Orwell, o jogo onde a privacidade morreu

O universo de George Orwell, as revelações de Edward Snowden e o escândalo da Cambridge Analytica foram a inspiração para pôr o jogador a espiar a vida online dos cidadãos.

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Vasculhar mensagens de uma celebridade no Twitter, confirmar a data de aniversário de amigos nas redes sociais ou pesquisar o passado profissional de um novo colega de trabalho parecem actividades inofensivas no dia-a-dia digital do século XXI. Orwell, um videojogo alemão que já foi descarregado mais de um milhão de vezes, alerta para o contrário.

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Vasculhar mensagens de uma celebridade no Twitter, confirmar a data de aniversário de amigos nas redes sociais ou pesquisar o passado profissional de um novo colega de trabalho parecem actividades inofensivas no dia-a-dia digital do século XXI. Orwell, um videojogo alemão que já foi descarregado mais de um milhão de vezes, alerta para o contrário.

Ao longo de vários episódios, o jogador entra no papel de um oficial do governo encarregue de investigar a vida, tal como fica registada online, de pessoas suspeitas de participar em protestos ou ataques bombistas contra o governo da Nação, um país ficcional algures na Europa.

O país autoritário, que está obcecado em manter a segurança dos seus cidadãos, desenvolveu um sistema de vigilância, a que chamam Orwell e que permite aceder a grande parte da informação que as pessoas partilham online, tanto em redes sociais e comentários em sites de notícias, como em mensagens de email privadas. 

“O universo do jogo é bastante contemporâneo”, diz ao PÚBLICO Daniel Marx, um dos co-fundadores da produtora de videojogos independente Osmotic Studios, que começou a trabalhar em Orwell em 2014. “A segurança digital tornou-se um tópico central na sociedade. Queríamos criar um jogo que levasse as pessoas a reflectir sobre o aumento dos sistemas de segurança, sem ser demasiado moralista.”

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Em Orwell, o utilizador pode aceder a emails e chamadas telefónicas privadas

A inspiração veio de um misto entre o romance distópico 1984 (escrito por George Orwell e originalmente publicado em 1949), os documentos revelados por Edward Snowden em 2013 (que mostram que a Agência de Segurança Nacional nos EUA, fazia vigilância em larga escala), e o caso do Facebook e da Cambridge Analytica. Muitos dos sites que se visita no jogo lembram plataformas reais bem conhecidas: há a rede social Timeline, o site de partilha de imagens Hologram e a rede de encontros amorosos Single.

Na narrativa do jogo, o sistema de cibervigilância deriva de uma lei introduzida na Nação em 2012, que permite às autoridades aceder a comunicações privadas de pessoas. O problema é que informação fora de contexto pode ser usada para incriminar: por exemplo, uma piada no Timeline que inclua a frase “quero que tudo expluda” pode ser justificação para acusar alguém de fogo posto. “O jogador é que decide qual é que é o caminho certo, mas as consequências mudam consoante o que é feito. Não há uma forma correcta de jogar”, esclarece Marx.

O jogo, que o PÚBLICO experimentou, coloca o jogador num dia de trabalho em que tem de responder a perguntas das autoridades e dos conselheiros da Nação: “Onde é que foram agendados protestos contra a Nação?”, “A Nina tinha uma motivação para os ataques?”, “Quem é que o professor Goldfels convidou para o grupo de debate político?” Para isso, é preciso arrastar as respostas – que são encontradas em sites, documentos encriptados e comunicações privadas – para o perfil de alguém na base de dados do sistema Orwell. Não se pode remover nada daquilo que se envia para o Orwell. Quando se encontra informação contraditória (amigos que se odeiam e adoram no mesmo dia), tem de se escolher uma versão. 

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É o jogo que define os exertos a arrastar e a interpretação que é dada

 “Queríamos que a nossa história fosse apelativa para todos, e não apenas para jogadores ávidos. É a razão do formato do jogo lembrar muito as redes sociais actuais, e a experiência normal a navegar na Internet de um computador”, explica Marx. 

Cada perfil criado pelo utilizador divide-se em várias secções: informação básica (nome, data de nascimento, fotografias, estado civil, profissão), história, personalidade, contas online, actividades, contactos. À medida que se encontra informação, novos serviços online são desbloqueados: ficheiros médicos, registo de assiduidade em escolas e sistemas de localização de dispositivos.

Na segunda versão do jogo (a que os autores chamam a segunda temporada), a trama intensifica-se ao permitir criar narrativas – em que a verdade é fortemente editada – para levar os cidadãos a confiar no governo. Sempre que se envia algo para o sistema Orwell, o jogo avança dez minutos, pondo o jogador no centro de uma corrida contra o tempo para incriminar um jornalista antes que ele publique algo incómodo. “A forma como o populismo e campanhas de desinformação estão a crescer e a tentar prejudicar democracias liberais em todo o mundo pareceu-nos um bom tema para a continuação do jogo”, diz Marx.

O jogador também é obrigado a passar por uma entrevista de emprego para ser aceite no Orwell. “Não é possível falhar o teste de aptidão, mas queríamos criar essa ilusão”, admite Marx. “Ao dizer ao jogador que se pode falhar, cria-se tensão e motiva-se o jogador a mentir sobre as suas opiniões para ser aceite.” 

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O jogador pode seguir os passos das personagens ao monitorizar os seus smartphones

De acordo com dados da empresa, no total, as duas temporadas de Orwell já foram descarregadas 1,25 milhões de vezes na plataforma de videojogos Steam, onde cada uma custa 9,99 euros. Porém, há períodos em que as temporadas são disponibilizadas gratuitamente, para aumentar o número de pessoas a jogar.

Há vários desenlaces possíveis, com mais ou menos mortes, com o jogador a receber uma promoção ou a ser "eliminado", e com uma melhor ou pior imagem do governo a sair nos media. Os culpados dos protestos são sempre os mesmos, mas o que lhes acontece depende daquilo a que o Orwell teve acesso.

“O objectivo do jogo não é colocar o jogador no papel de vilão. São as pessoas que decidem se são ou não o vilão, e o que é um vilão nesta história”, frisa Marx. “O nosso objectivo não é enviar uma mensagem, é levar as pessoas a questionar mais. Vale a pena usar todos os métodos disponíveis tecnologicamente para se chegar a um objectivo?"

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Na entrevista de emprego, o utilizador tem de identificar pessoas que considera suspeitas com base na aparência física