O esforço dos democratas para impedir que Brett Kavanaugh chegue ao Supremo
A Casa Branca de Trump não permite a divulgação de mais de cem mil páginas do arquivo relativo ao juiz candidato ao Supremo e que datam do seu tempo como advogado e conselheiro de George W. Bush.
Enquanto ponderava a nomeação de Brett M. Kavanaugh, o senador democrata nova-iorquino Charles E. Schumer mal conseguia conter a sua raiva. Considerou que a escolha foi “uma das mais políticas da história” e que dificilmente outro candidato seria mais perfeito "para provocar divisões".
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Enquanto ponderava a nomeação de Brett M. Kavanaugh, o senador democrata nova-iorquino Charles E. Schumer mal conseguia conter a sua raiva. Considerou que a escolha foi “uma das mais políticas da história” e que dificilmente outro candidato seria mais perfeito "para provocar divisões".
Schumer não está a falar da actual nomeação de Kavanaugh, escolhido pelo Presidente Donald Trump para juiz do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos. Estava-se em 2004 e Schumer fazia parte dos democratas que contestavam a mudança de Kavanaugh da Casa Branca de George W. Bush para juiz do Tribunal de Recurso Federal. Schumer e os seus colegas democratas descreveram Kavanaugh como extremamente conservador e foram tão eficientes que conseguiram bloquear a nomeação durante três anos.
Agora, enquanto Brett Kavanaugh se prepara para o início da sua audiência de confirmação no Senado, na terça-feira, os democratas procuram uma estratégia para impedir a ascensão do juiz ao Supremo Tribunal. Schumer disse numa entrevista que as suas preocupações “são as mesmas” que em 2004, e que estas aumentaram devido às decisões judiciais de Kavanaugh ao longo de 12 anos.
“Ele tem um sorriso muito bonito, mas por trás é um guerreiro da extrema-direita”, disse Schumer.
Antes, como agora, para os democratas Kavanaugh simboliza a forma como o partidarismo tem dominado o processo das nomeações judiciais. A escolha de Trump para preencher o lugar deixado vago pelo juiz Anthony Kennedy, para quem Kavanaugh trabalhou como assistente, reitera o objectivo de longa data dos republicanos de preencher os tribunais federais com juízes que irão interpretar de forma estrita a Constituição e garantir a orientação conservadora no Supremo Tribunal em assuntos como o aborto e outra legislação.
Só que, desta vez, as tácticas que em 2004 não devem resultar. Schumer e os seus colegas democratas enfrentam uma alteração da legislação, promulgada no ano passado pelos republicanos, segundo a qual são precisos apenas 51 votos para impedir uma obstrução a um juiz do Supremo Tribunal Federal, em vez dos 60 votos que eram necessários anteriormente. Antes da morte do senador John McCain (que morreu na semana passada e cujo substituto, republicano, deve ser nomeado em breve pelo governador do Arizona), os republicanos controlavam 51 lugares.
E os republicanos têm as suas próprias estratégias para controlar o fluxo de documentos que poderão originar mais contestação. A Casa Branca diz que os relatórios de quando Kavanaugh era assessor de Bush não precisam de ser divulgados e milhares de documentos da altura em que fazia parte do gabinete jurídico da Casa Branca foram retidos pelos republicanos na Comissão de Justiça do Senado como “confidenciais”, o que significa que todos os senadores os podem consultar mas não divulgar.
A Comissão recebeu 415 mil páginas, das quais 147 mil estão retidas. Para além disso, a Casa Branca disse na semana passada que não irá divulgar à comissão 101,921 páginas de registos relacionados com Kavanaugh, argumentando com a sensibilidade das comunicações. Os democratas disseram que o processo está a ser manipulado pelos republicanos para ocultarem informações importantes e pediram que a audiência de confirmação, que dura quatro dias, seja adiada até que todos os documentos cruciais tenham sido divulgados.
Pouco antes do início da sessão no Senado, 42 mil páginas foram divulgadas, mas os senadores disseram que não há tempo para avaliarem este novo material.
