Consultas de seguimento de cardiologia no Lisboa Ocidental têm mais de um ano de espera
Entidade Reguladora da Saúde fez recomendações a vários hospitais públicos por causa de constrangimentos no acesso a consultas e cirurgias.
A Entidade Reguladora da Saúde detectou problemas e constrangimentos no acesso a consultas de cardiologia no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, com utentes a esperar mais de um ano pelas consultas de seguimento de que necessitavam.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Entidade Reguladora da Saúde detectou problemas e constrangimentos no acesso a consultas de cardiologia no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, com utentes a esperar mais de um ano pelas consultas de seguimento de que necessitavam.
A partir de uma reclamação apresentada em Setembro de 2017 sobre consultas de cardiologia sucessivamente adiadas a uma utente, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) detectou outras queixas relativas a dificuldades de acesso a consultas de cardiologia no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), que integra os hospitais de São Francisco Xavier, Santa Cruz e Egas Moniz.
"A ERS tomou conhecimento de reclamações relativas a dificuldades de acesso a consultas de cardiologia no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), no decurso do ano de 2017, tendo constatado que, por motivos unicamente imputáveis ao prestador, os utentes aguardaram mais de um ano pelas consultas de seguimento de que necessitavam, o que se revela manifestamente incongruente com a necessidade de prestação tempestiva de cuidados de saúde", refere uma deliberação do regulador que foi tornada pública esta segunda-feira.
A situação que motivou a abertura de um processo de avaliação por parte da ERS foi a "sucessiva desmarcação de uma consulta de seguimento da especialidade de cardiologia a uma utente, que veio a falecer no serviço de medicina interna do CHLO, por aparente quadro de insuficiência cardíaca". Em resposta ao regulador, o centro hospitalar disse que a doente em causa estava a ser seguida anualmente no Serviço de Cardiologia e, tendo em conta a idade da mesma e o facto de ter outras doenças, considerou-se não existir relação entre o atraso na realização da consulta e a morte da utente.
O atraso na consulta, explicou ainda o hospital, deveu-se à realização de uma reunião integrada no processo de acreditação do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, uma vez que o médico em questão é coordenador do pólo de Cardiologia no Hospital de São Francisco Xavier.
O regulador dá conta de outras cinco reclamações de doentes que esperaram mais de um ano por consulta de seguimento de cardiologia. Relativamente aos utentes das cinco reclamações, esperaram entre 596 dias e 791 dias por uma nova consulta.
De acordo com a deliberação da entidade reguladora, o próprio hospital reconhece que a redução do seu quadro médico ao longo dos últimos anos "pode, em determinados períodos do ano, comprometer a assistência médica programada nas suas actividades de rotina da consulta externa de cardiologia e de realização" de exames.
Contudo, para o regulador, o hospital tem de "garantir de forma cabal o acesso, em tempo útil" à prestação continuada de cuidados.
Assim, a ERS emitiu uma instrução ao CHLO para "garantir, em permanência" que "são respeitados os direitos e interesses legítimos dos utentes, nomeadamente, o direito aos cuidados adequados e tecnicamente mais correctos", que devem ser prestados "com prontidão e num período de tempo clinicamente aceitável".
Constrangimentos no acesso
A par desta deliberação, a ERS publicou outras cinco relacionadas com constrangimentos no acesso a cirurgias e consultas. Uma das instruções foi dirigida ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) por dificuldades na marcação de uma operação a uma doente que sofre de escoliose, uma doença da coluna e que estava em lista de espera desde Abril de 2014. A reclamação foi apresentada em Março de 2016 e entretanto a doente já foi operada.
A ERS, na sequência da queixa, questionou o hospital sobre a situação. O mesmo admitiu que, pela complexidade da intervenção, só consegue fazer cerca de 40 cirurgias de escoliose por ano. “Semanalmente entram mais doentes para a lista de espera do que aqueles que são operados, portanto existem doentes que podem ter que esperar alguns anos pela cirurgia”, admitiu o CHUC.
O hospital salientou que pela especificidade deste tipo de intervenção não existem hospitais convencionais que possam responder à emissão de vales-cirurgia, que permitem o encaminhamento dos doentes para outras unidades quando o tempo de resposta máximo garantido se aproxima do final. Contudo, existem pelo menos mais três hospitais públicos que podem fazer este tipo de intervenção. Nesse sentido, o regulador emitiu uma instrução ao CHUC para que as regras do sistema integrado de gestão de inscritos para cirurgia seja cumprida e que sempre que se detecte que não há capacidade de resposta seja feita a referenciação do doente para outras unidades.
