Crise do Sporting trouxe fartura de candidatos, há 45 anos era difícil encontrar um

A história de uma crise recorrente em Alvalade e de como João Rocha foi convencido a salvar os “leões” e eleito pela primeira vez a 7 de Setembro de 1973.

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António Pedro Santos/Lusa

“O Sporting atravessa, na verdade, um momento muito difícil. Um passivo grande e o futebol a não render. E só estes dois factos bastam, evidentemente, para tornar sombrio o panorama actual do clube.” A análise poderia ser subscrita por qualquer um dos seis candidatos à liderança dos “leões” que vão este sábado a votos. Mas não. Tem 45 anos e foi assinada por Valadão Chagas. O presidente que entrou para a história do clube pela brevidade do seu mandato: apenas alguns instantes.

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“O Sporting atravessa, na verdade, um momento muito difícil. Um passivo grande e o futebol a não render. E só estes dois factos bastam, evidentemente, para tornar sombrio o panorama actual do clube.” A análise poderia ser subscrita por qualquer um dos seis candidatos à liderança dos “leões” que vão este sábado a votos. Mas não. Tem 45 anos e foi assinada por Valadão Chagas. O presidente que entrou para a história do clube pela brevidade do seu mandato: apenas alguns instantes.

A 7 de Setembro de 1973, os sócios do Sporting encerraram uma das maiores crises directivas do clube com a eleição de um empresário praticamente desconhecido da esmagadora maioria dos adeptos: João Rocha. As dificuldades financeiras e os insucessos no futebol profissional provocaram um vazio de candidaturas (ao contrário de hoje), tendo sido nomeada uma comissão de notáveis para encontrar uma solução credível.

As propostas e as listas dos seis candidatos à presidência

Após algumas tentativas, essa comissão indigitou aquele que iria protagonizar a mais longa presidência em Alvalade, que duraria 13 anos.

Os meses que precederam a eleição de Setembro de 1973 foram caóticos. Mesmo assim, aqueles que os testemunharam e ainda estão vivos para contar (não é o caso de João Rocha) não ficaram preparados para a actual e ainda mais original crise sportinguista. Desta vez, o cenário é particularmente esmagador: um presidente que não aceita a legalidade da sua destituição e uma chuva de pretendentes ao lugar. Com crise ou sem crise, a cadeira do poder “leonino” é apetecível.

Voltemos a recuar no calendário. Ao final de oito anos de mandato, Brás Medeiros – outro nome importante do passado sportinguista – estava saturado. Para muitos, dirigia o clube de uma forma ditatorial e as vozes críticas foram-se acumulando. Quis sair pelo seu pé com a ideia de abrir caminho a uma regeneração directiva que não apareceu.

Sem pretendentes ao trono, o Conselho Leonino (com mais competências na altura) voltou a indigitar Brás Medeiros. Este, aparentemente contrariado, acabou por aceitar uma nova candidatura. Mas apenas com o objectivo declarado de formar uma comissão que lhe encontrasse um sucessor com a maior brevidade possível.

No dia da reeleição voltou a ser acossado pelas críticas (a que chamou ataques) que lhe foram dirigidas na Assembleia Geral (AG) eleitoral, que se somaram à votação pouco expressiva dos sócios. Sem mais delongas, pediu escusa e recusou tomar posse. A família sportinguista não tinha como saber que este não seria o episódio mais caricato desse turbulento ano.

À procura de candidatáveis

A decisão irrevogável de Brás Medeiros obrigou o presidente da Mesa da AG, Amado Aguiar, a convocar ele próprio uma comissão para encontrar uma alternativa. A comissão, por sua vez, nomeou uma subcomissão – constituída por Valadão Chagas, Amado de Freitas e Octávio Barrosa – destinada a inteirar-se da situação financeira do Sporting. Uma medida considerada indispensável para serem estabelecidos contactos com potenciais candidatáveis.

Verificou-se então que o passivo do clube ascenderia aos 20 mil contos (qualquer coisa como 4,2 milhões de euros nos dias de hoje). Números que não foram considerados demasiado alarmantes face aos activos do emblema.

Um contrato com a Câmara Municipal de Lisboa tinha resultado numa permuta de terrenos em propriedade plena (negociável) nas imediações do estádio, com mais de seis mil metros quadrados. E o clube ainda detinha mais um terreno com área idêntica em outro local nas imediações. Tudo resultava num activo avaliado entre os 50 e os 60 mil contos (10,4 a 12,5 milhões de euros a valores de hoje). Conferida a contabilidade, era altura de procurar eventuais presidenciáveis.

José Manuel Martins, industrial e antigo internacional sportinguista, terá sido o primeiro nome equacionado para liderar a direcção. Mas acabaria por ser Valadão Chagas, antigo Director-Geral dos Desportos, a ser convencido a avançar. Com a sua eleição, a 29 de Março de 1973, as hostes “leoninas” respiraram de alívio. Mas o credo voltaria cedo às suas bocas e tudo por causa do Governo de Marcelo Caetano.