Quando, em 2003, George W. Bush nomeou Kavanaugh para ser juiz de recurso dos EUA, o trabalho de Kavanaugh em missões partidárias pô-lo em choque com os democratas. Trabalhou para o conselheiro independente Kenneth Starr e abriu o caminho para a destituição do Presidente Bill Clinton, em 1998. Agiu depois em nome de George W. Bush na recontagem dos votos na Flórida, nas presidenciais de 2000 disputadas com o democrata Al Gore (que perdeu a recontagem e a presidência), promoveu candidatos judiciais conservadores enquanto conselheiro do Presidente e como secretário de Bush ajudou a talhar as políticas presidenciais.
“À medida que vou verificando os diferentes assuntos em que estiveste envolvido como advogado no serviço público e no sector privado, parece-me que és o Zelig ou o Forrest Gump da política republicana”, disse o senador Richard J. Durbin na audiência de 2004. Esta audiência passou quase despercebida na actual investigação ao curriculo de Kavanaugh. “Estás em todas as cenas do crime.”
Durbin ainda faz parte da Comissão de Justiça e vai-lhe ser pedido, pela terceira vez, que pondere se Kavanaugh deve ser sujeito à consideração de todo o Senado. Em 2004 Durbin trabalhou com Schumer para travar a nomeação de Kavanaugh e votou contra ele em 2006, quando a sua nomeação foi aprovada.
Como Schumer, Durbin disse que as suas preocupações em relação a Kavanaugh só aumentaram.
“Ele tem sangue republicano nas veias”, disse Durbin. “Claramente tem mais experiência judicial agora do que quando o conheci, mas estes 12 anos foram maioritariamente compostos por decisões conservadoras. O seu padrão de voto é muito claro”, disse Durbin.
Nas suas duas audiências anteriores, Brett Kavanaugh garantiu não ser um ideólogo. Em 2004, Durbin pediu-lhe um exemplo em que a sua decisão tenha discordado da posição do Partido Republicano. Respondeu que apesar de ser republicano, o seu "enquadramento não é a política partidária - sou sim um advogado para os meus clientes, e tenho trabalhado para juízes".
Noutra altura, Kavanaugh foi questionado pela senadora Dianne Feinstein, uma democrata da Califórnia que pertence à Comissão de Justiça e continua a ser uma grande crítica do juiz. Feinstein estava segura de que George W. Bush utilizara um processo para nomear apenas juízes que se opunham ao aborto, mas Kavanaugh testemunhou nem ele nem qualquer colaga da equipa de conselheiros da Casa Branca de Bush perguntaram a um candidato qual a sua opinião sobre o aborto.
Feinstein atacou: “Consegue identificar cinco juízes pró-aborto que a Casa Branca tenha enviado para o Capitólio?” “Não sei se os nomeados são pró-escolha ou pró-vida”, respondeu Kavanaugh. “Quatro? Três? Dois? Um?”, insistiu ela. “Senadora, tenho a certeza que há muitos”, respondeu Kavanaugh, sem dar exemplos.
Num comunicado enviado ao The Washington Post Feinstein disse que os relatórios de Kavanaugh mostram que o juiz “ajudou a seleccionar candidatos [a cargos judiciais] que se opunham fortemente aos direitos reprodutivos das mulheres.” A senadora quer que mais relatórios da era Bush sejam divulgados para que se possa perceber melhor o papel de Brett Kavanaugh.
“Devíamos perder tempo a estudar os relatórios completos deste candidato para percebermos se ele enganou ou não o Senado sob juramento”, disse.
Em resposta, a Casa Branca entregou ao Post um comunicado do chefe de Kavanaugh durante a Administração Bush, o então conselheiro Alberto Gonzales, que diz: “Não perguntámos aos candidatos as suas opiniões sobre determinados assuntos, como o aborto e outras políticas. Fizémos perguntas sobre os seus métodos de decisão em geral, não como decidiriam num determinado caso ou tema. Fazer o contrário seria totalmente errado. O testemunho do juiz Kavanaugh reflectiu a nossa conduta consistente.”
