Prémio Champalimaud para a primeira terapia genética que trata uma forma de cegueira infantil
Três equipas de cientistas que desenvolveram tratamentos para uma doença rara e o investigador que descobriu a sua causa genética vão receber um milhão de euros.
Há uma doença genética rara que faz com que as crianças nasçam (ou fiquem nos primeiros meses de vida) com uma grande deficiência visual. Essa doença chama-se amaurose congénita de Leber e, ao longo do tempo, a visão torna-se cada vez pior e essas crianças acabam por ficar quase ou totalmente cegas. E se houvesse uma terapia genética que melhorasse a sua visão? Já há e as três diferentes equipas de investigadores que desenvolveram tratamentos e o cientista que descobriu a causa genética da doença recebem esta terça-feira o Prémio António Champalimaud de Visão 2018, no valor de um milhão de euros, numa cerimónia presidida por Marcelo Rebelo de Sousa.
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Há uma doença genética rara que faz com que as crianças nasçam (ou fiquem nos primeiros meses de vida) com uma grande deficiência visual. Essa doença chama-se amaurose congénita de Leber e, ao longo do tempo, a visão torna-se cada vez pior e essas crianças acabam por ficar quase ou totalmente cegas. E se houvesse uma terapia genética que melhorasse a sua visão? Já há e as três diferentes equipas de investigadores que desenvolveram tratamentos e o cientista que descobriu a causa genética da doença recebem esta terça-feira o Prémio António Champalimaud de Visão 2018, no valor de um milhão de euros, numa cerimónia presidida por Marcelo Rebelo de Sousa.
Michael Redmond diz que tudo no seu trabalho é sobre descobertas. Para ilustrar o que quer dizer, até dá o exemplo do nome do próprio Centro Champalimaud em inglês – Center for the Unknown (Centro para o Desconhecido), onde está esta semana – e aponta para a Torre de Belém, um símbolo das viagens dos portugueses pelo mundo fora nos séculos XV e XVI, que está mesmo ao lado do centro.
Mas antes de nos contar as suas descobertas, o cientista que identificou a causa genética da amaurose congénita de Leber faz questão de referir o contributo de George Wald na sua investigação. O bioquímico conseguiu demonstrar o papel fundamental da vitamina A em reacções que convertem a luz em imagem nos olhos. Por isso, recebeu o Prémio Nobel da Medicina de 1967. A partir daqui, Michael Redmond, agora no Instituto Nacional do Olho (EUA), partiu para o desconhecido.
Começou por perceber que havia uma proteína que fazia com que os receptores da luz funcionassem no olho e acabou por identificar o gene que produzia essa proteína, o RPE65. Mais tarde, clonou esse gene. “Tudo levava a crer que o RPE65 fosse o Santo Graal e que era essencial para converter a vitamina A na forma activa [em células que são foto-receptores na retina]”, conta.
Depois de perceber isso, estudou esse gene em famílias com amaurose congénita de Leber e observou que algumas tinham mutações nesse gene. Concluiu então que o gene era essencial para a visão e que as mutações tornavam as crianças funcionalmente cegas desde o nascimento.
“Mas os cientistas querem sempre mais”, diz. Por isso, ainda estudou este gene em ratinhos geneticamente modificados. O que acontecia aos ratinhos que não tinham esse gene “ligado”? “Se lhes mostrássemos um flash, não o viam.”
Agora, sente-se gratificado por a sua descoberta ter contribuído para o desenvolvimento da primeira terapia genética a tratar uma doença hereditária. Ao todo, três equipas de cientistas desenvolveram essa terapia genética em ensaios clínicos diferentes.
Jean Bennett e Albert Maguire (da Universidade da Pensilvânia, nos EUA) começaram por trabalhar esta doença com ratinhos e cães. Em 2001, anunciaram que tinham conseguido melhorar a visão de três cães cegos. O casal, que se conheceu ainda na escola de medicina, acabou por realizar a primeira fase do seu ensaio clínico da terapia genética em 2007.