Outra das reclamações analisadas pela ERS diz respeito à queixa de um doente seguido no Centro Hospitalar Lisboa Central (CHLC) que esperou 383 dias para realizar uma cirurgia bariática, quando deveria ter esperado no máximo 270. Tempo ao qual “acresce uma espera de 580 dias, desde o início do seu percurso para tratamento cirúrgico no CHLC, para o utente ver concretizada a sua inscrição em LIC [lista de inscritos para cirurgia] para cirurgia bariátrica”, salientou o regulador, que adianta que o doente já foi operado apesar de se ter confrontado com inúmeros obstáculos administrativos e burocráticos que limitaram o acesso ao vale cirurgia antes do fim do tempo máximo de resposta garantido.
A ERS recomendou que o CHLC garanta “sempre e em qualquer momento” a adopção de todos os comportamentos que permitam o cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos, assim como que toda a informação seja prestada aos utentes de forma clara.
Espera para cirurgia ortopédica
O mesmo centro hospital, a par do Centro Hospital Lisboa Ocidental (CHLO) e do Centro Hospitalar do Porto (CHP) foram alvo de uma outra instrução. Neste caso, constrangimentos na actividade cirúrgica e operatória na sequência de um episódio de urgência. O regulador explicou que “constatou a existência de constrangimentos na operacionalização da transferência inter-hospitalar de uma utente do Centro Hospitalar do Porto para o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e daí para o Centro Hospitalar Lisboa Central, com impacto no seu direito de acesso, em tempo útil e de forma integrada, aos cuidados de saúde necessários e adequados à sua situação clínica”.
Em causa, uma queixa apresentada a 7 de Março de 2017 relativa a uma utente com 79 anos com uma fractura no fémur que deu entrada no CHP, tendo sido transferida para o CHLO, indicado pela utente e seus familiares como sendo o da sua área de residência. Esta unidade constatou que o CHLC (que inclui o hospital de São José) era o hospital de referência da residência, para onde a doente foi finalmente transferida. A reclamação diz respeito às condições e tempo de espera no CHLC até à realização da cirurgia.
No decorrer na instrução, a ERS tomou conhecimento de outras reclamações relativas ao CHLC. “Ademais, constatou-se relativamente ao Centro Hospitalar Lisboa Central que dois utentes que necessitavam de uma intervenção cirúrgica pela especialidade de ortopedia em contexto de episódio de urgência, no entanto, tiveram de aguardar seis dias pela realização das referidas cirurgias, situação que não se compagina com a obrigação que impende sobre o serviço de urgência do Centro Hospitalar Lisboa Central de, enquanto unidade do SNS, garantir aos utentes uma prestação integrada e tempestiva de cuidados de saúde”, lê-se no resumo da instrução.
Em resposta à ERS, o CHLC reconheceu que a doente de 79 anos permaneceu mais tempo do que o desejado na urgência – local que o hospital destaca como sendo o melhor durante a espera por internamento por facilitar a vigilância pelas equipas clínicas – e que o episódio se deveu ao facto da lotação de camas estar completa nos serviços de internamento ou por se aguardar a saída de doentes já com alta. Salientou ainda que estava naquela altura em vigor o Plano de contingência de Inverno 2016/2017 e que receberam, por indicação da tutela, doentes de outros hospitais para ali ficarem internados. A administração reconheceu ainda constrangimentos na gestão dos tempos cirúrgicos que dificultam uma resposta mais célere.
O regulador recomendou ao CHLC que “todas as cirurgias cuja necessidade de realização seja aferida em contexto de urgência sejam realizadas nas primeiras 48 horas após a admissão do utente”, cumprindo uma circular do próprio hospital, e que sempre que constate a incapacidade de prestar os cuidados, os doentes sejam transferidos. Às outras duas unidades por onde passou a doente de 79 anos – centros hospitalares do Porto e Lisboa Ocidental – a ERS recomendou que garantam o cumprimento das regras de transferência de doentes e que os direitos e interesses destes sejam respeitados.
A Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, o Centro Hospitalar de São João e o Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Grande Porto III – Maia/Valongo também foram alvo de instruções. No caso do norte alentejano por constrangimentos no acesso a consulta de especialidade hospitalar da tiróide, enquanto que no caso do São João e do ACES de Maia/Valongo por problemas de procedimentos de referenciação para agendamento de primeira consulta de especialidade hospitalar de cirurgia vascular e exames complementares de diagnóstico.