria. A partir de hoje a política volta à rua.
Este ano é especial, mas a Diada tornou-se há muito no ritual com que a Catalunha independentista tenta fazer ouvir os seus apelos e provar a Espanha que a dimensão social do movimento não diminui. E a verdade é que quanto mais gente se juntar para a “onda” gigante desta terça-feira mais os independentistas se sentirão fortes e legitimados. Para os unionistas, este 11 de Setembro transformou-se numa “festa xenófoba” (expressão dos dirigentes do Partido Popular catalão).
O momento da viragem
Desde 2010, ano da sentença do Tribunal Constitucional que chumbou uma série de artigos do Estatuto votado em 2006 pelo Parlamento de Barcelona e pelo Congresso espanhol, aprovado em referendo pela esmagadora maioria dos catalães, que o processo avança ao ritmo de cada Diada.
Esse momento marcou o arranque dos referendos simbólicos em aldeias e cidades catalãs e desencadeou uma mudança de estratégia de duas organizações: a Assembleia Nacional Catalã (ANC) e a Òmnium Cultural, as mais importantes associações do território ideológico que defende a ruptura com Espanha.
A de 2011, a primeira verdadeiramente multitudinária, a que levou Artur Mas a exigir a Madrid um novo pacto fiscal, que o primeiro-ministro Mariano Rajoy ignorou, transformou a identidade do partido que então governava, a Convergência, uma formação de direita nacionalista que passava a independentista. Ao ponto de os seus herdeiros, a Juntos pela Catalunha, assumirem uma posição mais radical do que os líderes da ERC.
A Catalunha falou e voltou a falar – em 2012, pela primeira vez mais de 50% dos inquiridos nas sondagens dos principais institutos defendiam a separação de Espanha, ao mesmo tempo que 70 a 80% diziam querer votar para decidir o estatuto político da região –, Rajoy resumiu tudo a uma “questão legal” indiscutível (a Constituição proíbe que se vote a secessão de qualquer parte do espanhol) e perdeu o controlo. De caminho, perdeu (em grande parte) a Catalunha.
Podia ter sido
A partir daí, os políticos deixaram de fazer política e uma dimensão considerável da sociedade catalã passou a perdoar tudo aos seus líderes. As manifestações deixaram de se realizar contra medidas impostas pela Generalitat e passaram a ser todas contra o Estado espanhol que “humilha” e “ignora” os catalães.
Estava-se no pico da crise e das medidas de austeridade. A culpa passou a ser atribuída a Madrid, ao Governo que “rouba” a Catalunha (por não devolver tudo o que esta arrecada em impostos, redistribuídos por todas as regiões e autonomias, com excepção dos bascos, que têm autonomia fiscal) e não investe nas infra-estruturas prioritárias para os catalães – e muitas vezes para Espanha, como o corredor ferroviário Mediterrâneo.
Há culpas de parte a parte. O actual Governo espanhol, liderado pelo socialista Pedro Sánchez, assume-o, ao propor negociar sem pré-condições até que seja acordado o desenho para um referendo de autogoverno (não autonomia; como diz Torra “só concordamos no auto”). Durante anos foi isso que os catalães exigiram e Rajoy recusou. Até 30 de Setembro do ano passado teria sido isso que o então president, Carles Puigdemont, aceitaria. Agora, mais complicado.
O não retorno
À Diada de 2012 seguiu-se a “Via Catalã para a Independência (2013), a “9N Votaremos, 9N Ganharemos”, por causa da consulta simbólica de 9 de Novembro de 2014. A “Via libre para a república catalã” (em 2015) antecipou as eleições que se seguiram, o plebiscito possível ao independentismo, que garantiram aos partidos soberanistas a maioria no Parlamento (de deputados mas não de votos, como hoje).
Em 2016, a Diada “A postos” era já uma espécie de ensaio para a consulta. O ano passado, o ensaio foi a “A Diada do sim”. Depois tudo se precipitou. A 6 e 7 de Setembro, o Parlament entrava em desobediência aberta ao Estado, aprovando as Leis do Referendo e da Transição para a República. E Madrid escolhia em definitivo a via judicial, com a polícia a entrar em sedes da Generalitat no dia 20, detendo funcionários e apreendendo tudo o que tivesse a ver com o referendo marcado para 1 de Outubro.
Madrid fez o que pôde para tornar a votação ilegítima e para a impossibilitar. Mas demasiados catalães estavam determinados a votar: acamparam nos centros de voto, esconderam urnas em casa, imprimiram novos boletins. Chegado o dia, enquanto os Mossos d’Esquadra (polícia catalã) passavam por cada escola e, face à multidão, optavam por não intervir, a polícia enviada de outras zonas de Espanha forçava a entrada à bastonada e fazia mais de mil feridos.
Puigdemont hesitou, mas a 27 de Outubro declarava unilateralmente a independência – congelando de imediato a sua concretização. Horas depois, o Senado em Madrid aprovava a entrada em vigor do artigo 155 da Constituição, permitindo a Rajoy dissolver o Parlamento e destituir o governo catalão. O president, como alguns dos seus conselheiros, voaram para Bruxelas; os que ficaram foram presos. Todos são acusados de “rebelião, sedição e desvio de fundos” e podem ser condenados a 25 anos de cadeia.
A Justiça de diferentes países europeus não deu razão aos juízes espanhóis, recusando extraditar políticos por “rebelião” ou “sedição”, entendendo que isso implicaria um apelo à luta armada. Em Espanha, os processos avançam e os julgamentos podem começar ainda este ano. Torra exige que as acusações mais graves sejam retiradas – os procuradores já indicaram que não tencionam fazê-lo e Sánchez garante que não vai interferir.
Os julgamentos
Ora, isso e um referendo pactado com Madrid são as alternativas admitidas por Torra para abandonar a via unilateral. A ERC, com o seu líder, Oriol Junqueras, na prisão, não quer prosseguir pela via do confronto. Mas se nada acontecer depressa, com dezenas de acusados e seis ex-conselheiros (ministros) presos, para além dos anteriores líderes da ANC e da Òmnium (Jordi Sànchez e Jordi Cuixart), a tendência é para exacerbar tensões. Quando começarem os julgamentos pode ser tarde para o diálogo.
“Cada dia na cadeia é um acto de vingança do Estado” contra os líderes catalães, disse Torra numa entrevista publicada sábado pelo jornal catalão El Periódico. “A existência de políticos presos não ajuda a normalizar a situação”, admitiu, domingo, o ministro do Desenvolvimento (e secretário de Organização do PSOE), José Luis Ábalos. “São elementos que deviriam ultrapassar-se”, admitiu, responsabilizando os independentistas.
Nesta Diada, “pela república”, vai encher-se a Diagonal e fazer-se uma onda pela “liberdade dos presos” e “dignidade da Catalunha”. Há mais de 440 mil pré-inscritos. No dia seguinte, vão discutir-se números de manifestantes. Mas a Catalunha não ficará mais perto de ver terminado o bloqueio institucional e político em que mergulhou no último ano. Nem a independência ou um referendo legal estarão necessariamente mais próximos.