Entre Gil Vicente e Beckett, Nuno Carinhas (e o São João) continua fiel a Shakespeare
Depois de Macbeth, o director artístico do São João encena Otelo. É o regresso ao grande dramaturgo britânico, agora em registo contemporâneo, a marcar a rentrée do teatro nacional portuense, que conta, desta vez, com duas produções próprias e oito estreias.
Num momento em que não (se) sabe se vai prolongar o seu mandato como director artístico, há muito Nuno Carinhas no programa do Teatro Nacional São João (TNSJ) para o próximo quadrimestre: encenação de duas produções próprias – Otelo e Uma Noite no Futuro –, além da direcção cénica de um espectáculo de fado, Em fio breve o coração. E já se sabe que, em 2019, voltará a dirigir, sobre o quase centenário palco da Praça da Batalha, uma peça do dramaturgo britânico Martin Crimp…
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Num momento em que não (se) sabe se vai prolongar o seu mandato como director artístico, há muito Nuno Carinhas no programa do Teatro Nacional São João (TNSJ) para o próximo quadrimestre: encenação de duas produções próprias – Otelo e Uma Noite no Futuro –, além da direcção cénica de um espectáculo de fado, Em fio breve o coração. E já se sabe que, em 2019, voltará a dirigir, sobre o quase centenário palco da Praça da Batalha, uma peça do dramaturgo britânico Martin Crimp…
“Não faço ideia de quais são as intenções”, da Secretaria de Estado da Cultura e da nova administração do TNSJ, agora presidida por Pedro Sobrado, sobre o futuro próximo – respondeu Nuno Carinhas quando questionado sobre o eventual prolongamento da sua ligação ao teatro nacional portuense por um quarto mandato, depois de Outubro.
Num intervalo dos ensaios de Otelo, e na véspera da apresentação pública da programação, na tarde desta sexta-feira, no Teatro Carlos Alberto (TeCA), com um concerto de Música, para começar, Carinhas desvendou ao PÚBLICO o calendário da instituição para o período de Setembro a Dezembro. O programa parece denotar já alguma distensão após a crise que, nos últimos anos, condicionou a ambição do teatro. Duas produções próprias de fôlego, oito estreias, várias co-produções, uma presença forte da música e o acolhimento de projectos de diferentes origens preenchem a agenda dos três palcos e espaços do TNSJ até ao final do ano.
Otelo – que estreará no São João já a 28 de Setembro – marca o regresso de Carinhas a Shakespeare, após Macbeth (2017). “Mas este Otelo significa uma aproximação completamente diferente daquela que fizemos na outra peça”, explica o encenador, antecipando uma leitura que desta vez será “contemporânea”, com um elenco também cruzado de pessoas com quem habitualmente trabalha – os actores que configuram o “elenco quase residente”, que o TNSJ vem reivindicando – e outras que vêm de fora.
“Macbeth, nunca senti que fosse uma peça susceptível de adaptação; havia ali sempre qualquer coisa de fantasioso, que nos transpunha para outro tempo”, diz Carinhas, defendendo que o texto de Otelo “tem uma natureza diferente: é uma coisa sobre a intimidade, a amizade, o amor, as paixões cruzadas e a traição”, temas que considera estarem na ordem do dia. De resto, o encenador antecipa que “parte do espectáculo irá passar-se na plateia, junto do público, com o pano fechado, criando-se uma espécie de fórum”.
Já Uma Noite no Futuro (TeCA, 13 de Dezembro) associa obras dramáticas de “dois autores 'contemporâneos': Gil Vicente e Samuel Beckett”, arrisca Carinhas. Trata-se de uma parceria dramatúrgica com Pedro Sobrado. “Eu e o Pedro andamos a arrastar há uns anos esta possibilidade de cruzar de forma atrevida os dois autores”, diz o encenador. Trata-se de uma inquirição, a partir de dois dramatículos de Beckett – Velha Toada e A Última Gravação de Krapp – e de um pequeno texto do dramaturgo português – O Auto da Fé –, “sobre a existência e a memória, mas que projecta estas questões para o futuro”.
Estreias e co-produções
O leque de estreias e co-produções do TNSJ abre também já este mês com a criação colectiva Imóvel (19 de Setembro), um texto de Regina Guimarães com encenação de Hugo Cruz, cuja acção decorre fora das paredes do teatro, numa reunião de condomínio num prédio algures na Baixa portuense, cujos moradores e vizinhos se enclausuram em “ilhas de solidão”.
Ter Razão (TeCA, 26 de Setembro) é uma co-criação do Ensemble com o Teatro da Palmilha Dentada, com texto e encenação de Ricardo Alves, que recria em palco uma história de “problemas de estacionamento, engarrafamentos monumentais e pessoas que se travam alegremente de razões” – diz a sinopse.
A 2 de Novembro (TeCA), Bella Figura promete ser um espectáculo “divertido e inquietante”, diz Carinhas, tendo em vista a autora do texto, Yasmina Reza, e a encenação de Nuno Cardoso. Se fosse uma peça de música, a escritora francesa disse tratar-se de “uma fuga, talvez. O estilo da escrita é contrapontístico. Ouvimos várias vozes de outras tantas personagens que vão expondo – em diálogos rápidos e oblíquos – as suas angústias, frivolidades, hipocrisias, cobardias, mentiras”.
Da sua experiência de vida, estudo e trabalho em Itália, e depois de Gertrude (2013) e As Criadas (2016), Simão Do Vale Africano traz ao Porto o teatro de um mestre, Trattoria Pirandello (TeCA, 15 de Novembro), reunião de três pequenas peças apresentadas como “três ‘refeições’ breves, frugais, nutritivas, mediterrânicas”.
Excluído – como o Ensemble e o Festival Internacional de Marionetas do Porto, outros “inquilinos” frequentes do TNSJ – dos apoios da Direcção Geral das Artes, o Teatro Experimental do Porto fecha no palco do São João, com Verdade ou Consequência (6 de Dezembro), a sua Trilogia da Juventude, “um olhar crítico das ‘juventudes inquietas’ dos últimos cinquenta anos do século XX em Portugal e na viragem para o presente século", de novo com encenação de Gonçalo Amorim.
Num calendário em que a música estará também muito presente, o TeCA acolhe, já na próxima semana (dias 12 a 15), o ambicioso programa do Colexpla – Festival Internacional de Exploração Sonora, uma produção da Sonoscopia, que, década e meia depois, retoma a herança do festival Co-Lab na exploração das novas formas da música experimental improvisada.
Já para o Dia Mundial da Música (Mosteiro de São Bento da Vitória, 1 de Outubro), Nuno Carinhas assegura a direcção cénica de Em fio breve o coração – Uma noite de fado em fado, que será aquilo que promete: a celebração do fado na sua relação mais frutuosa com a poesia (Alexandre O’Neill e Manuel de Freitas ao lado de poetas populares), na voz nova e "fulgurante" de Miguel Xavier, que se prepara para lançar o seu primeiro disco.