Produtos da Nike destruídos em protesto contra anúncio de Kaepernick
Depois do boicote ao jogador, acusado erradamente de desrespeitar a bandeira e o hino americanos, agora é a Nike a ser penalizada por ir ter o quarterback na nova série da campanha “Just do it”. Mas a empresa mantém-se fiel aos seus princípios e o anúncio “está noutra liga”.
Alguns cortaram os símbolos das suas meias. Outros pegaram fogo aos ténis e filmaram enquanto estes ardiam nos quintais. Todos tinham emoções fortes em relação à nova campanha do seu lema “Just Do It” da Nike e uma das caras que a vai representar: Colin Kaepernick.
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Alguns cortaram os símbolos das suas meias. Outros pegaram fogo aos ténis e filmaram enquanto estes ardiam nos quintais. Todos tinham emoções fortes em relação à nova campanha do seu lema “Just Do It” da Nike e uma das caras que a vai representar: Colin Kaepernick.
A Nike revelou na segunda-feira que Kaepernick – o quarterback da NFL desempregado que gerou a controvérsia por se ter ajoelhado durante o hino nacional como forma de protesto contra a injustiça racial e a violência policial – fará parte da campanha que assinala o 30.º aniversário do slogan “Just Do It”. Quarterback é um jogador da linha avançada da equipa e a NFL é a liga nacional de futebol americano.
“Acredita em alguma coisa. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo”, podia ler-se num teaser de um anúncio que Kaepernick publicou no Twitter.
O anúncio impôs-se como uma afirmação ousada a favor da justiça racial por parte da Nike e como a mais recente demonstração dos valores da empresa, dizem os especialistas. Por norma, as empresas abstêm-se de fazer qualquer afirmação sobre as relações raciais, mas os especialistas dizem que a Nike reivindicou a luta pela igualdade racial como um dos fundamentos da sua missão.
Alguns críticos de Kaepernick viram na decisão da empresa um sinal para sacrificarem os seus produtos da Nike.
De forma quase imediata, algumas pessoas começaram a publicar fotografias de meias ou de ténis que tinham estragado e destruído, ou afirmaram que em breve passariam a sua lealdade para marcas como a Adidas, a Brooks ou a Converse. (Por acaso a Converse pertence à Nike.)
A estrela de música country John Rich mostrou um par de logótipos da Nike que cortou de umas meias. O vídeo de uns ténis a arder tornou-se viral.
Os trocadilhos anti-Nike foram o passo seguinte: “Just Don’t”, publicou um utilizador do Instagram; “Just Blew It”, publicou outro.
O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem criticado persistentemente os jogadores da NFL que protestam durante o hino nacional, um movimento iniciado por Kaepernick. Trump e outros têm interpretado erradamente os protestos do jogador e assumido que são protestos contra o hino ou contra a bandeira americana.
Numa entrevista que deu à Fox News no ano passado, Trump disse ao apresentador Sean Hannity que considerava que Kaepernick devia ter sido suspenso logo após o seu primeiro protesto.
“Eu vi Colin Kaepernick e achei horrível, e depois o movimento cresceu e cresceu e começou a alastrar-se e francamente a NFL devia tê-lo suspendido por um jogo e ele não teria feito aquilo outra vez”, disse Trump a Hannity, com direito a aplausos da audiência no estúdio. “Deixa-me dizer isto, não podes desrespeitar o nosso país, a nossa bandeira, o nosso hino. Não podes.”
Trump deu a sua opinião sobre a campanha da Nike na terça-feira, dizendo ao jornal Daily Caller que a Nike está a passar “uma mensagem terrível” ao usar Kaepernick nos seus anúncios. Ainda assim, reconheceu o direito da empresa de tomar uma posição.
“Por muito que discorde do apoio a Kaepernick, é isto que faz o nosso país ser o que é: haver certas liberdades para fazer coisas que outras pessoas pensam que não devias fazer. Mas pessoalmente estou do lado oposto a isto”, disse Trump ao Daily Caller.
Entretanto, a hashtag NikeBoycott (Boicotar a Nike) tornou-se famosa no Twitter.
E na terça-feira, as acções da Nike caíram mais de 3%. A Nike não respondeu ao pedido de comentário.
O jornalista do canal de televisão de desporto ESPN Darren Rovell, que revelou a notícia na segunda-feira, disse que a nova campanha “Just Do It” da Nike tem como público-alvo adolescentes entre os 15 e os 17 anos. A campanha também inclui os atletas profissionais Odell Beckham Jr. e Shaquem Griffin, ambos jogadores de futebol americano), Lacey Baker (skater), Serena Williams (tenista) e LeBron James (basquetebol).
