Neste campo de refugiados da Austrália há crianças que só pensam “como morrer”
Desde tentativas de suicídio à automutilação, os relatos que saem de Nauru, pequena ilha do Pacífico, mostram que estas crianças refugiadas não estão bem.
Em Junho de 2018, uma rapariga de 14 anos a viver no campo de Nauru “derramou gasolina sobre si própria e tinha um isqueiro”, diz um relatório a que a emissora pública australiana, ABC, teve acesso. No mesmo mês, uma outra criança de dez anos “tentou autoflagelar-se ao ingerir pedaços de metal pontiagudos”, diz a mesma fonte.
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Em Junho de 2018, uma rapariga de 14 anos a viver no campo de Nauru “derramou gasolina sobre si própria e tinha um isqueiro”, diz um relatório a que a emissora pública australiana, ABC, teve acesso. No mesmo mês, uma outra criança de dez anos “tentou autoflagelar-se ao ingerir pedaços de metal pontiagudos”, diz a mesma fonte.
Estas são algumas das histórias que chegam da ilha de Nauru, um pequeno país com metade da área da cidade do Porto e cerca de 13.000 habitantes, onde está instalado um dos centros de processamento para refugiados do Governo australiano que funciona fora do país — a ilha fica a cerca de 3000 quilómetros a nordeste da Austrália.
O jornal The Guardian cita fontes médicas em Nauru que dizem que pelo menos 20 crianças no centro de detenção se recusam a comer ou ingerir líquidos. Pelo menos uma dúzia de crianças precisará de ser retirada com urgência do centro.
Um outro caso é o de Ahoora, noticiado pelo The Guardian no final de Agosto, um menino de sete anos que vive no campo há cinco. Ahoora toma antidepressivos, a mãe já tentou suicidar-se, o pai está em depressão profunda e já viu o irmão a coser os lábios em protesto. Quando lhe dão uma caneta Ahoora desenha crianças a chorar por trás de grades, rodeadas por tubarões e em chamas.
“A escuridão rodeia-me”, diz sobre as noites em que adormece e tem pesadelos.
“A única coisa em que muitas destas crianças pensam é como morrer. Elas pesquisam na internet”, diz à ABC Fiona Owens, a assistente social que esteve encarregue da equipa de saúde mental infantil em Nauru de Maio a Julho de 2018.
Desistir da vida
O psiquiatra Vernon Reynolds, que também trabalhou na ilha, conta (também à ABC) que as crianças exibem sinais de trauma graves. “O que vemos é que esses jovens e adultos basicamente desistem da vida, vão para a cama e todo o seu funcionamento se deteriora. Eles não comem muito, não bebem muito e param de cuidar do seu dia-a-dia”, detalha. “Eles param de interagir com as pessoas, deixam de falar e de fazer qualquer coisa que faziam por interesse e prazer”.
O presidente de Nauru, Baron Waqa, admitiu à Sky News Austrália que “nos últimos tempos se registou um aumento neste tipo de incidentes”. Os activistas pelos direitos dos refugiados, bem como os pais das crianças, estão “a empurrar” as crianças refugiadas para este tipo de situações como forma de “enganar o sistema e chegar à Austrália”, defendeu. “Estamos a investigar muitos desses casos.”
Vernon Reynolds diz que por causa dos relatórios que tem escrito sobre o estado de saúde mental destes refugiados — que não estão confinados a viver no campo e podem interagir com a comunidade de Nauru — foi impedido de voltar à ilha em Abril de 2018. “Fui informado pelo meu empregador [a International Health and Medical Services, contratada pelo Governo australiano] que algumas das minhas declarações eram muito pessoais... não eram clínicas o suficiente, e que eu podia estar a colocar a organização, ou o Governo, em risco, afirmando que estávamos negligenciar o cuidado dessas crianças.”
Um porta-voz do Departamento de Assuntos Internos da Austrália disse, em comunicado, que “os cuidados de saúde para todas as pessoas, incluindo refugiados, em Nauru, são da responsabilidade do Governo de Nauru”.
Entre 3 e 6 de Setembro, Nauru será o país anfitrião do Fórum das Ilhas do Pacífico. A emissora australiana ABC está proibida de entrar no país. Baron Waqa, o presidente de Nauru, diz que se deve à interferência da ABC na política do país aquando das eleições de 2016.
A Austrália intercepta os requerentes de asilo ao largo da sua costa e envia-os para campos financiados por si, como o de Nauru e outros na Papuásia-Nova Guiné. Em Maio de 2018 havia 939 pessoas no campo de Nauru e 137 eram crianças, segundo a ABC.