“No geral, numa terapia genética repara-se o gene. E, no caso desta doença, o gene RPE65 não produz a proteína necessária para converter a vitamina A na forma exacta e não se consegue capturar luz”, explica Albert Maguire. Jean Bennett completa o raciocínio do marido e explica o que se faz na terapia: na parte de trás do olho, injecta-se um vírus inofensivo para os humanos, que é como um “vírus protector” que leva uma cópia normal do gene e a entrega às células da retina para que estas funcionem de forma normal. A visão vai assim melhorar significativamente.
Em breve na Europa
Desde 2007, o ensaio clínico teve três fases e trataram-se 41 doentes. Em Dezembro de 2017, o casal viu esta terapia aprovada pela FDA, a agência federal que regula os medicamentos e a alimentação nos EUA. Neste momento, está disponível em seis centros de excelência dos Estados Unidos e os cientistas esperam que chegue à União Europeia ainda este ano.
Mas esta terapia, denominada Luxturna e que pertence à empresa farmacêutica Spark Therapeutics, pode não ser para qualquer um e o seu preço tem sido alvo de polémica: o tratamento nos dois olhos custa cerca de 735 mil euros (850 mil dólares). “Não temos nada a ver com o preço”, aponta Jean Bennett. “Nem recebemos dividendos”, adianta Albert Maguire, acrescentando que a empresa cobra esse valor porque é uma doença rara – afecta cerca de dez mil pessoas no mundo – e só se faz uma vez.
As outras equipas ainda não submeteram a terapia para aplicação clínica junto dos reguladores de saúde. “Há coisas a melhorar no tratamento”, refere Samuel Jacobson, também da Universidade da Pensilvânia, e faz parte de outra equipa com William Hauswirth. “Queremos fazer com que [o tratamento] dure mais e prevenir a morte das células, porque continuam a morrer. A terapia causa uma melhoria temporária de visão [que pode ir de um par de anos a dez anos].” É por isto que recusa a expressão de que “esta terapia genética cura” o doente. “A maioria dos doentes fica melhor, mas não fica com a visão perfeita e normal.”
Desde 2005, a sua equipa realizou ensaios clínicos em 15 pessoas dos dez aos 40 anos. Mas Samuel Jacobson conta que ainda se lembra quando, há umas décadas, tentava tratar da cegueira dos seus doentes e não conseguia. “Hoje, houve uma revolução na genética.”
Agora, é ao sol no jardim tropical interior do Centro Champalimaud que recorda o caso do jovem canadiano de 25 anos que tratou com esta terapia há uns anos. “Tinha-me dito que nunca tinha visto o sol. Disse-lhe que ia ver o sol.” Neste momento, na casa dos 30 anos, já viu o sol, tornou-se advogado, casou e tem um filho.
Também em 2008, a terceira equipa premiada – composta por Robin Ali e James Bainbridge, da University College de Londres – relatava como tinha conseguido resgatar Steven Howarth, de 18 anos, da cegueira total graças à mesma terapia genética.
Já Jean Bennett e Albert Maguire não se esquecem da rapariga de oito anos tímida e com medo que ganhou uma nova vida. “Agora até consegue ver as estrelas”, diz a sorrir Albert Maguire. E Jean Bennett acrescenta que a terapia também muda a vida dos pais: “Os pais contam-nos que as crianças são tímidas antes da intervenção. Depois do tratamento, já brincam com os amigos. Os pais têm de as deixar ser independentes.” Também Michael Redmond se lembra de um rapaz de 12 anos que fez este tratamento. “Ficou mais confiante e estava disposto a ir a sítios estranhos para si”, conta.
“A aplicação [clínica] depende da ciência básica e isto valida essa ligação: uma não é nada sem a outra”, diz Michael Redmond sobre a importância do prémio, o maior galardão nesta área e apoiado pela Organização Mundial da Saúde. Com ele, o investigador quer investir no desenvolvimento de novas técnicas para descobrir novas vias metabólicas na retina. Já Samuel Jacobson refere que pretende investigar outras doenças do mesmo tipo e Jean Bennett e Albert Maguire irão gastá-lo em tratamentos de diferentes formas de cegueira, a treinar uma nova geração de cientistas e no desenvolvimento de tecnologias.