Suécia desafia eldorado português: quer evitar IRS a 0% para pensionistas
Governo sueco força Costa a novo acordo, para evitar que os seus pensionistas, atraídos pelo “fado e vinho verde”, consigam um IRS de 0% cá e lá. O assunto ganhou novo fôlego e em Setembro há negociações.
A Suécia está a seis dias de umas competitivas eleições legislativas onde o crescimento da extrema-direita não é só uma ameaça latente, é real. Longe dos holofotes da campanha, mas nem por isso despercebido da opinião pública, uma bandeira ganhou força nas últimas semanas na agenda do Governo do social-democrata Stefan Löfven: a renegociação de uma convenção fiscal com Portugal. Tudo por causa dos pensionistas suecos que nos últimos anos se mudaram para terras lusas, conseguindo ficar isentos de IRS nos dois países, à boleia das convidativas regras fiscais do regime português dos residentes não habituais.
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A Suécia está a seis dias de umas competitivas eleições legislativas onde o crescimento da extrema-direita não é só uma ameaça latente, é real. Longe dos holofotes da campanha, mas nem por isso despercebido da opinião pública, uma bandeira ganhou força nas últimas semanas na agenda do Governo do social-democrata Stefan Löfven: a renegociação de uma convenção fiscal com Portugal. Tudo por causa dos pensionistas suecos que nos últimos anos se mudaram para terras lusas, conseguindo ficar isentos de IRS nos dois países, à boleia das convidativas regras fiscais do regime português dos residentes não habituais.
O executivo sueco há muito que não disfarça o incómodo e, com as legislativas do próximo domingo à porta à porta, a ministra das Finanças, Magdalena Andersson, deu ênfase há dias ao facto de ter puxado Portugal para a mesa das negociações.
Estocolmo parte com um argumente forte e uma ameaça evidente que força o Governo de António Costa a ir a jogo: já avisou que se nada mudar passará a tributar os pensionistas no seu país, esvaziando incentivo do regime dos residentes não habituais. Certo é que em Setembro as autoridades fiscais dos dois países vão avançar com consultas técnicas. E Lisboa não tem vantagem em que a Suécia aja unilateralmente, quando o objectivo sueco passa por alcançar uma nova convenção cujos detalhes técnicos impeçam que os reformados fiquem fiscalmente em terra-de-ninguém.
O que se passa afinal? Na origem do problema está a combinação de dois instrumentos: o regime português dos residentes não habituais e a convenção assinada em 2002 entre Portugal e a Suécia evitar duplas tributações.
O primeiro prevê que os pensionistas que optem por mudar-se para Portugal (ficando aqui 183 dias por ano) e passem a ter residência podem beneficiar de um IRS de 0% relativamente às reformas que lhes são pagas pelo Estado de origem. A lei ressalva que isso acontece se a pensão for tributada no outro país de acordo com a convenção fiscal bilateral. E os problemas começam quando se cruzam estas regras com as da convenção. É que no caso da Suécia o acordo garante essa competência exclusivamente ao Estado da residência (Portugal), deixando Estocolmo de pés e mãos atadas para cobrar o IRS.
Pressão-aproximação
Se França não hostiliza Portugal por ser apresentado como uma “Florida da Europa”, a medida é mal vista nos países nórdicos (em particular a Suécia e a Finlândia), que olham para o instrumento português que promove a concorrência desleal e distorce os objectivos de justiça fiscal do IRS.
Ao PÚBLICO, o assessor de imprensa da ministra Andersson, Gosta Brunnander, confirmou que as negociações estão em curso mas mais nada quis adiantar. Do lado português, o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, confirma que foi “acordado um período de consultas técnicas” entre as administrações fiscais sueca e portuguesa para adaptar a convenção.
No fim, é preciso um acordo político e por isso não surpreende que, nesta altura, Andersson procure capitalizar o facto de ter conduzido Portugal à mesa das negociações, quando até o próprio ministro Mário Centeno já admitiu ser preciso encontrar uma “reposta política”.
A Suécia quer alcançar o que a Finlândia conseguiu: renegociar a convenção e ganhar margem para tributar. A estratégia seguida não é distante. Helsínquia começou por renegociar a sua convenção em 2016, mas vendo que Portugal ainda não ratificou o texto (o MNE português continua a dizer que o processo “está em curso”), tomou uma decisão inédita decidindo aprovar o fim da actual convenção (a anterior à nova) com efeitos a 1 de Janeiro de 2019 se Portugal não ratificar o texto e nada disser até 1 de Dezembro deste ano (o que implicaria passar a tributar unilateralmente os seus pensionistas).
Em nove anos, três mil suecos escolheram Portugal para viver. Começaram por vir a conta-gotas e a partir do momento em que o regime fiscal se popularizou passaram a ser centenas por ano. Em 2017, foram perto de 800. Os números não correspondem exactamente aos cidadãos que beneficiam do RNH, mas para o Ministério as Finanças sueco é “razoável estimar que a maior parte” do crescimento se deva a isso.
Não será pelo número de pensionistas em causa, mas por uma questão de princípio, que a Suécia coloca a questão a Portugal. Ao jornal Expressen, Magdalena Andersson deixava uma reflexão em Fevereiro de 2017: “Se [os pensionistas] se mudam para Portugal porque gostam de fado ou vinho verde ou porque adoram o clima, então devem poder fazê-lo. Mas se se mudam só para evitar o pagamento de impostos, então acho que devem olhar-se ao espelho e pensar sobre se querem mesmo tomar essa decisão”.
BE propõe fim do regime já em 2019
À espera de uma prova do Governo sobre a eficácia de um instrumento que considera ineficaz e fiscalmente injusto, o Bloco de Esquerda vai propor o fim do regime fiscal dos residentes não habituais já a partir de 2019, acabando com a possibilidade de haver mais cidadãos a ganhar o estatuto para poderem pagar um IRS de 20%, independentemente do rendimento que auferem, ou 0% no caso de alguns pensionistas.