Na terça-feira, Rovell publicou no Twitter que a NFL não respondeu a um pedido de comentário sobre a decisão da Nike. Em Março, a Nike a NFL anunciaram que tinham prolongado a sua parceria para os equipamentos dos jogos até 2028. No fim do dia de terça-feira a NFL emitiu um comunicado dizendo que a liga “acredita no diálogo, compreensão e união.”
“Apoiamos o papel e a responsabilidade que desempenham todos os que estão envolvidos neste jogo para promover uma mudança positiva e significativa nas nossas comunidades”, disse a porta-voz da NFL, Jocelyn Moore. “As questões sobre a justiça social que Kaepernick e outros atletas levantaram merecem a nossa atenção e acção.”
Como relatado por Mark Maske, do The Washington’s Post, no Outono passado, Kaepernick fez queixa da NFL, argumentando que várias equipas conspiraram para o manter fora da liga devido aos seus protestos durante o hino nacional.
A ironia de haver pessoas a deitarem fora ou estragaram produtos da Nike para protestarem contra algo com que discordam não passou ao lado dos que apoiam Kaepernick e os seus protestos. Muitos fizeram troça do boicote e até gravaram vídeos satíricos deles próprios a “destruir” os seus produtos Nike de maneiras absurdas. Outros juraram usar com mais frequência os seus equipamentos Nike ou comprar mais produtos da Nike para compensar a tentativa de boicote.
As empresas são geralmente pressionadas a responder à publicidade negativa ou à pressão pública. Mas no caso da Nike, os anúncios de Kaepernick enviam uma mensagem pró-activa sobre justiça social e racial, disse Anthony Johndrow, um consultor especializado em reputação de empresas. A ideia pré-estabelecida é que as empresas devem evitar campanhas sobre os problemas raciais porque receiam que os seus próprios valores internos não “aguentem o escrutínio de que serão alvo se tomarem uma posição”, disse Johndrow.
Johndrow disse que há a ideia de que “tens de manter a tua casa em ordem primeiro” e que as empresas “não podem ser pró-activas a não ser que sejam intocáveis.” Mas a Nike está a traçar um novo caminho, disse, não por não ter problemas mas sim porque historicamente se tem envolvido com temas controversos através dos seus anúncios.
Em 1995, por exemplo, a Nike utilizou o slogan “Just Do It” para a consciencialização dos direitos das mulheres no desporto. Nesse mesmo ano, a empresa apostou também no corredor de maratonas de Los Angeles Ric Munoz, que era seropositivo.
As empresas decidem envolver-se em temas que tenham a ver com missão que definiram como sua, disse Sonya Grier, uma professora de marketing da American University. Com essa decisão vem o risco de perder os que têm diferentes pontos de vista. Mas esse é o custo inevitável de se envolverem em causas de justiça social, disse. Não costuma ser assim tão complicado quando uma empresa se envolve noutros temas, como o clima.
Mas o anúncio da Nike “está noutra liga”, disse Grier.
Joe Holt, especialista em ética empresarial da Universidade Notre Dame, disse que existe uma diferença moral importante entre empresas que promovem os seus pontos de vista “porque têm de o fazer” e as empresas que o fazem “porque o querem fazer”. O especialista disse que um verdadeiro teste aos valores de uma empresa é se está disposta a mantê-los mesmo que comporte um custo financeiro. A contratação de Kaepernick por parte da Nike na campanha “Just Do It” parece ser prova disso, disse Holt, porque vai inevitavelmente afastar alguns clientes.
O anúncio de Kaepernick não é apenas sobre justiça racial, disse Holt, também aborda a participação da sociedade civil. Holt menciona um encontro entre Kaepernick e Nate Boyer, um antigo Boina Verde (membro das forças especiais das Forças Armadas) e ex-jogador de futebol americano, depois de Boyer ter escrito uma carta a criticar Kaepernick por, no seu protesto, se sentar no chão. Kaepernick convidou Boyer para uma conversa.
Nessa conversa, Boyer explicou que os soldados se ajoelham nas campas dos antigos camaradas por desrespeito. Kaepernick disse que se ajoelharia em vez de se sentar para protestar contra a violência policial e contra o envolvimento policial em mortes de negros desarmados.
“E isto é extremamente necessário na nossa sociedade profundamente dividida”, disse Holt. “Na maior parte do tempo, os que estão em lados opostos nas questões políticas falam um para o outro mas não falam um com o outro.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução de Ana Silva