Alguns dos argumentos democratas contra Kavanaugh já não estão válidos. Na altura da audiência de 2004, os democratas focaram-se na sua juventude e falta de experiência em tribunal. Tinha 39 anos e não trabalhara em qualquer tribunal, apesar de ter trabalhado para três juízes, incluindo o juiz Kennedy que Kavanaugh está agora nomeado para substituir. Hoje tem 53 anos – considerada a idade ideal para alguém que pretende trabalhar durante décadas no Supremo Tribunal – e emitiu dezenas de pareceres no Tribunal de Recurso Federal, no Distrito de Columbia.
Académicos da área jurídica que analisaram cerca de 300 opiniões de Kavanaugh colocam-no no meio do espectro de outros juízes republicanos nomeados. Adam Feldman, fundador da Empirical SCOTUS (empresa que avalia juízes e decisões do Supremo Federal), disse que os pareceres de Kavanaugh o posicionam “bastante à direita, mas não no fim do espectro.”
A correspondência electrónica de Kavanaugh nos seus anos como conselheiro de George W. Bush mostra que o juiz estava ciente da política envolvida nas nomeações de juízes. Uma das suas funções era encontrar ou vetar candidatos para as nomeações judiciais de Bush. Alguns dos candidatos favoritos de Kavanaugh eram considerados extremistas pelos democratas e muitos não obtiveram a aprovação do Senado. "Claro que a ideologia tinha um papel" nestas selecções, disse Schumer a Kavanaugh na audiência de 2004.
Num exemplo que deu, Kavanaugh falou na juíza do Texas Priscilla Owen, que George W. Bush nomeou para o Tribunal de Recursos que cobre Texas, Mississippi e Louisiana. Os democratas classificaram-na como extremista e a sua nomeação não obteve votos suficientes.
Kavanaugh registou este resultado amargo. E, num email enviado depois das eleições de Novembro de 2002, encaminhou para colegas da Casa Branca um artigo que dizia que Owen tinha sido derrotada por razões partidárias. O Partido Republicano conseguiu a maioria no Senado nas intercalares e Owen foi nomeada novamente e confirmada em 2005.
A própria nomeação de Kavanaugh foi sendo adiada até 2006, quando voltou a enfrentar o cepticismo dos democratas na Comissão Judicial, incluindo o de Schumer, Feinstein e Durbin. Mais uma vez criticaram-no pela sua inexperiência e pelo seu trabalho em assuntos do Partido Republicano, mas a linha condutora doo interrogatório prendeu-se com ter ou não conhecimento das políticas de tortura da Administração Bush e do tratamento dos detidos. Kavanaugh, que trabalhou com conselheiro entre 2001 e 2003, e depois como assessor até 2006, disse que “não estava envolvido” nesses assuntos.
Uma resposta que ajudou que a confirmação da sua nomeação num Senado controlado pelos republicanos - a votação, a 26 de Maio 2006, foi de 57 a favor para 36 contra. Um ano mais tarde, um artigo no Post deixou alguns democratas a sentirem-se enganados. Dizia o texto que, em 2002, Kavanaugh tinha estado em pelo menos um debate controverso no Gabinete Jurídico da Casa Branca, tendo-lhe sido pedido para interpretar o que o juiz Kennedy poderia pensar sobre a política de detidos antes de o caso chegar a tribunal.
O artigo irritou alguns democratas que consideraram que, afinal e ao contrário do que dissera, estava a par das políticas de Bush.
Depois da audiência de 2006, Durbin, que considerou que o testemunho de Kavanaugh "não tinha sido exacto", pediu ao juiz para explicar por escrito a discrepância entre o quee tstemunhou e o que o jornal publicou. Nunca recebeu a resposta e, afirmou, vai voltar ao assunto na sessão que começa esta terça-feira.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução de Ana Silva