Claro e óbvio erro

Hoje, no meu artigo de opinião, vou voltar a falar do videoárbitro (VAR), porque não é demais continuar a fazer pedagogia em torno desta ferramenta que, sendo uma realidade com presente e futuro garantido, ainda vai deixando muitas dúvidas quer para quem está dentro das quatro linhas, quer para os adeptos em geral.

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Hoje, no meu artigo de opinião, vou voltar a falar do videoárbitro (VAR), porque não é demais continuar a fazer pedagogia em torno desta ferramenta que, sendo uma realidade com presente e futuro garantido, ainda vai deixando muitas dúvidas quer para quem está dentro das quatro linhas, quer para os adeptos em geral.

Esta época, inclusivamente, passou a constar da “Lei 5 – O Árbitro” todo um conjunto de premissas que servem de base para a orientação teórica e prossecução prática por parte dos árbitros e respectivos VARs. De entre elas destaca-se a definição que serve de base ao protocolo e que estabelece que o árbitro poderá ser assistido por um videoárbitro apenas em situações de "claro e óbvio erro"ou incidente grave não detectado, relativamente a: golo ou não golo, penálti ou não penálti, cartão vermelho directo (mas não segundo cartão), e má identificação por parte do árbitro, aquando de uma advertência ou expulsão a jogador da equipa que cometeu a infracção.

Deste texto destaco o facto, e lendo em profundidade e em bom português, de a intervenção do VAR não estar prevista para situações em que haja erro do árbitro. Ela está prevista apenas para situações em que esse erro seja “claro e óbvio”, ou seja, o documento adjectiva o erro e dá-lhe uma dimensão que faz com que não restem dúvidas a ninguém de que a decisão inicial tomada é, aos olhos de todos, algo que foi mesmo errado.

Agarrando num exemplo prático, do passado fim-de-semana, no Estádio do Dragão foi assinalado um penálti a favor do FC Porto por infracção cometida por Loum sobre Aboubakar, aos 9' de jogo. O VAR interveio no sentido de dizer que não era penálti e forneceu ao árbitro apenas uma repetição para basear a sua decisão, com uma câmara por trás da baliza, que foram as imagens que a Cidade do Futebol injectou em directo na transmissão e a que todos nós pudemos ter acesso em casa na nossa televisão, quando esta ficou tripartida: com uma imagem da sala do VAR, outra imagem do árbitro a ver o monitor e finalmente outra imagem da repetição do lance.

Foto

Ora, essa imagem é manifestamente insuficiente para o juízo final do árbitro, pois está incompleta, já que apenas mostra a perna esquerda do infractor a tocar na perna direita do seu adversário. Com a ajuda de outra câmara, que nos dá um plano aproximado e por trás dos jogadores, vemos que a perna esquerda está esticada e com o calcanhar a prensar contra o solo o calcanhar esquerdo de Aboubakar. E são estes dois pontos de contacto, vistos pela frente e por trás, que nos mostram a infracção e o motivo pelo qual o jogador do FC Porto se desequilibrou e caiu.

Mas mais importante que as imagens, neste caso não mostradas na globalidade ao árbitro no terreno, é o facto de ter havido divisão de opinião entre os especialistas de arbitragem que fizeram comentários sobre este lance, o que mostra, acima de tudo, que a decisão inicial do árbitro não foi um erro claro e óbvio, tal como preconiza o protocolo, e que, como tal, o VAR nunca deveria ter feito qualquer intervenção.

Mas continuando na Lei 5, lemos de novo algo que considero importante: a assistência dada por um VAR será assente na utilização de repetições dos incidentes, o que significa que passar para o árbitro uma única repetição de um lance pode ser muito restritivo e limitativo, por mais claro que possa ser o incidente. Nesse sentido, deverá o árbitro solicitar mais do que um ângulo, mais do que uma perspectiva para ter a certeza de que, quando vai ao monitor (on-field review), a manutenção ou alteração da sua decisão inicial é inequívoca.

Por último, é preciso acrescentar que, excepto para incidentes graves não detectados, o árbitro ou outro elemento da equipa de arbitragem no terreno de jogo terá de tomar sempre a decisão, incluindo a decisão eventual de não penalizar uma potencial infracção, sendo que esta não decisão não será mudada a menos que se trate de um claro e óbvio erro. Se, após uma interrupção, o jogo recomeçar, o árbitro apenas poderá fazer uma revisão e agir adequadamente em termos disciplinares para situações de má identificação de jogadores ou de expulsão relativamente a conduta violenta, cuspir, morder ou infracção grave, insultos e/ou gestos abusivos.