Universidade do Porto recebe conferência de comité que nega alterações climáticas
A conferência do polémico Independent Committee on Geoethics inclui oradores que negam ou diminuem os efeitos da acção humana no clima.
A Universidade do Porto recebe no próximo fim-de-semana uma conferência internacional sobre as alterações climáticas organizada por um comité que é céptico ou nega fenómenos relacionados com o aquecimento global.
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A Universidade do Porto recebe no próximo fim-de-semana uma conferência internacional sobre as alterações climáticas organizada por um comité que é céptico ou nega fenómenos relacionados com o aquecimento global.
A notícia foi avançada esta manhã pelo Diário de Notícias. O encontro, que acontece nos dias 7 e 8 na Faculdade de Letras, é organizado pelo Independent Committee on Geoethics (ICG), um comité que visa, escreve a página da Universidade do Porto, "(des)construir algumas ideias sobre alterações climáticas".
A Universidade do Porto, em comunicado, distancia-se da organização do evento, mas admite que se trata de "uma iniciativa de uma docente da mesma faculdade, sendo da responsabilidade do Independent Committee on Geoethics". No mesmo comunicado, a instituição salienta que as posições dos oradores não reflectem a "visão da Universidade do Porto sobre o tema em debate" mas que o espaço da academia deve ser palco "de debate e discussão por excelência, onde a partilha de diferentes ideias e perspectivas deve ser valorizada".
A fechar o comunicado, a Universidade ter como prioridade "o combate às alterações climáticas e a sustentabilidade ambiental".
Contactada pelo PÚBLICO, fonte da assessoria da Universidade do Porto esclareceu que se trata de "uma concessão do espaço através do pedido de uma docente". É Maria Assunção Araújo, também oradora nesta conferência e cujo papel foi "fazer a ponte" com o Independent Committee on Geoethics (ICG): fez o pedido do espaço e da organização do evento.
Na mesma página em que promove o evento, a Universidade do Porto informa que um dos oradores é Piers Corbyn, "reconhecido meteorologista e dono da WeatherAction". O irmão do líder trabalhista Jeremy Corbyn "vai demonstrar que o clima extremo na Europa é normal, já o tivemos antes".
A conferência conta ainda com o investigador e professor sueco Nils-Axel Mörner, que a Universidade do Porto apresenta como alguém "que desenvolve, já desde os anos 70, [estudos] sobre as alterações do nível do mar". Mörner é uma figura controversa e criticada pelas suas teorias que negam a influência do aquecimento global no aumento do nível médio das águas.
130 euros por pessoa
Questionada pelo PÚBLICO, fonte da assessoria da Universidade diz que esta conferência (com um custo de 130 euros por pessoa) é composta por oradores com uma "visão única" sobre as questões das alterações climáticas, com posições maioritariamente cépticas ou negacionistas.
Maria Assunção Araújo, geógrafa e professora da Universidade do Porto, defende a realização da conferência — que, esclarece, não nega as alterações climáticas. "Pensamos que a causa fundamental das alterações climáticas, que não negamos, não é a acumulação de CO2 na atmosfera", disse a professora, em declarações ao Diário de Notícias.
"Não pode ser isso porque o CO2 é uma pequeníssima parte dos gases na atmosfera e a maior parte nem é produzido pelos humanos, não há maneira de ter essa influência que se diz", defende.
A professora não se responsabiliza pela escolha dos oradores. Mas afirma: "Não me interessa ter cá alguém a dizer que a causa das alterações climáticas é o CO2: isso não é ciência é política".
Contudo, afirma que a conferência pretende ser um debate científico sobre as alterações climáticas, com "pessoas cientificamente muito válidas". “Há censura”, acusa, contra quem afirma que as alterações climáticas não são provocadas pela emissão de gases de efeito de estufa.
Contactada pelo PÚBLICO, a organização da conferência esclarece que o objectivo do encontro é "juntar especialistas que tratam, de forma científica de diversos aspectos das variações climáticas de forma a provar que muitos dos pressupostos em que se baseiam as teorias alarmistas não são verdadeiros".
A culpa não é do CO2?
À semelhança da professora Maria Assunção Araújo, a organização não nega o aquecimento global, mas defende que o CO2 não é a causa principal do fenómeno: "O que não nos parece verdade é que todas as causas da poluição e da deterioração ambiental tenham a ver com o CO2 que é um gás perfeitamente inofensivo, do qual depende a vida na Terra", escreveram, num e-mail enviado ao PÚBLICO.
"Se nos vierem dizer que é preciso cuidar do planeta diminuindo a poluição", continuam, "nós evidentemente concordamos". Mas, e porque "nem todos pensamos da mesma maneira", a organização desta conferência afirma querer "entender melhor as causas das alterações climáticas" sem "alarmismos erróneos".
No quinto relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), que data de 2014, é sublinha que “a influência humana no sistema climático é clara e as recentes emissões antrópicas de gases de efeito estufa são as mais altas da História”. “As recentes mudanças climáticas tiveram impactos generalizados nos sistemas humanos e naturais”, lê-se no documento.
Recentemente, um estudo publicado na revista científica PNAS sustenta que, mesmo que se consiga travar as emissões nos dois graus, alguns dos fenómenos podem já não ser reversíveis. Nos últimos 30 anos, a temperatura média da Terra subiu cerca de um grau Celsius por causa do aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera com a queima de combustíveis fósseis. O CO2 tem a capacidade de absorver a energia irradiada da superfície terrestre, que por sua vez recebe o calor do Sol. Quanto mais CO2 existe na atmosfera, mais calor é retido, provocando o efeito de estufa. Em Portugal, os efeitos das alterações climáticas sentem-se, por exemplo, nas mais frequentes ondas de calor.