Brasil: o país no futuro
Há quatro anos, por esta altura, Dilma Rousseff e Aécio Neves destacavam-se como os mais prováveis candidatos na segunda volta das presidenciais brasileiras. Dilma ganhou, embora não de forma esmagadora, e Aécio perdeu, mas sem comprometer o futuro da sua carreira política. Um observador desapaixonado da política brasileira não ficaria mal visto se dissesse na altura que, após quatro anos de Dilma, a vez de Aécio poderia finalmente chegar em 2018. E com essa possível transição o Brasil aproximar-se-ia também daquilo que as velhas teorias da democratização previam para um país saído de uma ditadura que conseguisse alternar entre campos políticos no poder por duas vezes sucessivas: a plena consolidação democrática.
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Há quatro anos, por esta altura, Dilma Rousseff e Aécio Neves destacavam-se como os mais prováveis candidatos na segunda volta das presidenciais brasileiras. Dilma ganhou, embora não de forma esmagadora, e Aécio perdeu, mas sem comprometer o futuro da sua carreira política. Um observador desapaixonado da política brasileira não ficaria mal visto se dissesse na altura que, após quatro anos de Dilma, a vez de Aécio poderia finalmente chegar em 2018. E com essa possível transição o Brasil aproximar-se-ia também daquilo que as velhas teorias da democratização previam para um país saído de uma ditadura que conseguisse alternar entre campos políticos no poder por duas vezes sucessivas: a plena consolidação democrática.
Quatro anos depois, o quadro político não poderia ser mais implausível para esse observador desapaixonado. Dilma foi afastada da presidência há dois anos (feitos na passada sexta) sob pretextos de que hoje ninguém se lembra e nos quais, à altura, nem mesmo muitos dos seus opositores acreditavam. Aécio tem dificuldades em ter apoio até para se fazer eleger deputado federal. E Lula, é claro, lidera as sondagens e está preso num processo em que as fronteiras entre judiciário e política se confundem. Atrás de Lula vem nas sondagens Bolsonaro, o representante de uma extrema-direita boçal que defende os torturadores da ditadura militar e que considera os direitos humanos “coisa de vagabundo”.
Quem errou, sobretudo, foi quem protagonizou a manobra para afastar Dilma. O campo que protagonizou o “impeachment”, do PMDB do impopularíssimo presidente em exercício Michel Temer ao PSDB do candidato presidencial Geraldo Alckmin, tem uma presença praticamente residual no pleito presidencial. Pelos resultados se vê que o erro foi político, mas não só. Previ na altura do afastamento de Dilma que, tal como no Macbeth de Shakespeare em que cada novo crime serve para encobrir o primeiro, este centro-direita brasileiro não poderia parar pelo “impeachment”: a seguir, havia que impedir Lula de ser candidato às presidenciais. E assim foi. Só que, a partir desse momento, o erro político transforma-se em erro moral também, que pôs a consolidação da democracia brasileira a correr riscos como há muito não se imaginavam sequer possíveis. E para quê? Para que, daqui a umas semanas, o Brasil tenha de escolher entre devolver a presidência ao Partido dos Trabalhadores ou entregá-la a Bolsonaro. Presidência essa que, se tivessem sabido esperar pelo decurso normal do mandato de Dilma, os autores do ridícula encenação do “impeachment” estariam agora prestes a conquistar para Aécio ou alguém do mesmo campo político. Que lhes sirva de lição.
Isto não quer dizer que o PT não tenha errado também. Não falo só dos erros passados, da excessiva cumplicidade com a corrupção antiga e da ativa participação em nova corrupção, como o caso do Mensalão. Falo da forma como em todo este processo o PT nunca se quis renovar e optou por se cristalizar em torno da figura de Lula, mesmo quando sabia perfeitamente que ele não poderia ser candidato. Provavelmente, um acerto tático — assim o PT mobiliza a base e diminui a pressão sobre o candidato a vice que substituirá Lula — mas que não deixa de ser, do ponto de vista ético, uma encenação também ela condenável.
Desse ponto de vista, uma das poucas boas notícias a chegar do Brasil nos últimos tempos é mesmo a escolha do candidato a vice de Lula: Fernando Haddad. Um dos melhores ministros da educação que o país já teve, responsável pela enorme expansão do ensino superior com a construção de novas universidades federais e com a inclusão de categorias sociais, raciais e geográficas que antes não acediam à universidade, Fernando Haddad foi depois um prefeito de São Paulo com uma visão de grande responsabilidade ambiental e social. Haddad é o tipo de candidato da geração pós-Lula que o PT já deveria ter apresentado há muito tempo. Se, como é provável, Fernando Haddad chegar à segunda volta das presidenciais com o apoio político de Lula, a escolha passará não apenas a ser entre o mal maior de Bolsonaro e um mal menor qualquer, mas entre a irresponsabilidade autocrática de Bolsonaro e uma hipótese de regresso a um caminho de desenvolvimento económico, social e cultural para o país. Após um período de reflexão longe do Palácio do Planalto, até poderia ser que os autores do “impeachment” se convencessem a fazer as coisas de outra forma para que no Brasil a democracia funcionasse com alternância e alternativa no exercício do poder.
A não ser que, seguindo o princípio de Macbeth, os irresponsáveis por detrás do “impeachment” decidam encobrir o golpe constitucional com uma estratégia de terra queimada, apoiando Bolsonaro na segunda volta. Esse é que seria um crime moral e político indesculpável que os condenaria para sempre. Mas tendo em conta o passado, não excluiria essa hipótese.