Realojamento do 6 de Maio quase no fim mas protestos não param
Câmara da Amadora e Governo vão realojar últimos moradores do Bairro 6 de Maio, mas quem foi desalojado há mais tempo queixa-se de não tido qualquer apoio para encontrar uma nova casa.
A voz de Avelino foi uma das que se ouviu numa “acção de protesto” à porta do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) que juntou, na quarta-feira, moradores e antigos moradores das barracas do 6 de Maio que reclamavam pelo direito à habitação. A câmara da Amadora e o Governo vão realojar os últimos moradores, mas associação Habita diz que há quem tenha sido esquecido.
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A voz de Avelino foi uma das que se ouviu numa “acção de protesto” à porta do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) que juntou, na quarta-feira, moradores e antigos moradores das barracas do 6 de Maio que reclamavam pelo direito à habitação. A câmara da Amadora e o Governo vão realojar os últimos moradores, mas associação Habita diz que há quem tenha sido esquecido.
“Esta casa vai abaixo agora”. No dia 7 de Fevereiro de 2017, Avelino Soares, 52 anos, soube que a casa que tinha no Bairro 6 de Maio, na Amadora, há 18 anos ia ser destruída. Assim, sem qualquer aviso, a polícia bateu-lhe à porta e disse-lhe para sair. Bateu o pé, pediu para, pelo menos, tirar lá de dentro as suas coisas, mas “a polícia não deixou”. E os ânimos acabariam por se extremar tanto que Avelino acabaria por ser levado para a esquadra e agredido, tendo ficado hospitalizado três dias. O caso corre agora na justiça.
Avelino saiu de Cabo Verde em 1999 para vir para Portugal à procura de uma vida melhor. Instalou-se no 6 de Maio, que acolhera já muitos africanos. Os filhos nasceram-lhe no bairro.
Como só chegou em 1999, acabou por ficar excluído do Programa Especial de Realojamento (PER), criado em 1993 para realojar “pessoas residentes em barracas” nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, dando apoio financeiro para construção ou aquisição de habitações.
Hoje, vive de biscates. Ficou com sequelas da agressão que o impedem de trabalhar e tem, por isso, um rendimento incerto. Vive em casa do enteado no Bairro do Zambujal, sem compreender a razão pela qual ficou de fora de qualquer programa de realojamento.
Segundo explicou Rita Silva, do colectivo Habita, não está a ser cumprido nem pela autarquia, nem pelo IHRU, o que havia sido acordado em reuniões que a associação e a Comissão de Moradores do Bairro 6 de Maio têm tido com ambas as instituições. A associação diz que fez chegar a ambas as entidades uma lista de moradores e pessoas que já foram desalojadas, mas a quem não foi dada qualquer alternativa habitacional. No total, contabilizam, são 117 pessoas e cerca de 40 agregados.
“Alguns estão a viver em barracas, outros estão a viver em garagens, sem casas de banho. Estas eram as prioridades”, sublinha Rita Silva.
São os casos de Farin Baldé, de 80 anos, que saiu da Guiné-Bissau em 1988 e foi para o Estrela de África contíguo ao 6 de Maio. Vive no bairro desde 1992 e não entende porque foi excluído do PER uma vez que sempre ali viveu. Terão sido as deslocações, como trabalhador da construção civil, que o levaram a ter de se ausentar para obras fora do concelho, fazendo-o o passar longos períodos fora do bairro.
Histórias impossíveis
Em Novembro de 2016, num dia “às sete da manhã”, bateram-lhe à porta de casa para o tirar de lá. Dois dias antes tinha sido operado, estava a recuperar ainda, mas nada travou a demolição da sua barraca. Hoje vive com a esposa, que “tem diabetes, asma, tensão alta”, num quarto pelo qual paga 175 euros, fora as despesas de gás, luz e água. Por mês, os dois governam-se com 244 euros.
Braima Gano, guineense de 62 anos, chegou a Portugal há 30 anos e instalou-se também no Estrela de África. Acabou por ser despejado por duas vezes. Uma em 2005 e outra há dois anos. Hoje, parte do dia é passada no hospital a fazer hemodiálise, e outra no quarto que arrenda por 150 euros. Paga esta despesa, restam-lhe mais 125 euros para o resto do mês, tentando ainda ajudar no sustento de três filhos que estão na Guiné.
“Prescindiram de contactar todas as pessoas que foram despejadas. Só as pessoas que vivem no bairro é que receberam carta”, acusa Rita Silva, explicando que nas últimas semanas, alguns moradores começaram a receber cartas para serem realojados. Só que de foram de fora ficaram os casos que a associação considera como mais “prioritários”.
Questionada pelo PÚBLICO, a câmara da Amadora explicou que a 29 de Junho, celebrou com o IHRU “um protocolo para a disponibilização de soluções habitacionais para 24 agregados familiares residentes no Bairro 6 de Maio”.
No âmbito deste protocolo, o IHRU irá afectar casas que são sua propriedade situados na Área Metropolitana de Lisboa que se encontrem desocupadas “e com condições de habitabilidade” para acolherem os agregados identificados, que não se encontram abrangidas pelo PER, porque foram para o bairro após “o levantamento efectuado para efeito do PER”.
As 24 famílias incluídas no âmbito deste protocolo são “as únicas que a câmara, o IHRU e a Secretaria de Estado de Habitação, após análise individual dos processos, comprovou factualmente a sua situação de carência e a impossibilidade de terem alternativa habitacional”, acrescenta.
Nesta fase, a autarquia diz que está a recolher os processos das famílias para os reencaminhar ao instituto que celebrará depois os contratos de arrendamento.
As cartas já começaram a chegar a algumas casas, como a de Cátia Silva, 28 anos, que foi construída pelos pais quando a mãe a tinha na barriga. Ainda emigrou para França, mas voltou quando fez 21 anos. Para o bairro. Nessa altura, as primeiras casas começavam a ser demolidas. Cátia, que pensava estar abrangida pelo PER, acabou depois por saber que tinha sido excluída. Ainda levou o caso aos tribunais, mas acabou por perder. “Foi-nos dada a boa notícia de que tinham feito este protocolo”, diz Cátia, que faz parte da comissão de moradores. Mas o problema agora é que poderão ter de ir morar para zonas que não querem. “Agora vamos ser realojados na Moita ou em Almada. A minha filha anda na escola na Amadora, eu sempre vivi na Amadora, não queria sair dali”, diz.
Do protesto no IHRU, apesar de não terem arredado de lá pé durante horas, não conseguiram mais respostas. O PÚBLICO questionou o instituto sobre o assunto, mas não obteve respostas em tempo útil.
A câmara diz que no bairro, além das 24 famílias, ainda residem outras cinco, enquadradas no PER, cujo processo de realojamento está a decorrer.