Jean Pisani-Ferry: Portugal provou que o pessimismo com que era encarado foi excessivo
O director do Bruegel, think-tank de prestígio sobre as questões europeias, afirma que o problema grego está em não se ter aceitado aliviar a dívida, mas apenas o serviço da dívida. “Por razões jurídicas, houve alguma obstinação alemã neste domínio”.
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Os primeiros tempos da União Monetária não ajudaram à convergência económica. Pelo contrário, alimentaram a divergência sobretudo entre Sul e Norte. Esse problema pode ser ultrapassado com um euro que obedece a regras ainda mais “alemãs”?
Um euro mais alemão não é certamente a opinião dos alemães. Não estou de acordo com o que diz. Que eu saiba, não foi isso que Mario Draghi fez. Nunca seguiu a política que era defendida pelos alemães e pelo Bundesbank
E foi exactamente por isso que salvou o euro…
Levou a cabo uma política que nos salvou, opondo-se à ortodoxia alemã. Ele geriu a crise com inteligência, não a favor dos países do Sul ou do Norte, mas para a sobrevivência do euro. Não podemos aceitar estas caricaturas, que são muito perigosas.
Mas mantém-se um problema de convergência económica.
Claro. Mas a política monetária não é desfavorável a essa convergência económica. Se perguntar aos alemães que política monetária lhes interessa, eles dizem-lhe que queriam uma subida das taxas de juro. Ela é conduzida levando em conta a zona euro no seu conjunto. Resolvemos o problema da divergência? Não. Mas temos casos de recuperação. Não sou um especialista de Portugal mas o seu país demonstrou que o pessimismo geral com que era encarado há alguns anos era excessivo. Verifiquei recentemente que Portugal está à frente da Alemanha em matéria de crescimento das exportações, muito à frente de Espanha e ainda mais de França. Ninguém nega que a recuperação nalguns países da zona euro é difícil e com custos sociais elevados – não tenho uma visão angélica da situação. Foram processos muito mais custosos do que teria sido possível fazer preventivamente e, mesmo, quando a crise foi desencadeada. Mas isso permite ser mais optimista sobre o futuro da zona euro.
O combate às divergências também depende da Europa?
As coisas não se fazem por si e é preciso compreender que os desequilíbrios não se corrigem sozinhos. São precisas medidas. É preciso mais atenção aos desequilíbrios e creio que um dos nossos problemas é que, depois da crise de 2008, dissemos que era preciso dar mais atenção às questões económicas mas não foi isso que aconteceu. Centrámo-nos nas questões orçamentais e deixámos de lado os equilíbrios económicos.
Por exemplo, o excedente comercial enorme da Alemanha?
A principal contrapartida do excedente alemão é um desequilíbrio interno na repartição dos rendimentos: as empresas acumulam lucros consideráveis e a parte dos salários no valor acrescentado baixou significativamente. É desejável que as empresas invistam mais e também que a repartição evolua em favor dos assalariados. Este movimento já começou, os salários estão a progredir mais depressa e isto reequilibra também a situação em relação ao resto da zona euro. Mas é um movimento lento. Seria preciso acelerá-lo.
A situação da Grécia é ainda bastante séria. As medidas de austeridade vão continuar a dificultar o crescimento, já de si asfixiado pelo peso da dívida. Podia fazer-se de outra maneira?
Do ponto de vista da política europeia, o problema grego está em que não se aceitou aliviar a dívida, apenas aliviar o serviço da dívida. A dívida está lá. É pena. Uma dívida a este nível é um obstáculo pesado ao investimento, à recuperação económica. Por razões jurídicas, houve alguma obstinação alemã neste domínio. Além disso, o problema da Grécia era que as estruturas económicas estavam muito degradadas, com uma imigração muito forte, sobretudo os mais qualificados – encontramos jovens gregos excelentes em toda a Europa e seria preciso haver condições para o seu regresso. O problema – que não é só grego - é de crescimento e de capacidade produtiva: não se sai de uma situação de dívida desta grandeza sem uma elevada taxa de crescimento.