O gabinete da Galp no Ministério do Mar
Fica por saber quanto é que a Galp manda dentro do Ministério do Mar, que age como procurador da petrolífera.
Desde 2016 que o Ministério do Mar se tem revelado a força motriz no Governo para o processo de prospecção e produção de petróleo e gás em Portugal, onde as concessões da Galp-Eni no mar do Algarve e Alentejo são as últimas ainda em vigor. Este ministério, não sendo o responsável pelas concessões, ajudou as petrolíferas a levantar uma providência cautelar em 2017 e agora recorre, em favor das petrolíferas, da sentença do Tribunal Administrativo de Loulé que travou o furo de Aljezur.
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Desde 2016 que o Ministério do Mar se tem revelado a força motriz no Governo para o processo de prospecção e produção de petróleo e gás em Portugal, onde as concessões da Galp-Eni no mar do Algarve e Alentejo são as últimas ainda em vigor. Este ministério, não sendo o responsável pelas concessões, ajudou as petrolíferas a levantar uma providência cautelar em 2017 e agora recorre, em favor das petrolíferas, da sentença do Tribunal Administrativo de Loulé que travou o furo de Aljezur.
Ruben Eiras, recém-empossado director-geral da Política do Mar, assumiu esta posição vindo directamente da Galp Energia, em Fevereiro de 2018. Antes disso, Eiras foi assessor da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, entre Janeiro de 2016 e Janeiro de 2018. Durante esses dois anos este funcionário da Galp Energia acumulava simultaneamente as funções de assessor da ministra que tratava dos assuntos da Galp e gestor da Galp.
Em Janeiro de 2017, depois de uma consulta pública em que 42 mil pessoas se opuseram ao furo de Aljezur, o Ministério do Mar autorizou o furo Santola1X, a 46km de Aljezur e a mais de 1000 metros de profundidade. Não o fez através de comunicado, mas alguém descobriu por acaso a autorização escondida no site do Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional.
Entre o fim da consulta pública, em Agosto de 2016, e a decisão em Janeiro de 2017, Ana Paula Vitorino esteve na conferência Eurasian Energy Futures Initiative, em Washington. A ministra do Mar disse na altura que “o investimento dos EUA em exploração e produção de hidrocarbonetos em deep offshore [grande profundidade no mar] em Portugal era bem-vindo”, que “o primeiro poço de prospecção vai ser realizado no próximo ano, a dois quilómetros de profundidade, a 50km da costa do Alentejo”. E arrematou: “Não temos em Portugal movimentos como temos noutros países da Europa contra este tipo de exploração, porque estamos a fazer as coisas silenciosamente.” A ministra destacou na altura o potencial das relações com os EUA na exploração de outros combustíveis fósseis, os hidratos de metano, também explorados no fundo dos solos profundos submarinos, fruto da proposta extensão da plataforma continental. Sentado ao lado de Ana Paula Vitorino estava Ruben Eiras, assessor da ministra e gestor da Galp Energia. Além disso, o assessor e gestor ocupava ainda na altura o cargo de director do Programa de Segurança Energética da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).
Foi nessa qualidade que delineou, antes de entrar para o Governo, os eixos estratégicos para a energia e a relação EUA-Portugal: explorar petróleo e gás, transformar o Porto de Sines no porto de entrada de gás de xisto produzido nos Estados Unidos, explorar hidratos de metano, fazer mineração submarina nos mares dos Açores, da Madeira e de uma plataforma continental expandida. Em 2015, no relatório Energy Security Perspectives da FLAD, aparecia a necessidade de “incentivar a prospecção e exploração de gás natural em território nacional”. Em 2012, no Expresso, referindo-se à extensão da plataforma continental, Eiras escrevia que “grande parte da prosperidade económica futura [de Portugal] joga-se na exploração dos recursos localizados em solo marinho”, e no mesmo jornal, em 2013, referia que “há um sector que necessita com grande urgência de exímias competências na indústria naval, muitas destas existentes em Portugal: a exploração e produção de petróleo e gás em águas profundas”, e ainda que, “sendo que Portugal faz fronteira marítima com os EUA, há aqui uma potencial oportunidade para maximizar a posição geoestratégica do país, sobretudo com Sines a operar como plataforma reexportadora do gás natural americano para o mercado europeu”. E em 2016, no site do Atlantic Council: “Portugal e os Estados Unidos têm muito a ganhar na construção de um novo quadro de cooperação para a energia oceânica e segurança mineral nas seguintes quatro áreas estratégicas: comércio de gás natural liquefeito (LNG), energias renováveis oceânicas, hidratos de metano e mineração submarina” — a nova posição oficial do Governo assinada pelo gestor da Galp Energia.
A brevíssima abordagem do programa eleitoral do Partido Socialista para as legislativas de 2015 em relação à questão da exploração petrolífera no mar, que pouco ia além da necessidade de criar start-ups na área, tornou-se, com a entrada de Ruben Eiras no gabinete de Ana Paula Vitorino, um programa partilhado com a Galp. A petrolífera instalava-se no Ministério do Mar.
Eiras, que em 2006 transitou de assessor de imprensa do ministro Manuel Pinho para a Galp, na qual passou 12 anos, foi agora promovido a director-geral da Política do Mar.
No dia imediatamente a seguir à decisão favorável à providência cautelar para travar o furo em Aljezur, o Ministério do Mar voltou à carga e recorreu da decisão para tentar garantir que as petrolíferas conseguem mesmo furar, contra a vontade das populações e das autarquias. Fica por saber se Eiras é apenas director-geral da Política do Mar, ou se é, há pelo menos dois anos, o ministro — de facto — do Mar. Isto é, fica por saber quanto é que a Galp manda dentro do ministério, que age como procurador da petrolífera, enquanto funcionários e ex-funcionários da empresa se movem não apenas nos corredores, mas dentro dos gabinetes, à mesa das decisões.
P.S.: A Galp começa a diversificar os seus investimentos e a investir em energias renováveis. Soube-se agora que comprou a Goldenalco, uma empresa de energia solar, por 90 milhões de euros a Miguel Barreto, o ex-director-geral de Energia e Geologia, que assinou em 2007, pelo Estado, as concessões petrolíferas no mar do Alentejo à Galp. Tudo normal.