Honra e serviço público

O executivo do Presidente do Conselho de Ministros viu no recém-eleito líder “leonino” o homem ideal para liderar a Secretaria de Estado da Juventude e Desportos. Entre as duas opções, Valadão Chagas não resistiu ao apelo das esferas políticas, criando mais um cenário inusitado no Sporting.

A 4 de Abril, pelas 22h, estava em Alvalade para assinar o acto de posse da presidência “leonina” e instantes depois renunciaria ao cargo. “Vim tomar posse para dizer quanto honroso era, para mim, ser presidente da direcção do Sporting. Mas razões poderosas, razões de serviço público, obrigam-me a renunciar. Não pude ser juiz dessa causa e não pude recusar o convite que me foi feito.” E nada mais adiantou.

Dias antes da tomada de posse e ainda sem o convite governamental, Valadão Chagas tinha traçado um quadro esclarecedor da situação sportinguista, em entrevista ao jornal A Bola. “O clube tem de viver de acordo com as suas próprias receitas, não gastando mais do que tem. (…) Haverá que resolver o problema, tal como todos os clubes, mais tarde ou mais cedo, têm de o resolver, pois, de facto, não estamos de acordo com as formas de solução até agora seguidas e, assim, não haverá mais empréstimos para resolver a gestão normal do clube.”

À frente do Sporting ficou interinamente o vice-presidente Manuel Nazaré. Mas este médico, amigo pessoal de Oliveira Salazar (falecido em 1970), excluiu desde logo a hipótese de permanecer no cargo: “Tal como venho dizendo desde a primeira hora, não me desvio um único segundo da minha actividade profissional, para me dedicar aos problemas do Sporting. Não o posso fazer, de maneira nenhuma.”

O grande problema

O clube continuava à procura de um timoneiro. Manuel Nazaré deixou as suas impressões a uma futura direcção. “O grande problema continua a ser o saneamento interno. Resolvido este, tudo será bastante mais fácil”, defendeu. “Logo, a massa associativa tem de que se capacitar de que não será fácil ver o Sporting projectar-se, digamos, nas proporções que constituem o desejo de todos nós.”

Entretanto, o Conselho Leonino nomeou uma nova comissão para encontrar um presidente e um projecto para o futuro. Encontrou-o em João Rocha, a quem solicitou uma entrevista. O empresário, que já tinha sido sondado anteriormente, agradou, mas pediu alguns dias para tomar uma decisão e tentar encontrar uma solução global para o clube. “A situação actual do Sporting é grave, todos o sabem. Seria pois uma leviandade que eu aceitasse o convite, sem mais nem menos”, explicou.

Sem ter integrado nenhum dos anteriores órgãos sociais, João Rocha surgia como um elemento descomprometido com os diversos grupos ou correntes sportinguistas. Embora fosse popular nas altas esferas dos meios económicos e financeiros portugueses, era um completo desconhecido para a esmagadora maioria dos sportinguistas. Um “self-made man” que começou do nada e acabou por ser reconhecido pelas suas ideias inovadoras nos negócios.

A 7 de Setembro seria eleito com uma votação recorde de 4889 votos. Escolheu o também empresário José Roquette, descendente do fundador do Sporting, para a vice-presidência, com o pelouro das Actividades Administrativas e Relações Externas.

Projecto revolucionário

Consigo João Rocha trazia também um projecto revolucionário para o clube e para o futebol português, que passava pela criação de um clube-empresa. A ideia era fundar uma sociedade anónima, designada por Sociedade de Construções e Planeamento, SARL. As mesmas iniciais do Sporting Clube de Portugal (SCP), que seria o seu sócio maioritário, com 60% das acções. A Revolução de Abril do ano seguinte não permitiria ao plano sair do papel.

Mesmo assim, a ideia serviu de fonte de inspiração para Roquette – presidente do Sporting entre 1996 e 2000 – criar a Sociedade Anónima Desportiva (SAD) na segunda metade dos anos 1990.

João Rocha teve de percorrer outro caminho para sanear o clube e procurar o sucesso desportivo. Logo no primeiro ano de mandato viu a equipa conquistar o campeonato, o que lhe deu uma aura de vencedor. Mas nos seus 13 anos à frente dos “leões” só voltaria a festejar mais dois títulos na principal prova do futebol nacional, em 1979-80 e 1981-82, apesar das inúmeras conquistas nas restantes modalidades.

A crise do clube era profunda, vinha de trás e acentuou-se após a saída do empresário, em 1986. João Rocha, ainda antes da eleição fixou as vicissitudes do clube e do futebol português em geral, que considerou desadaptado aos tempos modernos.

“Terão os clubes o dever de existirem só por si? Será indiferente para os poderes públicos que um clube como o Sporting possa fechar as portas na situação de falência? Essas perguntas fi-las a mim próprio, quando me segredavam, não só o montante das dívidas do clube, mas também o seu ruinoso défice anual.”