Puseram electrões a surfar uma onda de plasma – e eles aceleraram
Cientistas portugueses participaram numa experiência que pode ser crucial para a investigação das leis fundamentais da natureza e ter várias aplicações.
Um grupo de cientistas de mais de 20 instituições internacionais – incluindo seis investigadores em Portugal – anunciou na última edição da revista Nature que, pela primeira vez, se conseguiu demonstrar que é possível acelerar electrões numa onda de plasma gerada por um feixe de protões. Esta demonstração fez-se na AWAKE (Experiência de Aceleração Avançada, ou Advanced WAKEfield Experiment) do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN). Isto poderá ser crucial para estudar as leis fundamentais da natureza ou vir a ter várias aplicações médicas e industriais.
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Um grupo de cientistas de mais de 20 instituições internacionais – incluindo seis investigadores em Portugal – anunciou na última edição da revista Nature que, pela primeira vez, se conseguiu demonstrar que é possível acelerar electrões numa onda de plasma gerada por um feixe de protões. Esta demonstração fez-se na AWAKE (Experiência de Aceleração Avançada, ou Advanced WAKEfield Experiment) do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN). Isto poderá ser crucial para estudar as leis fundamentais da natureza ou vir a ter várias aplicações médicas e industriais.
Antes de mais, o que é a AWAKE? “É um projecto de demonstração de um acelerador compacto de electrões a energias muito elevadas em distâncias curtas”, refere um comunicado sobre o trabalho, adiantando que o lançamento da experiência foi em 2012 no Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa. E onde foi instalada? Junto ao LHC, o gigantesco acelerador do CERN, há um acelerador mais pequeno, o Super-Sincrotrão de Protões (SPS). A AWAKE fica numa das “ramificações” do SPS, que envia feixes de protões para essa mesma experiência.
Para a AWAKE funcionar, tem de haver vários “ingredientes”, indica ao PÚBLICO Jorge Vieira, do Grupo de Lasers e Plasmas do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do IST e um dos autores do trabalho. Esses ingredientes são uma célula de plasma de dez metros de comprimento (a maior construída até agora), um laser, um feixe de protões do SPS, e um feixe de electrões.
Vamos então à experiência. Os ingredientes vão usar-se quase em simultâneo. A célula de plasma é composta por uma fonte de vapor de rubídio, que, por sua vez, é ionizado com um feixe de laser. Origina-se assim plasma – o quarto estado da matéria – de rubídio.
De seguida, um feixe de protões é injectado juntamente com o laser, que está praticamente sobreposto a esse feixe de protões. Uma vez que o rubídio já está ionizado, o feixe de protões vai “excitar” o plasma levando à geração de ondas de plasma. “É como um barco [feixe de protões] quando vai no mar [plasma] e cria uma onda [ondas de plasma]”, realça Jorge Vieira.
Por fim, injecta-se um feixe de electrões no plasma – que está a oscilar – e o feixe é acelerado precisamente quando está a “surfar” as ondas de plasma. “Aqui em vez do surfista, temos os electrões, que já vêm com uma certa velocidade, o que lhes permite surfar a onda.”
O que se conseguiu? “Demonstrou-se, pela primeira vez, que um feixe de protões consegue excitar estas ondas de plasma e que estas ondas conseguem acelerar estes electrões surfistas”, assinala Jorge Vieira, referindo que esta demonstração se verificou em Maio. E se os electrões foram inicialmente injectados com energias na ordem dos 19 milhões de electrões-volt (relativamente baixas), foram acelerados para quase dois gigas electrões-volt (100 vezes mais) em dez metros. “Um acelerador convencional, em vez de dez metros, teria de ter um quilómetro para acelerar electrões à mesma energia.”
Um dos avanços científicos do ano
Além disso, a AWAKE foi a primeira experiência para acelerar ondas de plasma a usar feixes de protões. “A grande vantagem dos feixes de protões é que consegue penetrar mais profundamente no plasma porque têm mais energia do que lasers ou feixes de electrões”, esclarece Jorge Vieira.
Esta experiência é assim crucial para alcançar colisões de alta energia para que estudar leis fundamentais da natureza e pode ter várias aplicações médicas e industriais, frisa-se no comunicado. Além disso, Jorge Vieira indica que técnicas inovadoras que permitam reduzir o tamanho dos aceleradores de partículas podem ser “revolucionárias” e que estes aceleradores de plasma podem ser promissores pelo facto de serem muito comprimidos. Desta forma, poderão vir a ser usados um dia em laboratórios mais pequenos como os das universidades.
Para além de ser uma das novidades científicas mais importantes deste e dos últimos anos para a física de plasma, Jorge Vieira salienta: “Penso que é um dos grandes avanços científicos do ano e, para ilustrar a sua importância, é também um dos milestones [marcos] do CERN para este ano”, refere ainda o investigador.
Este trabalho incluiu ainda Luís Oliveira e Silva (coordenador da equipa, do IST), Nelson Lopes (investigador do IST), Ricardo Fonseca (professor do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa), bem como Mariana Moreira e do alemão Anton Helm, doutorandos no IST. Esta equipa contribuiu para as previsões teóricas, simulações numéricas e no desenvolvimento da célula de plasma. “Os resultados experimentais confirmam as simulações numéricas e a teoria desenvolvida no IST desde 2012”, salienta Luís Oliveira e Silva.
O futuro passo desta equipa será aumentar o tamanho da célula de plasma para mais de dez metros, “para demonstrar que os electrões podem ser acelerados até energias mais elevadas”, informa Jorge Vieira. Como próximos planos, toda a equipa do AWAKE quer, entre outros aspectos, explorar distâncias de aceleração mais longas e melhorar a intensidade e qualidade de feixes acelerados.