Vida curta, viva e curta
É a virtualidade que deve servir a vitalidade e não o contrário, encontrando o único limite na única virtude possível: a vida vital.
Nas paredes da estação do metro, frases reflexivas fazem-nos questionar o frenesim urbano dos nossos dias. Hoje, ao reparar que o tempo de espera para a chegada do próximo comboio ainda girava em torno de seis minutos, procurei um lugar para me sentar. O cansaço fez-me, sem muita escolha, sentar no primeiro banco que vi. Num gesto quase involuntário, saquei o telemóvel do bolso para reduzir a sensação de espera ociosa. Comecei então, como que inconsciente, a fazer aquele gesto. Sim, talvez o gesto mais repetido pela humanidade em simultâneo: passar o polegar de cima para baixo no ecrã do telemóvel.
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Nas paredes da estação do metro, frases reflexivas fazem-nos questionar o frenesim urbano dos nossos dias. Hoje, ao reparar que o tempo de espera para a chegada do próximo comboio ainda girava em torno de seis minutos, procurei um lugar para me sentar. O cansaço fez-me, sem muita escolha, sentar no primeiro banco que vi. Num gesto quase involuntário, saquei o telemóvel do bolso para reduzir a sensação de espera ociosa. Comecei então, como que inconsciente, a fazer aquele gesto. Sim, talvez o gesto mais repetido pela humanidade em simultâneo: passar o polegar de cima para baixo no ecrã do telemóvel.
Faltando pouco menos de um minuto para a chegada do comboio, levantei-me do banco a fim de chegar mais perto da plataforma onde a aglomeração de “cidadãos-telemóveis” se formava, prestes a “enlatar” no metro. Olhei para trás com aquela sensação de “deixei algo passar” e percebi que não tinha reparado como, acima do banco em que estava sentado durante a minha hipnose virtual, se lia em letras garrafais: "A vida é curta demais para se ocupar noutro mundo."
O metro já começava a andar e levou-me o nome do autor. E se desconhecido ficou o remetente, mais do que conhecido ficou o destinatário: eu. Merecia um registo fotográfico, quem sabe. Ali estava eu, o protagonista do cenário contraditório a que a vida moderna me trouxe. A frase, uma guilhotina revolucionária, estava prestes a pender sobre a minha cabeça, decapitando-me a virtude.
Cremos, por vezes, que a vida virtual convive em paz com o que, redundantemente, chamo “vida vital”. Tal crença pauta-se, em última análise, pela confusão por nós mesmos instituída para e sobre as nossas vidas. A vida é curta demais para se ocupar num mundo desprovido de existência, o qual, de tão peremptório, rapidamente se dissolve em 1% de bateria. Então, porquê ocuparmo-nos noutro mundo e não nos (pre)ocuparmos neste e com este mundo? É a virtualidade que deve servir a vitalidade e não o contrário, encontrando o único limite na única virtude possível: a vida vital. Se as aplicações podem ser ferramentas de distracção, por que não canalizarmos as nossas energias para a concentração? Pessoas dispersas são vulneráveis, porque mais susceptíveis à dominação alheia.
Neste processo, confesso também a minha conduta desviante. E aqui o tribunal não exige lá grandes formalidades, pois o juiz só julga baseado numa única lei: o aproveitamento de vida. A vida é demasiadamente curta, o mundo demasiadamente grande. Curtir a vida é responder com grandeza à grandeza do mundo. Vida curta, viva e curta! Não por acaso, Platão estava repleto de razão na sua "Alegoria da Caverna". Forjada na actualidade, ela mostra que estamos todos acorrentados na caverna do mundo virtual, olhando apenas as sombras do verdadeiro mundo, acreditando, porém, que nas sombras da parede se projecta toda a realidade possível. Mal sabemos nós, iludidos, que é lá fora que o mundo se ilumina pela verdade. Quem será o primeiro corajoso do nosso tempo a soltar as correntes e regressar ao mundo real?